Não se trata do veto político presidencial, nos termos do artigo 136.º, n.º 2, in fine, da Constituição da República Portuguesa (CRP), mas de veto imperativo do PR (também conhecido por veto constitucional), nos termos do artigo 279.º, n.º 1 e n.º 2 (1.ª parte), da CRP.
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Um comunicado, de 8 de agosto, que sintetiza o Acórdão n.º 785/2025
e remete para ele, informa que o plenário do TC se pronunciou “sobre o pedido de
fiscalização preventiva do Presidente da República, relativo ao Decreto n.º
6/XVII da Assembleia da República, que introduz diversas alterações ao regime
jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do
território nacional, relativas ao regime do reagrupamento familiar” (Lei n.º
23/2007, de 4 de julho, na atual redação).
No atinente aos pressupostos do reagrupamento familiar,
o TC considerou: “i) o novo n.º 1 do
artigo 98.º, ao não incluir o cônjuge ou equiparado, pode impor a desagregação
da família nuclear do cidadão estrangeiro titular de autorização de residência
válida e é, por isso, suscetível de conduzir à separação dos membros da família
constituída desse cidadão estrangeiro, que resida validamente em Portugal, há
menos de dois anos, o que se traduz numa violação dos direitos consagrados nos
n. os 1 e 6 do artigo 36.º da Constituição”; ii) quanto ao n.º 3 do artigo 98.º, “a imposição de um prazo
absoluto de dois anos até à apresentação do pedido de reagrupamento familiar
com todos os membros da família maiores de idade que se encontrem fora do
território nacional é incompatível com a proteção constitucionalmente devida à
família, em particular, à convivência dos cônjuges ou equiparados entre si e à
de qualquer deles com os respetivos filhos menores de idade” (artigos 36.º, n.os
1 e 6, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, todos da CRP); iii) “a diferenciação positiva
dos titulares de autorizações de residência concedidas ao abrigo dos
artigos 90.º, 90.º-A e 121.º-A não se afigura desproporcionada, nem
discriminatória” (n.º 2 do artigo 13.º da CRP).
No respeitante às “condições de exercício do
direito ao reagrupamento familiar”, “os pressupostos previstos nas alíneas a) e b)
do n.º 1 do artigo 101.º não são inconstitucionais, mas a previsão de medidas
de integração constante do n.º 3 do artigo 101.º viola o princípio da reserva
de lei (alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição).”
“Quanto às normas relativas ao prazo de decisão do
pedido de reagrupamento familiar, o Tribunal considera que o n.º 1 do artigo
105.º, ao somar um prazo de decisão de nove meses, prorrogável até dezoito
meses, ao período de dois anos de espera previsto no n.º 3 do artigo 98.º, não
é compatível com os deveres de proteção da família a que o Estado se encontra
vinculado (artigos 36.º,
n.os 1 e 6, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, da Constituição).”
“Em matéria de tutela jurisdicional – recurso à ação especial
de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias – o Tribunal
entende que a norma do n.º 2 do artigo 87.º-B é inconstitucional, por
violação dos artigos 20.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 4, da Constituição,
ao passo que o n.º 3 do artigo 87.º-B não enferma de
inconstitucionalidade.”
“O acórdão foi aprovado por maioria e encontra-se disponível
em:
https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20250785.html”
O TC aponta que o n.º 1 do artigo
98.º “pode impor a desagregação da família nuclear”; o seu n.º 3 “é
incompatível com a proteção constitucionalmente devida à família; “a previsão
de medidas de integração constantes do n.º 3 do artigo 101.º viola o princípio
da reserva de lei”, ao remeter para simples portaria a regulamentação das “medidas
de integração”; o prazo de decisão do pedido de
reagrupamento familiar, previsto no n.º 1 do artigo 105.º “não é compatível com
os deveres de proteção da família a que o Estado se encontra vinculado”; no
quadro da tutela jurisdicional, é inconstitucional a norma do n.º 2 do novo artigo
87.º-B, ou seja, “as ações judiciais relativas às decisões ou omissões da AIMA,
IP” não podem revestir “a forma de ação administrativa”.
O TC não considerou inconstitucionais
“os pressupostos previstos nas alíneas a) e b) do
n.º 1 do artigo 101.º, ao exigir com condições o “alojamento” e “meios de subsistência
suficientes” e ao remeter para portaria a sua regulamentação, assim como não
viu inconstitucionalidade ena diferenciação positiva para a aquisição de residência
para detentores de vistos gold ou por
motivo de emprego qualificado, de investigação ou de docência. Por outro lado,
não valorizou, como o PR, a não audição das entidades que deveriam ter sido
ouvidas, por não lhe competir ajuizar da mera ilegalidade, podendo o decreto só
não ver devidamente reforçado no seu valor jurídico.
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O TC avaliou
que as normas da Lei de Estrangeiros que restringem o acesso ao reagrupamento
familiar e a limitação em recorrer aos tribunais contra a Agência para
Integração, Migrações e Asilo (AIMA) e entendeu, por maioria, que não estão de
acordo com a CRP, pelo que declarou a sua inconstitucionalidade. Das sete
normas em que o PR solicitou a análise, nos termos do artigo 278.º, n.os 1
e 3, da CRP, cinco foram declaradas inconstitucionais. O acórdão é assinado
pela juíza conselheira Joana Fernandes Costa, relatora do caso e que está em
fim de mandato.
O resultado do
pedido de análise preventiva de constitucionalidade foi apresentado pela
relatora, em leitura a jornalistas, no último dia do prazo de 15 dias,
solicitado pelo PR, por motivos de urgência, ao abrigo do artigo 278.º, n.º 8,
da CRP.
O presidente
do TC, José João Abrantes, detalhou alguns pontos. “O Tribunal Constitucional
considerou que o novo n.º 1 do artigo 98, ao não incluir o cônjuge ou o
equiparado, pode impor a desagregação da família nuclear do
cidadão estrangeiro titular da autorização da residência válida e é, por isso,
subjetivo de conduzir à separação dos membros da família
constituída desse cidadão estrangeiro crescida validamente em
Portugal, há menos de dois anos, o que se traduz numa violação dos direitos
consagrados […] da Constituição”, disse.
Quanto ao
prazo de dois anos, salientou que a imposição de um prazo absoluto, até
a apresentação do pedido de reagrupamento familiar com todos os membros da
família maiores de idade, se encontrem fora do território nacional, “é
incompatível com a proteção constitucionalmente devida à família”. Quanto
ao prazo proposto na lei de que o pedido de reagrupamento familiar poderá ser
analisado em nove meses – atualmente, são 90 dias –, foi declarado que
“não é compatível com os deveres de proteção da família a que o Estado se
encontra vinculado”. E, em relação ao facto de que os recursos ao Tribunal
Administrativo ficaram limitados, “ficou o entendimento que se trata
de uma medida inconstitucional”.
Sobre os
detentores de vistos gold e altamente qualificados terem
privilégio no reagrupamento, a maioria dos juízes não viu nenhuma
inconstitucionalidade.
As alterações
à Lei de Estrangeiros foram aprovadas em apenas 16 dias úteis, na AR, com os
votos dos partidos do governo e com os 60 do partido Chega, que foram cruciais
na aprovação e na aceleração do trâmite. Tal rapidez, dita “atropelo” por vários
deputados da oposição e da Iniciativa Liberal (IL), que se absteve, também foi
uma das razões para o PR ter decidido enviar o decreto ao TC.
Instantes
depois do resultado do TC, o chefe de Estado vetou a o decreto, que retornará à
AR.
O
governo confirmou, publicamente, que vai corrigir as inconstitucionalidades
apresentadas pelo TC e enviar, de novo, a lei para votação. Assim como em julho, os partidos do governo
continuam com apoio do Chega, que garante os votos necessários para a
aprovação.
Em declarações,
na noite de 7 de agosto, o chefe do governo garantiu que, “se por um acaso, o
TC entender que há alguma norma ou alguma solução de alguma norma que não está
completamente de acordo com a interpretação dos princípios
constitucionais”, a maioria que representa acatará o veredicto e
encontrará uma solução jurídica que possa respeitar a pronúncia do Tribunal
Constitucional, “mas que possa também cumprir o objetivo”, pois “nós não vamos
desistir do nosso objetivo, mesmo que haja alguma correção da redação da lei,
em virtude da pronúncia do TC”, frisou. A AR, que está em recesso, voltará ao
trabalho em setembro.
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Com esta decisão do TC, Marcelo Rebelo de Sousa sai vencedor desta batalha jurídica contra o governo, numa altura em que Belém acentua os reparos à ação do executivo. Durante o processo legislativo, com alguns partidos e juristas a questionarem a constitucionalidade de algumas normas, o PR sinalizou que o destino do diploma poderia ser este. Os seus alertas, que podiam ter dado azo a algumas revisões em sede parlamentar, não o deram, pois, ao chefe de Estado até se aponta indevida intromissão em alguns processos legislativos.
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Agora,
é o tempo de o governo analisar os reparos do TC e os reparos políticos do PR,
não acolhidos pelo TC (neste sentido, a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa não
foi total, se é que há vitórias totais).
Cabe a António Leitão Amaro, ministro
da Presidência e governante da tutela redesenhar as coordenadas para que a nova
Lei de Estrangeiros tenha sucesso.
Veremos se o Presidente da República,
mantendo-se alguma dúvida de constitucionalidade e/ou alguns aspetos político-humanitários
de discordância, persistirá na lógica do veto, como o fez, até agora, com toda
a justeza e dignidade.
2025.07.09 –
Louro de Carvalho
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