A 15 de agosto, no Alasca, reuniram os presidentes dos Estados Unidos da América (EUA) e da Rússia, respetivamente, Donald Trump e Vladimir Putin, acompanhados dos respetivos séquitos, para conversações sobre o fim da guerra na Ucrânia, sem que tenha havido um acordo de cessar-fogo e, muito menos, um acordo de paz.
Não obstante, os observadores consideram que houve avanços sobre os pressupostos para se pôr termo à guerra, que já vai no quarto ano. E um dado importante foi o convite do presidente dos EUA, com o assentimento do presidente russo, ao presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, e a alguns líderes europeus – que, apesar de serem partes interessadas, não participaram na cimeira – para uma reunião na Casa Branca, a 18 de agosto, para o prosseguimento das negociações.
Na aguardada visita à Casa Branca, Volodymyr Zelenskyy teve mais cuidado com as palavras e com a apresentação. Desta vez, envergou um fato preto, o que Donald Trump elogiou, ao passo que, em fevereiro, fora criticado, em plena Sala Oval, pelo vice-presidente, James David Vance e por um jornalista, pela sua indumentária de índole militar, que justificava, perante os diplomatas, por o seu país enfrentar uma dura guerra com a Rússia. Ou seja, fazia-o em honra do seu exército.
O grande tema da reunião passou pelas garantias de segurança de que a Ucrânia precisa para aceitar um acordo de paz e se Donald Trump estaria disposto a fornecê-las.
Volodymyr Zelenskyy relevou o que a Ucrânia precisa, para se sentir segura, o que incluía um exército forte, através da venda de armas e de formação. Tudo dependeria resultado das conversações do dia 18 e do que os países da União Europeia (UE), a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e os EUA garantissem ao país devastado pela guerra. Porém, Donald Trump não comprometeu as tropas norte-americanas para esse esforço, garantindo, em vez disso, uma presença de segurança semelhante à da NATO, mas que esses pormenores seriam discutidos na reunião da tarde com os líderes da UE.
O anfitrião garantiu que a Ucrânia terá segurança e “muito boa”, frisando, depois, que tal “segurança seria paga”. Na verdade, em resposta a um jornalista, afirmou que o país está a pagar pelo armamento recebido e o próprio Zelenskyy confirmou que a Ucrânia tem alguns “programas em marcha” que permitem pagar por essa “segurança”. “Vamos dar-lhes muito boa proteção, muito boa segurança”, disse Donald Trump, vincando: “Faz parte, e as pessoas esperam isso de nós, penso que as pessoas querem que nós ajudemos.”
O líder de Kiev confirmou que o seu país precisa “de tudo”, desde armas, formação militar, inteligência, e acima de tudo, de um “exército ucraniano forte”.
A conferência de imprensa, transmitida ao vivo pelos principais canais internacionais, durou alguns minutos e, apesar da sensação de que houve espaço para perguntas de muitos dos jornalistas presentes na Sala Oval, parece ter sido dada voz, sempre, aos mesmos, incluindo Brian Glenn, jornalista conotado com a extrema-direita e, segundo a BBC, próximo de Donald Trump. Aliás, foi ele que, em fevereiro provocou Volodymyr Zelenskyy, pela sua roupa, e agora o elogiou. E o presidente ucraniano retorquiu, dizendo-lhe que ele “estava com o mesmo fato”. “Eu mudei de roupa, você não”, disse Zelenskyy, o que deu origem a gargalhadas na Sala Oval, mas com James David Vance em silêncio.
Donald Trump assegurou que estão a ser feitos progressos para acabar com a guerra e reiterou o desejo de um encontro trilateral que junte Vladimir Putin e Volodymyr Zelenskyy à mesa das negociações, o que é fortemente apoiado pelos líderes europeus.
Isto não é exato. A Crimeia tornou-se parte da Rússia dentro da União Soviética, até 1954. Nesse ano, o líder soviético Nikita Khrushchov, ele próprio nascido num vilarejo próximo da Ucrânia, aprovou a transferência da Crimeia para a República Socialista Soviética da Ucrânia. E, a 5 de março de 2014, Barack Obama, deixou claro que não reconhecia a legitimidade do referendo separatista convocado pelo parlamento pró-russo da Crimeia e, alegando que a consulta não cumpria com a legislação e violava a constituição da Ucrânia, apelou à lei internacional.
O presidente ucraniano manifestou-se pronto para se encontrar com Vladimir Putin e lembrou que é o presidente russo quem tem recusado esse frente a frente.
A reunião do dia 18, convocada à pressa, ocorreu após Trump ter reunido com Putin e ter afirmado que o ónus de aceitar as concessões que poderiam pôr fim à guerra recai sobre Zelenskyy.
Acompanharam Zelenskyy o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, o presidente francês, Emmanuel Macron, o chanceler alemão, Friedrich Merz, o presidente finlandês, Alexander Stubb, e a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, bem como o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. E Donald Trump prometeu que, após esta cimeira, falaria com Vladimir Putin, que esperava o seu telefonema.
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Os
líderes europeus e o chefe executivo da NATO, que se reuniram para conversações
sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, mostraram uma frente unida, em
relação à segurança da Ucrânia, frisando que a questão é crucial para todo o
continente. E, ao saírem das conversações na Casa Branca, expressaram um otimismo
cauteloso de que o presidente dos EUA poderia estar a encontrar um impulso na
sua tentativa de cumprir a promessa de campanha de acabar com a invasão da
Ucrânia pela Rússia.O primeiro-ministro britânico afirmou, após a reunião, que se registaram “progressos reais” e um “verdadeiro sentido de unidade”.
A presidente da Comissão Europeia considerou que todas as partes estavam a trabalhar, em conjunto, para “uma paz duradoura”.
Embora tenham elogiado Donald Trump, pelo compromisso com garantias de segurança para a Ucrânia, os líderes europeus sugeriram que forjar um cessar-fogo temporário não está fora de questão. E o chanceler alemão disse que “o caminho está, agora, aberto” para travar os combates, mas que os próximos passos são mais complicados. “Não quero esconder o facto de que não tinha a certeza de que as coisas iriam correr desta forma – poderiam ter corrido de forma diferente. Mas as minhas expectativas não foram apenas satisfeitas, foram ultrapassadas. […] Vamos tentar pressionar a Rússia”, disse Friedrich Merz, vincando que preferiria ver um cessar-fogo.
Donald Trump não se comprometeu: “Se pudermos fazer o cessar-fogo, ótimo”, alvitrou, mas sugeriu que estava longe de ser um quebra-negócio.
Na sequência da cimeira do Alasca, o líder norte-americano deixou cair a exigência de um cessar-fogo imediato e disse que procuraria garantir um acordo de paz final entre a Rússia e a Ucrânia – uma mudança repentina para uma posição favorecida por Vladimir Putin. No entanto, de acordo com o presidente francês, o resultado “mais importante” da reunião da Casa Branca foi o “compromisso dos EUA em trabalharem connosco, para dar garantias de segurança” à Ucrânia. Emmanuel Macron disse aos jornalistas que os participantes nas conversações do dia 18 estão dispostos a marcar uma reunião bilateral entre Putin e Zelenskyy, “nos próximos dias”, e a reunião trilateral incluindo Trump, “dentro de duas a três semanas”.
Contudo, Friedrich Merz disse ter “as maiores dúvidas” sobre a vontade de Putin de parar a guerra. Por isso, sustentou que essa reunião “deve, como todas as reuniões, ser bem preparada”. “Fá-lo-emos com o presidente Zelenskyy”, prometeu.
Sobre as garantias de segurança, o chanceler alemão disse que os europeus e os americanos terão de discutir quem participa e em que medida, pois, “é absolutamente claro que toda a Europa deve participar”. Com efeito, na sua ótica, “não se trata apenas do território da Ucrânia”, mas da ordem política da Europa”. Porém, questionado sobre a possibilidade de tropas de manutenção da paz alemãs, disse que era demasiado cedo para dar uma resposta definitiva.
O secretário-geral da NATO disse que a adesão não está em cima da mesa, mas que os EUA e os líderes europeus estão a discutir “o artigo 5.º, tipo de garantias de segurança para a Ucrânia”. Na verdade, o artigo 5.º do Tratado da NATO estabelece que um ataque a um país membro é um ataque a todos os membros, o que constitui o cerne do pacto de defesa transatlântico.
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Depois da cimeira com Vladimir Putin,
o presidente dos EUA disse a Volodymyr Zelenskyy que a Ucrânia receberia
garantias de segurança substanciais, como parte do futuro acordo, mas não
especificou o que é que a Ucrânia terá de dar em troca.Com os líderes da UE a ouvirem da porta ao lado, os dois presidentes inverteram o guião da anterior reunião de fevereiro, partida por gritos, vincando a gravidade histórica do acontecimento e a sua determinação em fazer funcionar a sua relação. E o presidente dos EUA, ao dar as boas-vindas ao seu homólogo ucraniano, disse que estão a ser feitos progressos substanciais, afirmando, pela primeira vez, que os EUA poderiam intervir para garantir a segurança da Ucrânia, embora a Europa seja “a primeira linha de defesa”.
Depois de Trump e Zelenskyy terem terminado a reunião bilateral, juntaram-se a eles os sete líderes europeus que se deslocaram a Washington, com Zelenskyy, para mostrarem o apoio unido da Europa à Ucrânia e aos esforços de paz do presidente dos EUA.
No âmbito dessa ajuda, Donald Trump considerou que um dos pontos discutidos com os líderes, em Washington, naquela noite, foi “quem vai fazer o quê”. E Volodymyr Zelenskyy afirmou que as garantias de segurança são parte importante de uma “conversa muito boa”. “Falámos de pontos muito sensíveis. A segurança na Ucrânia depende dos EUA, de vós e dos líderes que estão connosco no nosso coração”, sublinhou.
Donald Trump disse que o presidente russo, Vladimir Putin, concordou que o Kremlin aceitaria garantias de segurança para a Ucrânia. Porém, enquanto se discutia, na Casa Branca, “quem vai fazer o quê”, em termos dessas garantias, Moscovo declarava não aceitar qualquer cenário que envolvesse o envio de tropas dos membros da NATO para a Ucrânia. “Isso poderia levar a uma escalada incontrolável do conflito com consequências imprevisíveis”, referiu a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova.
Após as conversas com Zelenskyy e com os líderes europeus, o presidente dos EUA reiterou que o próximo passo era colocar Vladimir Putin ao telefone. “E podemos ou não ter uma reunião trilateral. Se não tivermos uma [reunião trilateral], então a luta continua. E se o fizermos, temos uma boa hipótese […] de acabar com isto", afirmou Trump.
O presidente ucraniano disse estar pronto para um encontro trilateral. Já no passado, apelou, repetidamente, a uma reunião direta com Putin, que Moscovo rejeitou, mesmo quando Zelenskyy se deslocou à Turquia, apelando a uma reunião frente a frente com Putin.
Nas conversações na Casa Branca, Donald Trump disse que espera que uma reunião trilateral se realize, o mais rapidamente possível, e que, nessa altura, os territórios poderão ser discutidos.
“Também precisamos de discutir as possíveis trocas de território”, salientou Trump, sugerindo que se basearia nas atuais linhas da frente e nas terras que a Rússia ocupa.
O que o presidente dos EUA chamou de “troca de terras” é o aspeto mais complicado de um possível acordo, visto que inclui as concessões territoriais para a Ucrânia e nenhum compromisso para a Rússia. Assim, quaisquer negociações levarão um tempo considerável, razão pela qual Zelenskyy e os líderes europeus disseram que queriam um cessar-fogo primeiro – só então as negociações podem pôr fim à guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Donald Trump, que apoiou, inicialmente, a ideia de um cessar-fogo, parece ter mudado de ideias após a reunião no Alasca, quando começou a insistir num acordo de paz. E, no dia 18, admitiu a mudança de estratégia, dizendo: “Todos nós preferiríamos, obviamente, um cessar-fogo imediato enquanto trabalhamos numa paz duradoura. Talvez algo desse género possa acontecer. Neste momento, isso não está a acontecer.”
Os líderes europeus tentaram fazer com que os esforços de paz voltassem à abordagem inicial, pois, sem um cessar-fogo, Vladimir Putin tem mais tempo para continuar a fazer a guerra. Porém, Donald Trump afirmou que, olhando os seis acordos que assinou, neste ano, não fez nenhum cessar-fogo. E diss a Zelenskyy: “Não acho que precises de um cessar-fogo.”
Ora, quando estavam a terminar as conversações na Casa Branca, a Rússia lançou dezenas de drones sobre cidades ucranianas, dando início a mais um ataque noturno.
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O presidente do Conselho Europeu
voltou a expressar “a unidade e o apoio inabalável” da UE à Ucrânia e o
compromisso de manter a pressão sobre a Rússia. Efetivamente, na representação
da Comissão Europeia, em Lisboa, após a videoconferência de líderes da UE,
António Costa revelou ter falado com o presidente ucraniano e as prioridades da
UE discutidas na chamada da manhã do dia 19: garantia de que param os ataques e
as mortes; retoma da troca de prisioneiros e devolução das crianças raptadas e
que estão desaparecidas; garantias de segurança para um futuro de paz;
confirmação da disponibilidade dos EUA para participar nas garantias de
segurança; e preparação das conversações bilaterais, trilaterais e
quadrilaterais, o mais depressa possível.Ressalvou que, se Vladimir Putin não avançar nos esforços de paz, a UE está preparada para pressionar a Rússia com um 19.º pacote de sanções. E disse que, ao longo das próximas semanas, haverá “muito trabalho pela frente”.
Questionado sobre a desvalorização de um cessar-fogo e sobre o apelo ao fim da guerra por Donald Trump, o presidente do Conselho Europeu declarou: “O que é fundamental é que a guerra pare. Estamos há mais de três anos com uma guerra constante, é preciso que ela pare. Se lhe chamamos tréguas, cessar-fogo, acordo de paz… O que importa é que as mortes e a destruição terminem e que as negociações sejam possíveis.” Depois, realçou que a inédita possibilidade de reunião entre os presidentes da Ucrânia e da Rússia é, em si, positiva.
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Veremos se as diversas cimeiras desembocarão
num inequívoco tratado de paz.
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