quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Donald Trump não merece o Nobel da Paz

 
O governo do Paquistão propô-lo para o Nobel da Paz, mercê da sua “grande visão estratégica” e da sua “excecional habilidade política”. E ele sente-se um pacificador e reclama o galardão, embora esteja convicto de que só o atribuem “a liberais”. Porém, não quer ficar atrás dos quatro presidentes dos Estados Unidos da América (EUA) a quem já foi atribuído.
O tema é abordado em artigos, publicados no Expresso online, de Catarina Maldonado Vasconcelos, sob o título “Nobel da Paz? Trump reivindica mérito, pelo fim do conflito mais mortífero desde a II Guerra Mundial, e ganha minerais para competir com China”, a 8 de julho, e de Margarida Mota, sob o título “Donald Trump acha-se merecedor de um Nobel da Paz e reclama créditos em seis conflitos: quais são e qual foi a sua intervenção?”, a 5 de agosto” – de que retirei alguns dados, graças à sua relevância.
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A Theodore Roosevelt o prémio foi atribuído em 1906, pelo seu papel no termo da  guerra entre duas das maiores potências mundiais de então, o Japão e a Rússia.
Woodrow Wilson foi galardoado em 1919, “pelo seu papel como fundador da Sociedade das Nações”, a organização que pretendia assegurar a paz no pós-I Guerra Mundial, embora os EUA nunca se lhe tenham juntado formalmente.
Em 2002, o laureado foi Jimmy Carter (que deixara a Casa Branca, 21 anos antes) pelo incansável e constante esforço na procura de soluções pacíficas para os conflitos internacionais, no avanço da democracia e dos direitos humanos e na promoção do desenvolvimento económico e social”.
Barack Obama foi último presidente dos EUA a receber o Nobel da Paz (recebeu-o em 2009), pelos “extraordinários esforços para reforçar a diplomacia internacional e a cooperação entre os povos”. Este reconhecimento foi criticado por ser precipitado e por não ter sólida sustentação.
Donald Trump, o 45.º e 47.º presidente norte-americano, quer ser o próximo titular da Casa Branca a ter um Nobel. Tal obsessão infundada reflete vaidade política e complexo, face a Barack Obama. O Nobel seria a consagração internacional que nunca teve, visto que, apesar do seu discurso isolacionista, sempre quis ser reconhecido pelas elites, a que pertence e que diz desprezar.
Karoline Leavit, porta-voz da Casa Branca, explicou as razões pelas quais o presidente é um justo candidato ao Nobel da Paz: “Negociou, em média, cerca de um acordo de paz ou cessar-fogo, por mês, durante os seus seis meses de mandato. […] Já é mais do que tempo de o presidente Trump receber o Prémio Nobel da Paz.”
Depois, enumerou seis conflitos que beneficiaram da intervenção de Trump, como se vai referir.
A Tailândia e o Camboja vivem em tensão com disputas fronteiriças, há séculos. A 28 de maio, a morte de um soldado cambojano, numa altercação, levou a confrontos que provocaram 36 mortos e cerca de 300 mil deslocados. A 28 de julho, entrou em vigor um cessar-fogo “imediato e incondicional”, mediado pela Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e assinado na Malásia. A Tailândia, no início, rejeitou as mediações da Malásia e da China, só tendo aceitado dialogar, após um telefonema de Trump, no dia 26, com o primeiro-ministro interino, Phumtham Wechayachai, e um outro com o primeiro-ministro do Camboja, Hun Manet.
Anunciado o cessar-fogo, Donald Trump voltou a falar com os dois governantes e reclamou os louros da trégua. “Já acabei com muitas guerras em apenas seis meses. Tenho orgulho em ser o Presidente da PAZ!”, escreveu, na sua rede Truth Social, a 28 de julho.
Entretanto, o vice-primeiro-ministro cambojano, Sun Chanthol, aflito com a guerra comercial das tarifas, prometeu propor o nome de Donald Trump para o Nobel da Paz.
A 13 de junho, o conflito no Médio Oriente agudizou-se com os bombardeamentos de Israel ao Irão. Trump associou-se à ofensiva e, após 11 dias de bombardeamentos contra instalações nucleares, responsáveis militares e cientistas do programa nuclear, os EUA alvejaram os complexos iranianos de Fordow, Natanz e Isfahan. O Irão retaliou sobre a base norte-americana de Al Udeid, no Catar. Trump considerou isso “resposta muito fraca” e agradeceu ao Irão ter avisado os EUA de que iria atacar. Depois, ditou os termos da trégua. E, a 7 de julho, ao jantar, na Sala Azul da Casa Branca, Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, entregou a Trump cópia da carta enviada ao Comité Nobel, a sugerir o seu nome para Nobel da Paz.
A 27 de junho, em Washington, a República Democrática do Congo (RDC) e o Ruanda assinaram um “tratado maravilhoso”, como lhe chamou Trump. Entre os dois ministros dos Negócios Estrangeiros (MNE) que rubricaram o documento, estava Marco Rubio, secretário de Estado da Administração Trump, que mediou o processo, com o Catar e a União Africana (UA). No mesmo dia, Donald Trump recebeu os dois governantes africanos na Sala Oval. E o vice-presidente americano, James David Vance, declarou: “Sob a liderança do presidente dos EUA, ultrapassámos 30 anos de matança e guerra... E estamos, agora, no caminho da paz.”
Desde a independência, na década de 1940, a Índia e o Paquistão travaram três grandes guerras. No início de maio, os dois países viveram o pior incidente dos últimos 20 anos, com a Índia a bombardear o Paquistão, em retaliação por um ataque que matou 26 turistas indianos, na zona da Caxemira, a 22 de abril. A 10 de maio, as duas partes aceitaram pousar as armas. “No sábado, o meu governo ajudou a intermediar um cessar-fogo total e imediato – creio que permanente – entre a Índia e o Paquistão, pondo fim a um conflito perigoso entre duas nações com muitas armas nucleares”, afirmou o presidente dos EUA, dois dias depois.
O papel de Washington no desfecho desta crise não é consensual. A 18 de junho, o governo indiano sustentava que as negociações para o fim da ação militar decorreram, diretamente, entre a Índia e o Paquistão, pelos canais militares existentes e por insistência do Paquistão. E, cinco dias após o cessar-fogo, o governo do Paquistão rejeitou as alegações de que os EUA impuseram a trégua. Porém, com a guerra das tarifas ao rubro, o governo do Paquistão anunciou que ia propor Trump ao comité Nobel da Paz, pela grande visão estratégica e excecional habilidade política.
O Egito e a Etiópia não têm uma guerra aberta entre ambos, mas há um problema a minar a relação bilateral: a Grande Barragem do Renascimento Etíope (GERD), a maior hidroelétrica da África, construída pela Etiópia no Nilo Azul, para inaugurar, neste ano. É uma bandeira para a Etiópia, mas grande dor de cabeça para o Egito, quase totalmente dependente da água do Nilo. O Egito rejeitou uma proposta da Administração Trump que passaria por uma “intervenção decisiva” para acabar com a disputa em torno da barragem do Nilo, na Etiópia, se o Egito permitisse que Israel deslocasse a população da Faixa de Gaza para a zona de Rafah, junto à fronteira com o Egito – plano que o governo egípcio rejeitou.
O presidente dos EUA sustenta que deveria receber um Nobel, “por travar a guerra entre a Sérvia e o Kosovo”, pois foi no seu primeiro mandato, a 4 de dezembro de 2020, na Sala Oval da Casa Branca, que os dois países firmaram tratados de normalização económica. Em junho deste ano, Donald Trump, recordando a data, considerou que Joe Biden prejudicou as perspetivas, a longo prazo, com algumas decisões muito tolas. “Mas vou corrigir isso, outra vez”, garantiu.
Ainda no atinente ao primeiro mandato, o inquilino da casa Branca reclama os créditos pelos Acordos de Abraão, iniciativa diplomática pela qual conseguiu que os Emirados Árabes Unidos, Bahrain, Marrocos e o Sudão normalizassem a relação diplomática com Israel.
Antes de ser reeleito para um segundo mandato, o candidato Donald Trump disse que, se fosse presidente, acabaria com a guerra na Ucrânia, em 24 horas, ainda antes de assumir funções. Não o tendo conseguido, está a adotar, crescentemente, discurso cada vez mais belicista, que denota a frustração por a resolução do conflito ser mais difícil do que tinha prometido.
Quanto ao genocídio de Israel, em Gaza, o presidente norte-americano continua ao lado do ocupante, embora com reservas, e foi o grande instigador do alargamento e do aprofundamento da guerra, com os ataques ilegais e injustificados ao Irão, que são um precedente para crescentes incumprimentos do direito internacional, por parte de todos os outros Estados. Aliás, foi ele quem teve a ideia de fazer de Gaza uma nova Riviera, à custa da emigração proposta aos Palestinianos ou, mesmo, da sua expulsão. 
No estado-maior do presidente dos EUA, há quem considere que a forma como Donald Trump fez das tarifas aduaneiras arma política, com a qual ameaçou lançar o caos no mundo dos negócios, é, ironicamente, merecedora de reconhecimento. Um conselheiro da Casa Branca para a área comercial, sustenta que, em vez de se falar do presidente como candidato ao Nobel da Paz, deveria, antes, ser apontado como candidato ao Nobel da Economia, porque ele, basicamente, ensinou economia do comércio mundial.
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Donald Tump não pode ser galardoado com o Nobel da Paz. A candidatura proposta pelo Paquistão, pelo Camboja ou por Israel funciona como moeda de troca para subtração às tarifas ou, no caso de Israel, por ter bombardeado o Irão. Ora, acabar um conflito à bomba ou surgir uma nova Riviera sobre os escombros da destruição de um território onde a fome é uma das principais armas não constitui adequada carta de recomendação para o prémio Nobel da Paz. Por outro lado, o termo dos conflitos em que interveio, de forma insuficiente e não consensual, não assegura uma situação estável e duradoura. 
Há, ainda, outra razão: é a ambição do presidente dos EUA. Um acordo de apoio à Ucrânia, na sua luta contra a Rússia, implicou a disponibilização de território para a exploração norte-americana das chamadas “terras raras” (minerais), de que os EUA têm falta. E o mesmo acontece com a mediação no conflito entre a República Democrática do Congo (RDC) e o Ruanda.
No acordo de paz firmado na Casa Branca, a 27 de junho, entre os ministros dos Negócios Estrangeiros da RDC e do Ruanda, a administração Trump reivindica a responsabilidade de libertar o Congo de conflito de décadas, dito como o mais mortífero desde a II Guerra Mundial.
Só neste ano, milhares de pessoas morreram e foram deslocadas centenas de milhares, tendo os rebeldes do M23, apoiados pelas tropas ruandesas, expulsado o exército congolês e as autoridades estatais de grande parte das províncias do Quivu do Norte e do Quivu do Sul, à medida que tomavam o controlo de vastas áreas. Em Uvira, no Leste da RDC, 250 mil pessoas deslocadas perderam o acesso à água, devido aos cortes de ajuda decididos por Trump, com a drástica redução de atividade da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).
O acordo em referência visa conter os combates que têm condenado milhares à morte e que expulsaram tanta gente das suas casas, no Leste do território da RDC. As partes prometem suspender as hostilidades, respeitar a integridade territorial, uma da outra, e acabar com o apoio a grupos armados não estatais.
Além dos esforços para parar os confrontos, o acordo, cujo objetivo é utilizar a criação de uma cadeia de abastecimento mineral previsível, como incentivo à coexistência e à cooperação pacífica entre a RDC e o Ruanda, refere planos para o comércio de minerais congoleses, apoiados por possíveis investimentos dos EUA.
Para os Congoleses que vivem em cidades controladas por grupos armados, o envolvimento norte-americano na guerra pode aumentar a ansiedade, em vez de lhes trazer alívio, pelo receio de que a paz seja imposta com recurso à violência, como no Irão, e que Washington possa justificar uma futura intervenção com a proteção dos seus interesses comerciais. Com efeito, as empresas dos EUA esperam ter acesso a minerais, como tântalo, ouro, cobalto, cobre e lítio, de que necessitam para satisfazer a procura de tecnologia e ultrapassar a China.
O interesse dos EUA parece novo, mas Trump foi atraído para a região, quando Félix Tshisekedi, presidente da RDC, propôs um acordo de minerais por segurança, no início deste ano, na sequência de pacto semelhante que os EUA estavam a negociar com a Ucrânia. Trump enviou Massad Boulos, conselheiro sénior para África, à região dos Grandes Lagos, e o alto responsável diplomático começou a trabalhar na estrutura para a paz e para os investimentos.
Do ponto de vista comercial, o acordo seria acompanhado de negócios relacionados com minerais e, em troca, os negócios atrairiam milhares de milhões de dólares para alguns dos investidores nessa região da RDC. Assim, Donald Trump só está interessado num apoio à estabilidade comercial para o acesso aos minerais, sem conflitos. E, de acordo com alguns observadores, se o acordo vingar, “servirá de contrapeso ao domínio da China na região”.
Marco Rubio, secretário de Estado dos EUA, anunciou que as partes realizarão uma cimeira presidencial, nos próximos meses, de novo, em Washington. Está em curso uma via paralela de negociações diretas entre Kinshasa e o M23, na capital do Catar, Doha. Trump, que presidiu à cerimónia de assinatura na Casa Branca, no final de junho, definiu o acordo como “triunfo glorioso”. E saudaram-no a UA, a Organização das Nações Unidas (ONU), a Rússia e a França.
Os EUA merecem o crédito de terem desenvolvido uma estrutura de paz que tanto o governo da RDC como o do Ruanda estavam dispostos a assinar a 27 de junho. Porém, é exagerado dizer que Donald Trump livrou o povo congolês do seu conflito de décadas. Há longo caminho a percorrer até à paz, no Leste da RDC, sendo necessária intensa diplomacia sustentada, para superar a desconfiança e os interesses mal disfarçados.
O conflito tem alastrado, desde a década de 1990. E o M23, grupo liderado por tutsis e batizado em homenagem ao acordo de paz falhado (23 de março de 2009) entre o seu grupo rebelde antecessor – Congresso Nacional para a Defesa do Povo (CNDP) – e Kinshasa, declarou-se não vinculado a nenhum acordo que o Ruanda faça com a RDC. Ora, a omissão do M23 no processo mediado pelos EUA será, de acordo com os analistas, a maior limitação do compromisso, pois, no âmago do acordo está o estabelecimento de um mecanismo permanente de coordenação conjunta da segurança entre a RDC e o Ruanda, o que levará à neutralização das  Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda (FDLR). E o Ruanda entende isso como ameaça existencial.
Ao não abordar o papel do Ruanda no conflito, o acordo parece favorecer o Ruanda, quando o Congo está em “posição muito frágil”, tendo perdido grande parte do território. À medida que o M23 avançava, os dois países temiam que o padrão se repetisse e ambos queriam aproximar-se de Donald Trump, muito hábil na abordagem política, esperando obter alguns benefícios.
O acordo constitui ponto de partida para o desligamento do Ruanda da RDC. Porém, como o M23 não é seu signatário e grande parte da retirada do Ruanda se baseia na forma como o Estado congolês lida com a FLDR, pode acontecer que nada mude, para já. Assim, apesar da vaidade trumpiana, este conflito, como o do Egito-Etiópia, o de Israel-Hamas-Irão e o da Rússia-Ucrânia, pode ficar em modo de espera ou virar para a agudização.
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Por tudo, será temerária a atribuição do Nobel da Paz ao 45.º e 47.º presidente dos EUA.

2025.08.05 – Louro de Carvalho


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