segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Ocupação excessiva com o ecrã prejudica os olhos e o cérebro

 
Ter sofrido, há 23 anos, um descolamento de retina no olho esquerdo (de que recuperei em boa parte) levou-me a ler, com atenção, três artigos publicados pela Euronews, neste ano, que chamam a atenção para alguns malefícios do uso excessivo do ecrã, por força de inevitabilidade do seu uso a nível laboral, pedagógico, cultural, de lazer ou meramente ocupacional.
Dois – um, de Theo Farrant, intitulado “Passa o dia a olhar para os ecrãs? Eis cinco dicas simples para proteger os seus olhos”, publicado a 29 de julho; e outro, da Euronews com a AP, intitulado “Como obter alívio da tensão ocular relacionada com o trabalho”, publicado a 26 de janeiro, dizem respeito às consequências negativas para os olhos; e um, também da Euronews com a AP, intitulado “A ‘podridão cerebral’ é real? Especialistas avaliam o impacto do tempo excessivo de ecrã nos nossos cérebros”, publicado a 26 de maio, incide em problemas a nível cerebral.
Isto afeta todos os utilizadores do ecrã, mas, em especial, os menores de idade, o que exige particular cuidado na orientação e na proteção dos mesmos. Tanto assim é que estudos recentes sustentam que mais de 75% das crianças de três e quatro anos passam muito tempo, em frente aos ecrãs, dormem pouco e não fazem exercício físico. O ecrã torna-se um facilitador para os pais assoberbados com trabalho e para os cuidadores menos atentos.
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Segundo Theo Farrant, Os ecrãs tornaram-se uma parte inevitável do quotidiano. Desde responder a e-mails de trabalho num computador portátil até ao TikTok, o adulto médio acumula mais de seis horas de tempo de ecrã, todos os dias.
O trabalho remoto e híbrido só intensificou a situação. As reuniões no Zoom, os pings no Slack, o Google Docs e as conversas no Teams tornaram-se a norma do escritório, e os olhos raramente têm uma pausa. Daí resulta a grande tensão que exercemos sobre os músculos oculares, de acordo com a optometrista britânica Shahina Pardhan – líder do Instituto de Investigação da Visão e dos Olhos da Universidade Anglia Ruskin –, segundo a qual, ao olhamos “para um ecrã digital de perto, como um smartphone, os nossos olhos têm de se concentrar a essa curta distância”, para o que mobilizam “a força muscular, especificamente, o músculo ciliar dentro do olho”.
No dizer de Shahina Pardhan, o uso continuado e o envelhecimento levam a que esses músculos não funcionem como dantes ou que fiquem muito cansados.
Embora as estimativas variem, muitas pessoas sofrem de Síndrome da Visão de Computador (CVS), também conhecida como tensão ocular digital, e de sintomas que vão desde olhos secos e irritados a dores de cabeça, a visão turva e a fadiga.
O artigo de 26 de janeiro afirma que os ecrãs digitais estão omnipresentes não só no trabalho, mas também em casa e na escola. E refere que, na Europa, cerca de 30% dos trabalhadores com idades compreendidas entre os 15 e os 74 anos disseram utilizar dispositivos digitais, durante a totalidade ou a maior parte do seu tempo de trabalho.
Ora, todo esse tempo de utilização dos ecrãs pode ter efeitos negativos, visto que a exposição excessiva pode provocar olhos secos ou lacrimejantes, visão turva, dores de cabeça e, ainda, miopia, em algumas pessoas, especialmente, nas crianças. Porém, tais sintomas não têm de ser inevitáveis. Por exemplo, as pausas no ecrã e a configuração correta da secretária permitem aliviar a tensão ocular relacionada com o trabalho.
Os especialistas sugerem uma pausa de 20 em 20 minutos (a regra 20-20-20), para deixar de olhar para o ecrã, devendo focar-se os olhos em algo a cerca de seis metros de distância, durante 20 segundos. Com efeito, fazer uma pausa perto do trabalho, olhando para algo à distância, dá aos músculos cansados e tensos tempo para relaxarem.
“Felizmente, o cansaço visual é temporário”, considera Raj Maturi, oftalmologista do Midwest Eye Institute, em Indianápolis, e porta-voz da Academia Americana de Oftalmologia (AAO), acrescentando que “a melhor forma de evitar estes sintomas é fazer pausas, nos nossos ecrãs ou em atividades próximas do trabalho, e utilizar gotas lubrificantes para os olhos, se necessário”.
Também é bom movimentar-se e, mesmo, sair à rua. Porém, quando não há tempo para um passeio ao ar livre, as pausas frequentes podem ajudar.
Algumas pessoas sentem que a utilização de um monitor de computador maior pode ajudar a reduzir a fadiga ocular, bem como o aumento do tamanho da letra no ecrã do computador portátil, do monitor ou do smartphone. Por outro lado, será vantajoso mudar a configuração da secretária, como sentar-se a um braço de distância do ecrã e ajustá-lo de forma a olhar, ligeiramente, para baixo, o pode ajudar a reduzir a fadiga ocular, de acordo com a AAO.
Há que desconfiar das alegações dos promotores de alguns produtos. Alguns produtos, como os óculos de luz azul, são comercializados com a alegação de que reduzem a fadiga ocular digital, melhoram o sono e previnem doenças oculares. Contudo, vários estudos descobriram que os óculos não são muito eficazes, pois “é o nosso comportamento com os dispositivos digitais que provoca os sintomas e não a pequena quantidade de luz azul proveniente dos ecrãs”.
Depois de se afastarem dos computadores no trabalho, muitas pessoas põem-se a ler ou a percorrer (fazer scroll) os ecrãs dos smartphones. Ora, demasiado tempo no ecrã ou a concentração em objetos próximos podem acelerar o aparecimento e a progressão da miopia, sobretudo, nas crianças, afirma Ayesha Malik, optometrista pediátrica do Children’s Hospital of Philadelphia, segundo a qual quem faça streaming de programas deve fazê-lo num televisor, em vez de num tablet, para ajudar a aliviar a tensão ocular.
As crianças devem seguir a regra 20-20-20-2, que inclui um “2” extra, no final, para incentivar a brincar ao ar livre durante duas horas, por dia, o que ajuda no desenvolvimento dos olhos, diz Ayesha Malik, vincando: “A realidade é que a maioria das crianças está envolvida com ecrãs durante todo o dia, na escola e em casa. Torna-se difícil registar o número total de horas. […] O objetivo é não ultrapassar os 20 minutos durante uma sessão.”
Em 2024, um relatório das Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos da América (EUA) recomendou que as crianças passassem, uma a duas horas, ao ar livre, porque isso “estimula os olhos com uma luz mais brilhante e mais variada e requer movimentos oculares e concentração diferentes, em comparação com o interior”.
Além disso, é preciso dormir bem. Efetivamente, a luz azul emitida pelos ecrãs digitais pode aumentar o estado de alerta, pelo que ver Netflix num iPad ou percorrer as redes sociais na cama pode dificultar um sono reparador. Assim, para dar aos olhos e ao cérebro o descanso de que necessitam, os médicos recomendam desligar os ecrãs, uma a duas horas, antes de ir dormir.
Theo Farrant sintetiza em cinco parâmetros as recomendações baseadas em evidências para dar um descanso aos olhos e para proteger a visão, a longo prazo.
* Praticar a regra 20-20-20, proposta pela Associação Americana de Optometria (AOA). Os estudos mostam que ensinar esta técnica a pessoas com CVS ajudou a aliviar os sintomas do olho seco. “Quando olhamos para algo a cerca de seis metros de distância, estamos, de facto, a relaxar os músculos dos olhos. […] Mesmo que sejam apenas 20 segundos, isso pode ajudar muito”, sustenta Shahina Pardhan.
No entanto, os resultados são díspares, quanto ao facto de o método ajudar a estabilizar a película lacrimal, que ajuda a garantir a lubrificação dos olhos e a clareza da visão.
* Otimizar o posto de trabalho e a posição do ecrã. A forma como o espaço de trabalho está organizado faz a diferença para a saúde ocular. Má iluminação, maus ângulos do ecrã e reflexo do brilho são alguns dos principais culpados pela fadiga ocular digital. As luzes brilhantes do teto ou a luz do sol que entra pela janela podem refletir-se no ecrã, obrigando os olhos a trabalhar mais. Para reduzir o encandeamento, deve-se utilizar um filtro de ecrã antirreflexo ou ajustar a iluminação da sala para que seja suave e indireta. E, trabalhando perto de janela, é de evitar ter o ecrã, diretamente, em frente ou atrás dela.
* Pestanejar mais do que pensar. Piscar os olhos lubrifica-os, espalhando as lágrimas pela córnea. Porém, com a colagem ao ecrã, a taxa de pestanejo pode cair até 66%, aumentando o risco de ficar com os olhos secos. Os estudos mostram que, em média, a pessoa pestaneja 15 a 20 vezes, por minuto, mas a taxa diminui, significativamente, quando se trabalha num computador, para cerca de quatro a seis vezes, por minuto. Para evitar a secura dos olhos, é de apor um lembrete no monitor ou no local de trabalho, que incentive à pausa.
Além disso, é conveniente não esquecer o ambiente. Por exemplo, se o espaço for seco, se tiver aquecimento central ou ar condicionado, manter o ambiente bem fresco ajuda. “Basta ter um humidificador ou, mesmo, apenas uma taça com água ou um vaso de flores com água para humidificar o ar e não secar tanto a atmosfera”, sustenta Shahina Pardhan.
* Utilizar filtros de luz azul. A luz azul – a luz visível de alta energia emitida pelos ecrãs LED – é mais do que simples perturbador do sono. A exposição prolongada à luz azul, particularmente, na gama dos 400 a 470 nanómetros, contribui para stresse e para danos na retina, aumentando o risco de desconforto ocular. “Os ecrãs muito brilhantes – especialmente, quando utilizados num ambiente escuro – podem ser muito agressivos para os olhos. […] Provocam a contração das pupilas devido ao brilho, o que é o oposto do que os olhos precisam naturalmente em ambientes com pouca luz”, afirma Shahina Pardhan.
Contudo, a maioria dos dispositivos modernos oferece definições de modo noturno ou de filtro de luz azul. A sua ativação reduz a exposição à luz azul, sobretudo, em ambientes com pouca luz. E a utilização de óculos bloqueadores de luz azul, especialmente, à noite, pode proporcionar uma proteção adicional. No entanto, as investigações indicam que não protegem contra doenças oculares graves, como a degenerescência macular, conexa com a idade.
* Utilizar os dispositivos com mais atenção. Mesmo estando de folga, muitos recorrem aos ecrãs para passarem o tempo de inatividade, percorrendo as redes sociais, assistindo a programas ou a vídeos no YouTube. Ora, esses micromomentos de lazer podem ser silenciosamente acumulados.
Enfim, reduzir o tempo de ecrã não essencial pode dar aos olhos o descanso de que precisam desesperadamente. Uma boa solução é utilizar as ferramentas incorporadas no dispositivo que registem o tempo que se passa em diferentes aplicações e sítios Web. Porém, há aplicações para smartphones concebidas para ajudar a reduzir o tempo de ecrã. Por exemplo, a aplicação Forest, permite “plantar uma árvore” que cresce, à medida que a pessoa se afasta do telemóvel, mas, se começar a navegar no ecrã, a árvore morre. Outra opção é o OneSec, que adiciona o atraso de um segundo, antes de abrir aplicações, como o Instagram ou o TikTok.
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O artigo de 26 de maio refere que, em 2024, a Oxford University Press designou “podridão cerebral” como a sua palavra do ano, definindo-a como a “suposta deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa” causada pelo excessivo consumo de material “trivial ou não desafiador”, encontrado nas redes sociais e em outras plataformas online. “É o que acontece quando consumimos demasiado conteúdo online de baixa qualidade, que é como junk food para o cérebro”, avançou Andreana Benitez, professora associada do Departamento de Neurologia da Universidade Médica da Carolina do Sul, nos EUA.
De acordo com os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, metade dos adolescentes, nos EUA, passa quatro horas ou mais, por dia, a ver ecrãs, e as estimativas globais sugerem que os adultos podem estar online, em média, mais de seis horas, por dia.
Os investigadores carecem de dados suficientes para compreender, completamente, o conceito de “podridão cerebral” e a que pode levar. Há, porém, dados do CDC que mostram que um em cada quatro adolescentes com frequência se sente ansioso ou deprimido. E algumas pesquisas sugerem que os problemas com o uso intenso da Internet podem começar bastante cedo. Os adolescentes que passam mais tempo na frente dos ecrãs terão, com maior probabilidade, problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade, perturbação do défice de atenção/hiperatividade e perturbação desafiadora de oposição e sintomas físicos relacionados, tais como dor, tonturas ou náuseas, de acordo com uma análise, de 2024, de dados do estudo Adolescent Brain Cognitive Development, o maior estudo de desenvolvimento cerebral infantil de longo prazo, nos EUA.
Outros estudos associaram, potencialmente, a “podridão cerebral” à dessensibilização emocional, à sobrecarga cognitiva, à autoestima negativa e a capacidades de função executiva prejudicadas, incluindo memória, planeamento e tomada de decisão. “Embora não haja provas de que horas de tempo de ecrã diário estejam a mudar a estrutura do cérebro humano, é o que não está a acontecer durante essas horas que pode ser prejudicial, especialmente, para os jovens cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento”, disse Costantino Iadecola, diretor e presidente do Instituto de Pesquisa do Cérebro e Mente da Família Feil no Weill Cornell Medical Center, em Nova Iorque, para quem “o desenvolvimento do cérebro requer diversidade de exposições”.
Quando se está no telemóvel, substituímos interações humanas por interações artificiais, que não têm a complexidade da experiência humana: as reações verbais, sensoriais e emocionais que temos, depois, de interagir com as pessoas.
Não é apenas o tempo de ecrã que importa, é também o conteúdo do ecrã, de acordo com Andreana Benitez, para quem o consumo de quantidades excessivas de conteúdo online de baixa qualidade expõe, mais provavelmente, o utilizador a informações que podem “distorcer a sua perceção da realidade e prejudicar a sua saúde mental”; e grandes quantidades de conteúdo negativo podem deixar uma pessoa mentalmente exausta.
Por tudo isto, há que repensar a nossa dieta digital. Não se trata de eliminar o digital, devido ao seu benefício prático e porque, segundo a Academia Americana de Pediatria (AAP), algum uso do ecrã pode ser “saudável e positivo”.
Portanto, a solução passa pela moderação e pelo aconselhamento às crianças e aos adolescentes e pela nossa monitorização do seu uso do digital (e dos conteúdos), que faz parte da vida deles, pois, com o digital, “conseguem muita informação”. E a AAP sugere que as famílias desenvolvam planos de tempo de ecrã em conjunto e incentivem o uso para criatividade e para ligação com a família e com os amigos, assim como sugere que os pais enfatizem a importância das atividades offline, como desporto, música, arte e outros hobbies.
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Temos, pois, responsabilidade para connosco e para com os mais novos.

2025.08.11 – Louro de Carvalho


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