domingo, 3 de agosto de 2025

Para não desperdiçarmos a vida, temos de fazer opções corretas

 

Porque a vida é o dom mais precioso de Deus aos seres humanos, termos de fazer as melhores escolhas, para que não a desperdicemos e ela tenha sentido. Neste âmbito, a liturgia do 18.º domingo do Tempo Comum no Ano C adverte-nos contra as opções que não conduzem a lado nenhum e aponta-nos o rumo da plena realização.

***

Na primeira leitura (Co/Ecle) 1,2; 2,21-23), o “Cohelet”, sábio de Israel oferece-nos uma reflexão sobre o sentido da vida. Num misto de pessimismo e de realismo, dá conta de que não vale a pena o homem cansar-se com a acumulação de bens que, afinal, abandonará. Esses bens, que, por si sós, nunca encherão de sentido a vida humana não passam de vanidade e tornam a vida oca. Embora o raciocínio deste sábio pouco adiante, serve de plataforma para sairmos à descoberta de Deus e n’Ele encontrarmos o sentido último da existência.
O Livro de Cohelet (ou “Livro do “Eclesiastes”) é um escrito enigmático, que se apresenta como reflexão sobre o sentido da existência. Pertence à “literatura sapiencial”. O autor autointitula-se “Cohelet”, nome que, tal como o nome grego “Ekklesiastés”), significa “o que participa na assembleia” ou “o que fala na assembleia”. O autor diz-se “filho de David, rei de Jerusalém”. O único filho de David que reinou em Jerusalém foi Salomão, o rei sábio, mas a linguagem próxima do Hebreu rabínico (que apresenta traços tardios) e as ideias mostram que a redação do livro é posterior à época de Salomão. Assim, é de pensar que o autor terá sido um judeu conhecedor da cultura e dos valores religiosos do povo, talvez dos círculos intelectuais de Jerusalém, nos finais do século III a.C., na primeira fase da helenização da Palestina.
Apesar de refletir sobre o sentido da existência, o livro não fornece respostas para as grandes questões da vida. Ao invés, o seu escopo será a destruição das certezas e seguranças que ancoram a sabedoria e a catequese de Israel. Em tom amargo, o autor sustenta que o homem é incapaz de aceder à sabedoria, que não há qualquer novidade, que estamos condenados a repetir os mesmos desafios, que o esforço humano é vão, que é impossível conhecer Deus, que nada vale a pena, porque a morte está no horizonte. Por isso, iguala-nos aos ignorantes e aos animais.
No entanto, no livro ecoa o grito de angústia da Humanidade ferida e perdida, que não entende a razão de viver. O trecho em referência pertence à primeira parte do livro. Pondo-se na pele de Salomão, amargurado depois de uma vida de glórias e de prazeres, o autor verifica a inutilidade dos esforços do homem e conclui que tudo é “vanidade”, “ilusão”. O texto começa com uma frase sentenciosa que reaparecerá 25 vezes ao longo do livro e que funciona como resumo e conclusão de tudo o que será dito: “Vaidade das vaidades: tudo é vaidade”. O termo traduzido como “vaidade” designa o vazio, a vacuidade, a deceção, a inconsistência de uma realidade para a qual o autor não encontra razão nem sentido. A existência é, na ótica do Cohelet, um imenso “absurdo”.
Em jeito de exemplo, o Cohelet expõe a situação de um homem “que trabalhou com sabedoria, ciência e êxito” e juntou significativa riqueza. Porém, isso não lhe serviu para nada pois, chegado o momento da morte, teve de deixar tudo para outro que nada fez. Sendo assim, interroga-se o sábio: “De que aproveita ao homem todo o seu trabalho e a ânsia com que se afadigou debaixo do sol? […] Terão feito sentido todas as preocupações e cuidados que teve, as dores que sofreu, as fadigas que suportou, para levar até ao fim o seu trabalho e juntar alguns bens que, afinal, são bem efémeros?” E o Cohelet responde: “Também isto é vaidade.” É uma conclusão estranha, tendo em conta que a sabedoria tradicional “excomungava” o que não fazia nada e apresentava como ideal do sábio o que trabalhava e cumpria as tarefas que lhe estavam destinadas.
A grande lição do Cohelet é a demonstração da incapacidade de o homem encontrar, por si só, um sentido para a vida. O pessimismo do Cohelet leva-nos a reconhecer o sem sentido de uma vida voltada só para o humano e para os bens efémeros. Por isso, o livro constitui um apelo a olhar para mais além. E nós, iluminados pela fé, concluímos: para Deus. Só em Deus e com Deus seremos capazes de encontrar o sentido da vida e tirar da vanidade a existência.

***

No Evangelho Jesus (Lc 12,13-21), com a parábola do rico insensato, denuncia a falência da vida voltada só para o gozo dos bens materiais. Quem aposta tudo no conforto, no bem-estar, na segurança que o dinheiro proporciona, é louco. As suas opções irresponsáveis levam-no a passar ao lado das coisas que realizam o homem e lhe proporcionam a felicidade infinda.
No caminho da Galileia para Jerusalém, Jesus aproveita todos os pretextos para formar os discípulos nos valores do Reino de Deus. Prepara-os para serem, no tempo da Igreja, as testemunhas do Reino diante de todos os povos e nações. Com as lições que recebem de Jesus, crescem na lógica do Evangelho, despem-se das lógicas pessoais, egoístas e interesseiras, e interiorizam a proposta de Jesus.
A lição de Jesus neste Evangelho é exclusiva de Lucas. É espoletada por uma questão de partilhas. Um homem não identificado pede a Jesus que intervenha, como árbitro, na repartição de uma herança familiar. Segundo a tradição judaica, o filho primogénito de família de dois irmãos recebia dois terços das possessões paternas. O texto lucano não esclarece se o interpelante era o irmão mais novo, que não tinha recebido a sua parte, se era um irmão descontente com a avaliação dos bens feita pelo outro ou se requeria a intercessão de Jesus para que o irmão fosse mais generoso na repartição dos bens herdados.
Não raro, os escribas e os doutores da lei, versados nas escrituras, assumiam o papel de juízes em casos similares. Competia-lhes, a partir da Lei, indicar como resolver situações discutíveis. O interpelante, chamando “mestre” (“didáskale”) a Jesus, reconhece-Lhe autoridade semelhante à dos escribas e doutores da Lei.
Jesus recusa envolver-se na partilha de uma herança. Era uma questão legal, para a qual não tinha mandato (“amigo, quem me fez juiz ou árbitro das vossas partilhas?”). A sua missão, a que Ele recebeu do Pai, é anunciar o Reino de Deus, e não intrometer-se entre dois irmãos que discutem sobre dinheiro e sobre outros bens materiais. O modo áspero como Jesus responde dá a entender que viu no interpelante intenção que não Lhe agradou. Talvez o homem tivesse apego excessivo ao dinheiro, o que explicaria a declaração que Jesus fez a seguir (“vede bem, guardai-vos de toda a avareza: a vida de uma pessoa não depende da abundância dos seus bens”). Na ótica de Jesus, o homem não pode edificar a sua existência sobre a cobiça, a ambição, a ganância. A cobiça dos bens, o desejo insaciável de ter mais e mais, é idolatria: toma conta do coração do homem, domina-o e faz com que o homem se afaste de Deus e deixe de se preocupar com os irmãos. Enfim, conduz à lógica interesseira e egoísta, em contraste com a lógica do Reino de Deus.
Para que tudo fique bem claro, Jesus conta uma parábola que expõe o caso de um latifundiário da Galileia. Contempla os seus campos e percebe que terá colheira muito abundante. Em diálogo consigo, desenha um plano: destruir os velhos celeiros, exíguos e degradados, e construir outros novos, capazes de armazenarem toda a colheita produzida nesse ano bom; depois, certo de que terá riqueza suficiente para viver bem por muito tempo, poderá dedicar-se a gozar a vida.
Os planos deste agricultor abastado parecem bastante acertados. É homem previdente, esforçado, responsável, que merece que a vida lhe corra bem. Contudo, análise mais atenta revela que tinha um horizonte de vida limitado: verificando que as suas terras produzirão uma colheira abundante, propõe-se usar os bens que lhe estarão à disposição apenas em proveito próprio (“descansa, come, bebe, regala-te”). É um egoísta, que só pensa em si mesmo. A linguagem que utiliza expressa-o: diz a “minha” colheita, os “meus” celeiros”, o “meu” trigo”, os “meus” bens. Nunca pensa nos outros, nunca fala dos outros, não coloca a possibilidade de repartir com os seus trabalhadores pobres os bens que Deus lhe colocar nas mãos; nunca refere a família, nem os amigos; nem pensa em agradecer a Deus pelos bens que receber. Vive em circuito fechado. O seu horizonte é o seu pequeno mundo e o bem-estar que pode tirar da vida enquanto está no Mundo.
Jesus considera esta visão da vida muito limitada. Na avaliação de Jesus, este homem é um insensato, porque é egotista e porque põe toda a confiança nos bens materiais. Crê que a posse de muitos bens lhe dá ilimitada segurança. Não reconhece a fragilidade inerente à condição humana, nem a brevidade da vida, não pensa no que o espera, quando a sua rota na terra terminar.
A parábola conta que Deus, nessa noite, lhe vai “pedir contas e desfará as suas ilusões. Esse homem terá de “entregar a alma” e os bens não lhe servirão para nada. Jesus não fala de castigo de Deus, simplesmente diz que a vida vivida num registo egoísta e materialista é péssima opção: é vida oca e termina mal.
Jesus propõe aos que O escutam uma vida diferente, voltada para os valores do Reino de Deus. Os verdadeiros discípulos de Jesus – os que vão com Ele para Jerusalém e todos os que, pelos séculos fora, decidirem segui-Lo – têm de construir as suas vidas sobre valores que dão pleno sentido à existência do homem. Só dessa forma a vida não será perdida.
Dizem alguns que, tanto no “Cohelet” como neste Evangelho, não há qualquer maldição das riquezas. Não é bem assim. Os bens foram destinados a todos, pelo que todos devem possuir, pelo menos, um mínimo para viverem com dignidade. Por outro lado cabe a cada pessoa (e todas) fazer com que se multipliquem, com trabalho inteligente, os bens que Deus nos doou.  
Quando o liberalismo económico absoluto campeia, o homem usa todos os meios lícitos e ilícitos para acumular riqueza. Tudo serve para satisfazer a ganância e a avareza: roubo, fraude, opressão dos mais fracos, guerra, morticínio. O dinheiro e a riqueza, em geral, tornam-se ídolo, que as pessoas idolatram, deixando de se abrir à novidade de Deus e às necessidades dos irmãos. Tanto assim é que a riqueza de poucos abunda cada vez mais e a pobreza de muitíssimos torna-se cada vez mais profunda. Lá diz o Evangelho: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24).      

 

Na segunda leitura (Cl 3,1-5.9-11), o apóstolo das Gentes insta à afeição pelas “coisas do alto”, em detrimento das terrenas (brilhantes e sugestivas, mas efémeras e fúteis). Quem, no batismo, foi enxertado com Cristo, tem de viver de modo que seja, para os irmãos, “imagem do Criador”.
Não foi Paulo que evangelizou a cidade de Colossos, sita na Ásia Menor, ao Sul da antiga Frígia, no vale do rio Lico. Foi Epafras, seu discípulo, quem lá anunciou o Evangelho. Do esforço missionário de Epafras nasceu uma comunidade viva e empenhada, constituída, maioritariamente, por cristãos provindos do paganismo, embora contasse com alguns cristãos de origem judaica.
Aquando da escrita da Carta aos Colossenses, Paulo está na prisão. Recebendo a visita de Epafras, soube que tinham chegado a Colossos pregadores cristãos que ensinavam doutrinas erróneas. Tais pregadores, de tendência judaizante, mas influenciados por ideias gnósticas, tentavam convencer os Colossenses a acolher práticas, tradições e doutrinas que, alegadamente, os levariam a maior perfeição, a um grau superior da experiência cristã. Exigiam a circuncisão, o respeito pelo sábado, a observância de certas festas judaicas, a abstinência de alguns alimentos; difundiam o culto dos anjos e de poderes cósmicos que governavam os astros; e pregavam a necessidade da submissão a rituais de iniciação em voga no mundo helénico e a rígidas práticas ascéticas.
Paulo reconheceu, pela informação de Epafras, que havia motivos de preocupação. O Evangelho estava a ser desvirtuado, pois os pregadores deixavam na sombra Cristo e a salvação que Ele trouxe. Paulo escreve aos Colossenses, vincando o papel e o lugar de Cristo no desígnio salvador de Deus. O trecho em apreço integra a parte moral da carta, onde o apóstolo tira conclusões práticas do que afirmou na primeira parte (Cristo basta para a salvação) e convoca os Colossenses a viverem, no quotidiano, a vida nova que os identificou com Cristo. Ora, Cristo derrotou o pecado e a morte. Na manhã de Páscoa, saindo vivo do túmulo onde a maldade, a injustiça e a violência o queriam encerrar, triunfou sobre tudo o que desfeia o Mundo e que rouba a vida aos homens. A ressurreição de Cristo é o acontecimento capital, o alicerce sobre o qual Deus construiu o seu desígnio de salvação. De Cristo ressuscitado brota uma torrente de vida nova.
Pelo batismo fomos enxertados em Cristo ressuscitado e passamos a receber vida d’Ele. Ficamos unidos a Ele e identificamo-nos com Ele. A vida que brota do Ressuscitado passa a circular em nós. A vida velha ficou para trás. Passamos a viver de olhos postos nas coisas do alto.
A vida de batizados deve ser expressão da vida nova que circula em nós e que deve manifestar-se já, durante o nosso caminho na Terra. Porém, revelar-se-á em plenitude, quando Cristo Se manifestar, definitivamente, em toda a sua glória. Sendo assim, todas as obras do “homem velho” (Paulo aponta algumas: “imoralidade, impureza, paixões, maus desejos e avareza”) devem ser completamente banidas da vida do cristão, pois não são compatíveis com a vida que recebemos de Cristo ressuscitado. O cristão é, depois de no batismo se ter “revestido” de Cristo, um “homem novo”. Está impressa nele a imagem do Criador.
A vida nova que habita todos aqueles que se revestiram do homem novo fará desaparecer as velhas diferenças de povo, de etnia, de religião, de sexo. Seremos todos iguais, seremos, todos, imagem de Deus. Foi para isto que Cristo veio: criar a comunidade de homens novos, que sejam, no Mundo, a “imagem do Criador”. A identificação com Cristo ressuscitado – que resulta do batismo – é, assim, um renascimento contínuo que deve levar-nos a parecer-nos cada vez mais com Deus.

***

Vale a pena colocar a nossa a confiança no Senhor e exprimir essa atitude, cantando:

“Senhor, tendes sido o nosso refúgio através das gerações.”

“Vós reduzis o homem ao pó da terra / e dizeis: ‘Voltai, filhos de Adão’. / Mil anos a vossos olhos são como o dia de ontem que passou / e como uma vigília da noite.

“Vós os arrebatais como um sonho, / como a erva que de manhã reverdece; / de manhã floresce e viceja, / de tarde ela murcha e seca.

“Ensinai-nos a contar os nossos dias, / para chegarmos à sabedoria do coração. /Voltai, Senhor! Até quando…/ Tende piedade dos vossos servos.

“Saciai-nos desde a manhã com a vossa bondade, / para nos alegrarmos e exultarmos todos os dias. / Desça sobre nós a graça do Senhor nosso Deus. / Confirmai, Senhor, a obra das nossas mãos.

2025.08.03 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário