Estamos
em pleno verão e há incêndios florestais e agrícolas por todo o lado, em
Portugal, aliás como em vários países do Sul da Europa.
Eclodem grandes incêndios e surgem novas ignições, de
dia e de noite, o que dificulta as operações de rescaldo. Quando o incêndio
fica controlado, grande parte dos meios são retirados para outras ocorrências e
não se consegue garantir que alguém fique para trás a vigiar o terreno, pois os
meios humanos são insuficientes e não aguentam, e os meios logísticos
(viaturas, helicópteros, aviões, etc.) são sempre escassos. E é preciso socorrer
os bombeiros e outros agentes que ficam feridos.
A nossa floresta é, maioritariamente, constituída por
espécies resinosas, com extensas manchas de pinheiro bravo ou de eucalipto, bem
como de acácias, além da existência de largas zonas de mato rasteiro e
arbustivo. A acrescentar à constituição da floresta e a agravar o combate às
labaredas, junta-se o excesso de material combustível nas matas e florestas que
está na origem dos grandes fogos registados, desde o princípio do mês de agosto
e que seria de queimar aquando do advento das primeiras chuvas.
Depois, não é fácil separar totalmente um fogo
florestal de um fogo agrícola, porque, não raro, áreas agrícolas incultas coexistem
com áreas florestais. E, nestas, é difícil separar a mata da moita e, para
complicar, abunda o material rasteiro e arbustivo.
Um grande elemento potenciador do fogo florestal é o
excesso de calor, que tem, nos últimos anos ultrapassado as marcas
tradicionais. Como todos sabemos, para haver incêndio, têm de conjugar-se três
fatores: comburente (oxigénio), combustível e calor (secundado pela crassa
falta de humidade). A estes junta-se o vento que, mudando, repentinamente de
direção, pode descontrolar o combate, fazer alastrar a frente de incêndio e
criar novas frentes.
“O grande paradoxo reside na redução do número de
ignições, que deixaram muito material combustível nas florestas. Quando esta
massa ultrapassa 10 toneladas, os fogos tornam-se numa terrível espera entre
proteger bens e pessoas e encontrar uma janela para extinguir o fogo”,
considera Abílio Pereira Pacheco, investigador da Universidade do Porto, alertando
que “a proteção civil tem sido o grande desígnio, que é comprometido pela
gestão florestal que falha”, pelo que “é preciso começar a reduzir a massa
florestal com o uso de fogo técnico já no outono”.
E lembra que o país “passou de 30 mil ignições, em
2010, para uma média de nove mil fogos, por ano, o que foi brilhante, mas
permitiu aumento do combustível florestal que está na origem dos grandes
fogos”.
José Martino, agrónomo e produtor florestal, diz que é
preciso “respeitar os ecossistemas de elevado valor natural e usar o fogo
técnico para queimar, pelo menos, 600 mil hectares”.
Vila Real arde há duas semanas. Celorico de Basto,
Terras de Bouro, Moimenta da Beira (onde houve um tornado de fogo, a 8 de
agosto) e Trancoso levam mais de uma semana de atividade. Arouca, Cinfães,
Oliveira de Azeméis, Arganil, Oliveira do Hospital, a Serra da Lousã, com
Pedrogão, Castanheira de Pera, Coimbra, Sernancelhe, Aguiar da Beira, Sátão e
Vila Nova de Paiva enchem os noticiários das rádios e as reportagens dos
diversos canais de televisão. Estão em risco povoações, casas, carros, instrumentos
agrícolas e pessoas. E há zonas de incêndio aonde nenhum meio de socorro acede,
ficando o combate entregue a populares e à sua intuição.
No Gerês, o
incêndio em Arcos de Valdevez foi controlado com recurso a equipas locais
experientes, que utilizaram bulldozers,
ferramentas manuais e conhecimento do terreno. “São os primeiros a chegar e os
últimos a sair, mal pagos e, muitas vezes, com mais chefes do que meios”,
sublinha o investigador espanhol Juan Picos Martín.
Houve aldeias evacuadas, nomeadamente, Piódão e outas
aldeias de xisto; e, em outros países do Sul da Europa há milhares de pessoas
deslocadas e já se registam mortes.
Muitos dos meios envolvidos nestes fogos foram
deslocados para novas ignições, para “fogos nascentes, que, se não forem
resolvidos e consolidados, em tempo útil, originam o aumento rápido dos perímetros
e da área ardida”, de acordo Pereira Pacheco, que reforça: “Os outros fogos
ficaram desfalcados de meios e é preciso que quem começa o trabalho o acabe,
porque sabe onde estão os pontos quentes.” Isto é, segundo o investigador, são
necessárias forças “a combater o fogo, defendendo pessoas e casas; e, no final,
os operacionais deviam ficar no terreno a consolidar o rescaldo”.
Ficam no terreno, mas, como alerta Paulo Fernandes, do
Laboratório do Fogo da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), “não
há reforço de rescaldo, não o fazem por displicência e ninguém responde, porque
não há consequências”. A proteção civil não explicou como decorrem as operações
pós-fogo, mas supõe-se que decorrem de forma precária, visto que o pessoal fica
exausto, os meios são escassos e as ignições sucedem-se.
Todavia, segundo Pereira Pacheco, “há incêndios que
não podemos apagar, indiscriminadamente, há ecossistemas que precisam do fogo,
para diminuir a carga combustível”. E esse é um dos problemas: “Em muitos
locais, há 30 toneladas de combustível, por hectare, quando sabemos que, a
partir de 10 toneladas, os fogos não se conseguem combater, até que seja criada
uma janela de oportunidade, meteorológica ou com abertura de aceiros”, observa o
investigador.
José Martino defende a criação de “blocos sem massa
combustível, para que, quando arder um bloco com material lenhoso, o fogo possa
ser combatido pelos bombeiros e parado em segurança”
Nuno Delicado, oficial bombeiro, sustenta que são
estes mosaicos que permitem travar os grandes fogos. E Paulo Fernandes considera
que o fogo tático, ou contrafogo, “é excelente para consolidar perímetros entre
o queimado e as estradas ou linhas de ferramenta manual ou bulldozer”.
***
Nos primeiros 14 dias de agosto, a área perdida, em
Portugal, já ultrapassou a do mês de julho inteiro. No total, de acordo com
dados provisórios do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas
(ICNF), Portugal registou uma área ardida acumulada de 74931 hectares. Em 2025,
a soma dos incêndios de julho e de agosto representa 90% da área total ardida,
tendo sido, em julho, consumidos 29472 hectares e, em agosto, até à data, 37827
hectares, o valor mais elevado do ano até agora. Nos restantes meses do ano, a
área ardida acumulada foi de 7632 hectares, o equivalente a 10,2% do total
anual. No total, registaram-se 5996 ocorrências, desde o início do ano.
A distribuição da área ardida, por tipo de ocupação do
solo, corresponde 50% a matos, 40% a povoamentos florestais e 10% a áreas
agrícolas.
Em comparação com os anos anteriores, 2025 já
apresenta uma área ardida superior à registada em 2023 (27756 hectares) e em
2024 (7477 hectares), sendo, atualmente, o terceiro pior ano da última década,
apenas atrás de 2022 (91428 hectares) e de 2017 (200894 hectares).
Em 2017, Portugal foi atingido por vários incêndios de
grande dimensão, nomeadamente, o de Pedrógão Grande e de concelhos limítrofes,
e os de Viseu, Vouzela e Oliveira de Frades.
A maioria dos incêndios ocorre em dias de perigo
meteorológico elevado ou superior. Cerca de 31% das ignições registaram-se em
dias de risco “muito elevado”, 26% em dias de risco “máximo” e 6% em dias de
risco “extremo”. Apenas 1% ocorreu em dias classificados como de risco
“excecional”.
***
É recorrente a ideia de que os incêndios florestais, no verão, são
causados por trovoadas secas ou por outros fenómenos meteorológicos, como a incidência
de raios solares sobre material transparente, designadamente, vidro ou plástico,
perdido nas matas. No entanto, isto não explica as deflagrações em tempo em que
não há trovoada, nem as que ocorrem durante a noite.
A conclusão mais consensual é que o fator humano é determinante na maioria
dos casos.
Assim, o Relatório
de Atividades do SGIFR (Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais) conclui
que 2024 registou o menor número de incêndios, desde que há registo, embora tenham
ardido cerca de 138 mil hectares, com um impacto estimado de 67 milhões de
euros em perdas florestais. Porém, as estatísticas oficiais da Agência para a
Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF),
baseadas nas causas apuradas pelos órgãos competentes, revelam que “as ações de
incendiarismo foram responsáveis por 84 % da área ardida com causa conhecida”.
O Relatório do Estado
do Ambiente de 2022, da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), conclui que,
nesse ano, houve 10 390 incêndios rurais, tendo sido investigados 10052, dos
quais 6287 tiveram causa atribuída. As causas mais frequentes foram o
incendiarismo (28 %) e as queimadas agrícolas ou florestais (19 %),
representando, juntas, 47 % das causas apuradas. O fogo posto (incendiarismo)
ultrapassou, frequentemente, os 20-30 % dos incêndios apurados.
Já o
portal Florestas.pt, referindo dados do ICNF, sustenta que cerca de 80 %
dos incêndios rurais têm causa apurada, e entre essas, predominam a negligência
ou uso indevido do fogo, bem como o incendiarismo. A negligência (incluindo
queimadas fora do controlo) corresponde a cerca de 50‑60 % dos incêndios,
enquanto o incêndio doloso representa entre 20‑30 % das ocorrências, mas
provocando entre 40‑50 % da área ardida.
Também a
Guarda Nacional Republica (GNR), através do seu Serviço de Proteção da Natureza
e do Ambiente (SEPNA), investiga as causas dos incêndios florestais, analisando
padrões de comportamento do fogo e indicadores – um trabalho é crucial para
identificar as causas e para prevenir futuros incêndios. Ora, segundo a
GNR, as causas mais comuns de incêndios florestais incluem negligência,
como a queima descontrolada de restos de vegetação e fogueiras, o incendiarismo
e atividades, como a utilização de máquinas que geram faíscas e o lançamento descuidado
de pontas de cigarro.
Nestes
termos, as causas mais frequentes apontadas pela GNR/SEPNA, são:
* O
incendiarismo, ou seja, atos intencionais de
colocar fogo, muitas vezes, por motivos desconhecidos ou com objetivos
criminosos;
* As queimadas e as queimas, isto é, a queima de restos de vegetação (sobrantes
florestais ou agrícolas) e as fogueiras mal controladas, que podem facilmente
alastrar;
* A negligência, caraterizada por ações humanas descuidadas, que podem dar origem a
incêndios, como atirar pontas de cigarro ou abandonar fogueiras mal apagadas;
* As fagulhas de máquinas, ou seja, faíscas produzidas por máquinas, como locomotivas ou
equipamentos agrícolas, especialmente, quando utilizadas em áreas secas.
Joana
Parente, investigadora no Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e
Biológicas da UTAD, num estudo pulicado em 2018, concluiu que cerca de
99 % das ignições com causa conhecida são resultantes de atividade humana,
sejam negligentes ou intencionais, com menos de 1 % atribuível a causas
naturais, como trovoadas.
Uma pesquisa
liderada pelo historiador e engenheiro ambiental Miguel Carmo, sobre os incêndios,
em Portugal, entre 1980 e 2018, publicada, em 2022, no International Journal of Climatology,
conclui que os meses de julho a setembro concentram 81,3 % da área ardida e que
o aquecimento, secas e défice de pressão de vapor potencializam o risco, mas
não são causas diretas das ignições. Com efeito, a maioria dos fogos iniciais
resulta da ação humana combinada com vegetação acumulada e com o abandono
rural.
Em 2024,
um estudo do CESAM – Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da
Universidade de Aveiro, baseado em dados do ICNF, entre 2001 e 2022, mostra que
mais de 60 % das ignições humano-causadas ocorrem em zonas onde a probabilidade
humana excede os 70 %, sobretudo, em áreas florestais próximas de vias rurais
ou de zonas residenciais, confirmando-se que a distribuição espacial das
ignições está correlacionada com a atividade humana.
Ou seja, a
maioria dos incêndios florestais, no verão, não são causados por fenómenos
naturais em termos de ignição. O calor, vento e vegetação seca funcionam como
propulsores do fogo, mas a sua origem é quase sempre humana – por negligência
ou intencionalmente, tal como o comprovam os dados oficiais e os estudos
académicos.
Por isso, a
conscientização e a adoção de práticas responsáveis são fundamentais para a
prevenção de incêndios. Por outro lado, a vigilância e a dissuasão do crime
e da negligência são necessárias, por parte das autoridades e dos cidadãos.
Isto, sem falar do reordenamento florestal e agrícola.
***
Não se compreende
como o governo demora a ativar o Mecanismo Europeu de Proteção Civil. Todavia, como revelou
a Euronews, a 15 de agosto, Portugal ativou-o, para solicitar o apoio de aviões Canadair,
até ao dia 16. A decisão foi tomada, devido às dificuldades em controlar as chamas, na madrugada de 14 para 15,
de acordo com o anúncio, ao início da tarde, do comandante da Autoridade Nacional de Emergência e
Proteção Civil (ANEPC), Mário Silvestre, que indicou, sobretudo, as dificuldades
em controlar as chamas na Lousã.
A mesma Euronews referia, no dia 14, que os incêndios
florestais se intensificaram, em todo o Sul da Europa, no dia 13, com uma
batalha ininterrupta para proteger a terceira maior cidade da Grécia e com,
pelo menos, três mortes na Espanha, na Turquia e Albânia.
Nos arredores da cidade
grega de Patras, os bombeiros lutavam para proteger casas e instalações
agrícolas, enquanto as chamas devastavam florestas de pinheiros e olivais. Altas
colunas de chamas subiam atrás de blocos de apartamentos e dezenas de veículos
incendiavam-se, quando as chamas varriam um pátio. Pelo menos, 15 bombeiros
foram hospitalizados ou foram tratados por queimaduras, inalação de fumo ou
exaustão.
Os recursos ficaram
esgotados em muitos países, que lutam contra vários fogos, após semanas de
ondas de calor e de picos de temperatura, em toda a região mediterrânica. Na
ilha grega de Chios, bombeiros exaustos dormiam à beira da estrada, após um
turno que durou toda a noite. Moradores de quatro aldeias foram retirados
no centro da Albânia, perto de um depósito de munições. No distrito de Korca,
no Sul, perto da fronteira com a Grécia, houve explosões de projéteis de
artilharia enterrados da I Guerra Mundial. Na Turquia, um trabalhador florestal
morreu, enquanto respondia a um incêndio florestal numa região do Sul. E a
autoridades policiais da Macedónia do Norte citaram indícios
de incêndio criminoso, por promotores imobiliários desonestos.
O primeiro-ministro
espanhol, Pedro Sánchez, expressou as suas condolências após a
morte de um bombeiro voluntário na região de Castela e Leão, a Norte da
capital, Madrid, onde milhares de pessoas tiveram de abandonar as suas casas.
A União Europeia (UE) enviou ajuda aos
países atingidos pelos incêndios, incluindo países não membros, com equipas
terrestres e aeronaves para lançamento de água, pois as catástrofes naturais
não escolhem território.
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Até quando teremos de
conviver com a praga incendiária? Se este for o novo normal, não serve.
2025.08.15 – Louro de Carvalho
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