Em julho, a União Europeia (UE) negociou o que designou de melhoria “significativa” do acesso da ajuda humanitária a Gaza, incluindo o aumento do número de camiões de alimentos, e um acordo para “proteger a vida dos trabalhadores humanitários”. E, na ótica da UE, Israel tomou algumas medidas “notavelmente positivas”, para melhorar a situação, incluindo a retoma do fornecimento de combustível.
Todavia, de acordo com um relatório confidencial visto pela Euronews e distribuído pelo Serviço de Ação Externa da UE aos estados-membros, a situação humanitária continua “muito grave” e a escala de destruição “sem precedentes”, como refere Maïa de La Baume, em artigo de 7 de agosto, publicado pela Euronews.
Em julho, a UE anunciou que tinha acordado “passos significativos”, incluindo um “aumento substancial” do número de camiões diários que transportam alimentos, a abertura de vários outros pontos de passagem, a reabertura de padarias e de cozinhas públicas e a proteção dos trabalhadores humanitários.
O relatório culmina os esforços da chefe da diplomacia da UE, Kaja Kallas, e de Christophe Bigot, enviado especial da UE para o Médio Oriente, para o estabelecimento de contactos com Israel, a fim de resolver a crise humanitária em Gaza. Porém, segundo o documento, a UE viu serem implementadas poucas das medidas acordadas, pois “fatores de obstrução significativos continuam a minar as operações humanitárias e a entrega de ajuda a Gaza”, ocorrendo “pilhagens e baixas”, nos pontos de distribuição de ajuda humanitária, ataques aéreos que continuam a afetar instalações da Organização das Nações Unidas (ONU) e de organizações não-governamentais (ONG), o “pessoal visado”. Isto, sem falar dos recentes esforços de Israel para “encurtar, para sete dias, os prazos de novo registo das ONG internacionais”.
As imagens divulgadas pelas televisões são eloquentes sobre a míngua da ajuda humanitária e da luta sofrida e gritada por acesso a um quinhão de alimentos ou a um recipiente com água. As pessoas berram e disputam, não os primeiros lugares, mas o simples acesso ao que nunca chega para todos. Imagens de pessoas desnutridas são apenas uma pequena amostra da fome.
Entre 30 e 31 de julho, 105 Palestinianos terão sido mortos e, pelo menos, 680 ficaram feridos, em zonas, como Zikim, Morage e centro de Gaza.
O relatório da UE refere, como passos positivos, o reinício do fornecimento de combustível, a reabertura das rotas egípcias e jordanas, a abertura do ponto de passagem de Zikim, no Norte, a reparação de algumas infraestruturas vitais e “a tendência para o aumento” do número de camiões que entram, diariamente, em Gaza. Assim, para a UE, passados três meses, em que não entrava ali pinga de combustível, “o volume de combustível que está, atualmente, a entrar em Gaza é suficiente para sustentar as operações críticas de salvamento, mas não é suficiente para permitir que todos os programas humanitários funcionem”. Aliás, o COGAT, organismo de defesa israelita encarregado de coordenar a ajuda a Gaza, anunciou que tinha havido uma “renovação gradual e controlada da entrada de bens, através do setor privado, em Gaza”. Não obstante, Israel enfrenta críticas, a nível mundial, por instalar a fome na faixa sitiada e em que as conversações entre o Hamas e Israel continuam num impasse. A própria UE, que esteve, durante demasiado tempo, em defesa de Israel, tem dificuldade em responder à situação em Gaza. A Alemanha e a Itália têm-se mostrado relutantes em concordar com sanções contra Israel, incluindo a suspensão do acordo de associação UE-Israel ou a suspensão parcial do fundo Horizonte Europa.
Por seu turno, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, anunciou pretender confirmar, em reunião do Gabinete de Segurança, a 7 de agosto, os seus planos para ocupar a Faixa de Gaza, o que tornará obsoleto o acordo humanitário mediado pela UE.
A 6 de agosto, Teresa Ribera, vice-presidente executiva da Comissão Europeia, apelou aos países que votaram contra a imposição de sanções a Israel para optarem por uma “abstenção construtiva”, em futuras votações, nomeadamente, quanto ao programa Horizonte ou à suspensão do acordo de associação. “A situação de fome em Gaza é profundamente preocupante e acreditamos que é altura de ultrapassar a atual paralisia”, disse o porta-voz de Ribera, interrogando-se: “Em vez de nos concentrarmos na fraqueza institucional, será que podemos encontrar um terreno comum? Será possível uma espécie de ‘abstenção construtiva’?
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Ficou
agendada para 7 de agosto, à noite, uma reunião do Gabinete de Segurança de Israel para discutir a expansão das operações
militares em Gaza, apesar da oposição algumas autoridades israelitas, incluindo as Forças de Defesa (FDI),
e da preocupação com a segurança dos
reféns.O primeiro-ministro israelita reuniu-se, durante a semana, com os principais conselheiros e oficiais de segurança, para discutir formas de “alcançar os objetivos de Israel em Gaza”, após o fracasso das negociações de cessar-fogo, em julho. Um funcionário familiarizado com o tema declarou, sob anonimato, enquanto se aguarda a decisão formal, que o Gabinete de Segurança deverá proceder a longo debate e aprovar um plano militar alargado para conquistar a totalidade ou partes de Gaza que não estão sob controlo israelita. Porém, o que for aprovado “será implementado, gradualmente e por fases”, para aumentar “a pressão sobre o Hamas”.
Uma medida deste tipo desencadeará nova condenação internacional de Israel, numa altura em que Gaza enfrenta uma situação de fome generalizada.
O tenente-general Eyal Zamir, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, alertou que o plano porá em perigo a vida dos reféns e sobrecarregará mais as FDI. “A cultura do desacordo é parte inseparável da História do povo de Israel; é uma componente vital da cultura organizacional das FDI, tanto interna como externamente”, afirmou Zamir, garantindo: “Continuaremos a exprimir as nossas posições sem medo, de uma forma substantiva, independente e profissional.”
Nos últimos dias, Eyal Zamir entrou em conflito com o Gabinete de Segurança, nomeadamente, sobre a proposta de alargar a operação em Gaza, o que levou Benjamin Netanyahu a referir, numa publicação no X, que, se ele se opusesse aos planos, poderia demitir-se.
As famílias dos reféns em Israel manifestaram preocupação com a possibilidade de uma ofensiva alargada pôr em risco a vida dos restantes cativos. Assim, na manhã de 7 de agosto, cerca de duas dezenas de familiares de reféns partiram do Sul de Israel em direção à fronteira marítima com Gaza, onde transmitiram mensagens, através de altifalantes nos barcos, para os seus familiares no enclave, denunciando o plano de o governo expandir as operações militares, prolongando a guerra, para satisfazer os extremistas do executivo e evitar o seu colapso.
Entretanto, no mesmo dia, duas grandes organizações internacionais de ajuda humanitária publicaram relatórios, denunciando as políticas israelitas em Gaza.
A Human Rights Watch (HRW) apelou aos governos do Mundo para suspenderem as transferências de armas para Israel, na sequência dos mortíferos ataques aéreos a duas escolas palestinianas, em 2024. Deixou claro que uma investigação não achou qualquer evidência de um alvo militar em nenhuma das escolas. Contudo, pelo menos 49 pessoas foram mortas nos ataques aéreos que atingiram a escola feminina Khadija, em Deir al-Balah, a 27 de julho de 2024, e a escola al-Zeitoun C, na cidade de Gaza, a 21 de setembro de 2024. E, de acordo com a ONU, mais de 850 pessoas morreram perto das instalações da Fundação, nos últimos dois meses.
Os Médicos Sem Fronteiras (MSF) acusaram a Fundação Humanitária de Gaza, responsável pela distribuição local de alimentos, de provocar assassínios orquestrados, em vez de distribuir ajuda.
Os MSF, que gerem duas clínicas médicas perto das instalações da Fundação, afirmaram ter tratado cerca de 1400 pessoas feridas, nas proximidades, entre 7 de junho e 20 de julho, incluindo 28 pessoas que estavam mortas à chegada. Porém, a Fundação, que não respondeu, de imediato, a um pedido de comentário, mas tinha afirmado, anteriormente, que não foram feitos quaisquer disparos sobre quem quer que seja nas suas instalações.
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A
menos de um mês do 20.º aniversário da retirada israelita de Gaza, Israel ameaça
ocupar, de novo, o enclave, pois a retirada foi contestada por Benjamin
Netanyahu, quando era ministro no governo de Ariel Sharon. Embora não tenha
havido qualquer anúncio oficial, por parte do primeiro-ministro ou do governo,
os media israelitas citaram uma fonte
do seu gabinete como tendo dito, a 4 de agosto: “A decisão está tomada.
Vamos ocupar a Faixa de Gaza.”O governo segue em frente com a solução militar, ante a insistência da extrema-direita em obter a “vitória absoluta” e a forte pressão para forçar o Hamas a fazer concessões nas negociações de cessar-fogo e na troca de prisioneiros. Efetivamente, Benjamin Netanyahu não anunciou, claramente, a sua intenção de ocupar Gaza, mas repetiu, por várias vezes, que quer eliminar o Hamas, sem apresentar quaisquer planos anunciados sobre o controlo do enclave, sobre o fim da guerra e a eventual retirada do mesmo.
O Canal 12 de Israel revelou que “Netanyahu está inclinado a expandir o ataque a Gaza e a ocupar todo o enclave”. O jornal Yedioth Ahronoth citou autoridades israelitas como tendo dito: “Se a ocupação da Faixa de Gaza não agrada ao chefe do Estado-Maior, que apresente a sua demissão.” E acrescentaram: “Existirão também operações nas zonas onde estão reféns.”
O fórum das famílias dos reféns israelitas detidos no enclave de Gaza disse que o governo tentou, deliberadamente, frustrar qualquer acordo para salvar os reféns e tentou enganar o público, apesar da possibilidade de os trazer de volta. O fórum referiu, em comunicado: “Era possível chegar a um acordo abrangente para trazer de volta os reféns, o que é um facto incontestável.”
O chefe do Estado-Maior reduziu o tamanho das forças regulares, quando aumentam os apelos políticos para a ocupação da Faixa de Gaza, o que o Yedioth Ahronoth considerou recusa implícita às pressões dos ministros de extrema-direita do governo.
Em 2003, Benjamin Netanyahu opôs-se ao plano de Ariel Sharon para a retirada de Gaza e dos colonatos na Cisjordânia, o que o levou à liderança do Partido Likud, sucedendo a Sharon.
O “Plano de Retirada Unilateral de Israel” previa duas fases: a primeira era evacuar as colónias de Gaza e manter o seu espaço aéreo e marítimo sob controlo de segurança israelita; a segunda era anexar os grandes blocos de colonatos da Cisjordânia a Israel e cercar as restantes áreas com um muro de separação, após a separação de parte do Vale do Jordão, deixando, para os Palestinianos, o que resta (os aglomerados populacionais não interligados).
A disputa entre os dois políticos explodiu no início da primeira fase, quando Netanyahu, após se demitir do governo de que era ministro das Finanças, afirmou que Sharon fazia concessões aos Palestinianos, sem nada em troca, e que Gaza se tornaria, após a retirada israelita, uma “base para o Hamas, o Hezbollah e a Al-Qaeda”. Na altura, Israel evacuou 21 colonatos, dos quais se destacam Netzarim, Kfar Darom e Morag, e transferiu cerca de oito mil colonos que viviam isolados do resto do enclave, de forma similar ao isolamento dos colonatos da Cisjordânia do resto das áreas palestinianas. Tais colonatos ocupavam cerca de 35% da área de Gaza, não ultrapassando os 360 quilómetros quadrados. Porém, Israel manteve o controlo direto e indireto das passagens fronteiriças e das fronteiras marítimas do enclave.
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No seu livro de 1993, “Um lugar entre
as nações”, Benjamin Netanyahu delineou a sua ideologia para lidar com os Palestinianos,
em Gaza e na Cisjordânia. E, quando chegou à questão de saber o que fazer com a
população árabe que permaneceria sob controlo israelita, se Israel mantivesse a
Cisjordânia e Gaza, reconheceu o problema, mas disse que seria resolvido com a
imigração judaica em massa, permitindo que os Palestinianos vivessem como
estrangeiros sob o domínio israelita, tornando-se cidadãos, após longo período
de bom comportamento.As suas palavras são reforçadas pelo seu plano, dos últimos dois anos, de expulsar os Palestinianos de Gaza e de reduzir a sua população, embora tenha dito aos meios de comunicação social que a saída deveria ser voluntária e não forçada. O plano deu polémica, quando Donald Trump, perito no domínio do investimento e do imobiliário, anunciou a intenção de transformar Gaza numa enorme estância “Riviera”, na costa Leste do Mediterrâneo.
O primeiro-ministro não se importa, a nível interno, com o ruído externo e com as pressões internacionais para que ponha fim à guerra em Gaza e avance para a solução dos dois Estados, que rejeita, por a considerar uma recompensa para o terrorismo.
Foi um dos maiores opositores de Yitzhak Rabin, antigo primeiro-ministro israelita, assassinado após ter entrado em negociações com os Palestinianos. Na verdade, em outubro de 1995, o direitista Igal Amir disparou três balas que perfuraram as costas de Rabin, que saía de um comício pela paz, numa praça em Telavive, no centro de Israel.
Em 2018, o Canal 2 de Israel (depois, Canal 12) publicou os resultados de uma sondagem que revelou que 30% dos Israelitas estão convictos de que Netanyahu ajudou a incitar extremistas judeus a matar Rabin. E, passados 30 anos do assassinato de Rabin e 20 anos da retirada de Israel de Gaza, Netanyahu está agarrado à ideia que o levou ao poder e a travar a mais longa guerra da História do país, visando a ocupação de Gaza e o não a um Estado palestiniano.
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O primeiro-ministro israelita
esclareceu, recentemente, que a ideia é controlar Gaza, não governar o
território, o que dá no mesmo, pois controla as entradas e saídas de pessoas e
de bens. Faz-me lembrar a Troika, em
Portugal: controlava as tomadas de decisão política, económica e social, mas
quem governava era Passos Coelho, obedecendo-lhe ou ultrapassando-a.Porém, o Gabinete de Segurança de Israel confirmou o plano de Benjamin Netanyahu: Gaza será ocupada. E as FDI já enviam ordens de evacuação para os habitantes irem para Sul.
2025.08.07 – Louro de Carvalho
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