A 7 de agosto, o Expresso online publicou um artigo da
jornalista Rita Dinis sob o título “Reforma do Estado: ministro tem poder
“transversal” sobre os vários ministérios”, onde contempla as entidades a
restruturar e as atribuições do ministro Adjunto e da Reforma do Estado, Gonçalo Saraiva
Matias, nos termos da Lei Orgânica do XXV Governo Constitucional, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 87-A/2025, de 25 de julho, que prova o regime de organização e funcionamento do
XXV Governo Constitucional.
Desde logo, o preâmbulo (bastante repetitivo) do diploma em referência deixa claro que o governo “assume funções, num momento de renovada ambição reformista, com o compromisso de assegurar uma Administração Pública mais próxima, desburocratizada, eficiente e digital, de aprofundar a transformação estrutural do Estado e da economia e de promover a coesão territorial”. Neste sentido, a nova estrutura orgânica reflete “o compromisso com uma Administração Pública [AP] mais digital, desburocratizada e eficiente, orientada para a proximidade com os cidadãos e [com] as empresas”, assim como “reforça a articulação entre políticas públicas e territórios, promovendo a coesão como motor de crescimento e [de] combate às assimetrias regionais, valorizando a cultura e a juventude como eixos de identidade e inovação, e integrando a agricultura e o mar numa visão estratégica de sustentabilidade e soberania”.
Mais adiante, considera a Reforma do Estado “um desígnio central” do governo, a qual se assume “como resposta estruturante aos bloqueios persistentes da Administração Pública, nomeadamente, a burocracia, a morosidade e a complexidade dos procedimentos”. Nestes termos, “assente nos pilares da simplificação, digitalização, responsabilização e articulação”, a Reforma procura “reforçar a confiança dos cidadãos no Estado, eliminar exigências desproporcionadas e assegurar mecanismos de controlo eficazes e justos”.
Por conseguinte, a designação de um ministro da Reforma do Estado “representa um passo decisivo na concretização desta agenda transformadora, funcionando como motor de uma reorganização profunda da estrutura administrativa do Estado, promovendo a modernização dos serviços públicos, a interoperabilidade entre sistemas, a avaliação sistemática de políticas públicas e a redefinição da relação entre o Estado, os cidadãos e as empresas”.
Assim, à luz do texto preambular, o ministro Adjunto e da Reforma do Estado será um superministro a liderar uma já complexa pasta ministerial e com poderes ou, pelo menos, com uma palavra a dizer, praticamente em todos os departamentos governamentais.
É certo que a Reforma do Estado, como vincou o governante, “em alguns casos, já teve início no anterior governo” do primeiro-ministro, Luís Montenegro, nomeadamente, “com a fusão das secretarias-gerais e a criação de serviços transversais ao governo”, mas ganha “novo impulso com a criação do Ministério e [com] as linhas orientadoras que o Conselho de Ministros aprovou”.
Rita Dinis fala em 16 entidades a restruturar, mas 16 entidades são as que estão sob a tutela direta do governante em causa, como se verá, mais adiante.
O artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 87-A/2025, de 25 de julho, em oito números, elenca as atribuições do ministro Adjunto e da Reforma do Estado, como se especifica.
“Tem por missão formular, conduzir, executar e avaliar, de modo transversal, as políticas de modernização e simplificação do Estado e da Administração Pública [AP], direta, indireta e o setor empresarial do Estado, designadamente, em matéria de transformação, organização e gestão dos serviços públicos, de alterações nos processos e procedimentos administrativos e na qualificação do emprego público” (n.º 1). É “responsável pela formulação, condução, execução e avaliação das políticas de digitalização, inovação e transição digital da economia, [da] sociedade e [da] Administração Pública, direta, indireta e [d]o setor empresarial do Estado, e, quanto a esta, na definição estratégica e gestão transversal e unificada da digitalização e modernização dos sistemas, aplicações e ferramentas tecnológicas” (n.º 2).
“Pode intervir junto dos serviços da Administração
direta do Estado, determinando a adoção de atos, procedimentos ou operações
materiais, e junto das entidades da Administração indireta do Estado, emitindo
orientações e solicitando informações, nas matérias da sua competência (n.º 3).
Estão, designadamente, sujeitos aos seus poderes os seguintes serviços e as entidades, cujas atribuições estão, direta ou indiretamente, ligadas à organização, ao funcionamento e à modernização da AP: a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP); a Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I. P. (ESPAP); a Direção-Geral da Economia (DGEc); a Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL); o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. (IMT); o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P. (IMPIC); o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P. (IHRU); o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. (IGFEJ); o Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN); a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I. P. (FCT) (a extinguir); os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E. P. E. (SPMS); o Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS); o Instituto de Informática, I. P. (II); a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG); a Agência Portuguesa do Ambiente, I. P. (APA); e a Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) (cf n.º 4).
São, ao todo, 16 serviços e entidades.
“Exerce os poderes de superintendência e tutela sobre:
o Instituto Nacional de Administração, I. P. [INA], em coordenação com o
Ministro de Estado e das Finanças e com o Ministro da Presidência; a Agência
para a Modernização Administrativa, I. P [AMA]” (n.º 5).
A FCT é extinta e, em seu lugar, é criada a Agência para a Investigação e Inovação (AI2), integrando
a atual Agência Nacional de Inovação (ANI).
“Exerce, sem prejuízo dos poderes legalmente
conferidos ao Conselho de Ministros e ao ministro de Estado e das Finanças”, “as
competências legalmente previstas sobre a Imprensa Nacional-Casa da Moeda, S.
A. [IN-CM], no que respeita à política e cultura de inovação prosseguida pelo
Laboratório de Inovação (INCMLab) e aos investimentos em startups, e a IP - Telecom, S. A., e a ANI - Agência Nacional de
Inovação, S. A., em matéria de digitalização” (n.º 6).
É criado, como órgão consultivo do ministro Adjunto e da Reforma do Estado, “o Conselho para o Digital na Administração Pública” (cf n.º 7).
“Exerce ainda os poderes que lhe são conferidos pelos n.os 2 e 7 do artigo 14.º e pelo n.º 18 do artigo 15.º, que, a seguir, se referem:
“O ministro da Presidência conduz e avalia as políticas” da AP, designadamente, em matéria de organização e do funcionamento dos serviços públicos, de alterações na qualificação do emprego público, em coordenação com o ministro de Estado e das Finanças e com o ministro Adjunto e da Reforma do Estado” (cf artigo 14.º, n.º 2). Por outro lado, “exerce os poderes de superintendência e [de] tutela sobre a Imprensa Nacional-Casa da Moeda, S. A., sem prejuízo da superintendência e tutela do ministro Adjunto e da Reforma do Estado, no que respeita ao Laboratório de Inovação (INCMLab) e aos investimentos em startups e das competências legalmente atribuídas ao ministro de Estado e das Finanças, relativamente às áreas da sua competência” (artigo 14.º, n.º 7).
“Compete ao ministro da Economia e da Coesão Territorial promover políticas públicas dirigidas ao setor empresarial, às startups e ao empreendedorismo, incluindo o acompanhamento da atividade da Startup Portugal, ESNA e Digital Innovation Hubs, em coordenação com o ministro Adjunto e da Reforma do Estado no que respeita à transição digital” (artigo 15.º, n.º 18).
***
Para já, o Conselho de Ministros precedeu à reestruturação da AMA, “garantindo que
tem as atribuições e a estrutura adequadas para uniformizar a estratégia
tecnológica e digital do Estado”, pelo que é transformada em Agência para a
Reforma Tecnológica do Estado, I. P. (ARTE, I. P.)”; criou “o cargo do
Diretor de Sistemas e Tecnologias de Informação da Administração Pública (CTO
do Estado), por forma a assegurar uma liderança estratégica e operacional
transversal, capaz de consolidar a transformação digital da AP”; e
aprovou um decreto-lei que estabelece o novo Regime Jurídico da Mobilidade
Elétrica (RJME) alinhado com o Direito da União Europeia (UE).
No âmbito do Ministério da Educação,
Ciência e Inovação (MECI), aprovou a sua reforma orgânica, passando a sua
estrutura de 18 para 7 entidades e de 45 para 27 dirigentes, com uma nova
organização funcional. No ensino não superior, passam a existir duas entidades:
o Instituto de Educação, Qualidade e Avaliação (EduQA) e a Agência para a
Gestão do Sistema educativo (AGSE); no ensino superior, ciência e inovação,
criam-se o Instituto para o Ensino Superior (IES) e a Agência para a
Investigação e Inovação (AI2).
Tem razão Rita Dinis, ao
apontar que Gonçalo
Matias saiu da presidência da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) para
ocupar um lugar no governo, “com a missão de levar para a frente a reforma do
Estado” e foi “investido de poderes ‘transversais’, para tomar ‘decisões
estratégicas’ sobre os mais diversos organismos e institutos do Estado
tutelados por outros ministérios”. Não se trata de o governante dar sugestões.
Como refere a jornalista, ele pode “determinar a adoção de atos, procedimentos
ou operações materiais”, junto das mais diversas entidades e serviços do
Estado.
Questionado sobre se as entidades listadas correspondiam às
que estão a ser pensadas para ser fundidas ou extintas, o gabinete do ministro respondeu
ao Expresso, segundo Rita Dinis, que
“não está prevista a extinção” de nenhuma das entidades especificamente, mas
que “é possível que algumas delas venham a ser reestruturadas ou fundidas” (já
se sabe como são as restruturações e as fusões), como foi anunciado para a FCT
e a ANI, “ou reestruturadas com novas competências”, como já foi anunciado que
iria acontecer com a AMA, que passa a ser ARTE.
Recorda
a jornalista que “o desenho dessas reestruturações e fusões” não está fechado e
dependerá do trabalho que “o Ministério da Reforma do Estado passou aos vários
ministérios”. A 31 de julho, o governo, ao aprovar as linhas estruturantes da
reforma, explicitou que a “reestruturações dos ministérios” passa por duas
fases, estando a primeira focada nas entidades que constituem os ministérios
(que estará pronta até julho de 2026) e a segunda direcionada para o
“redesenho” do funcionamento dos ministérios, com recurso a tecnologia e
inteligência artificial (IA).
Para tanto, o Ministério da reforma do Estado terá equipas em cada
ministério setorial e promoverá sessões de esclarecimento.
***
O
pontapé de saída da dita reforma foi dado no MECI cujo funcionamento foi reconhecido
pelo próprio como “anacrónico”, servindo o seu afã de reestruturação de exemplo
para os demais departamentos ministeriais.
As linhas orientadoras da reforma do Estado, de acordo com o PowerPoint do governo, passam pelos
seguintes parâmetros:
* Reorganização e Transformação dos Ministérios, visando tornar
o Estado mais eficaz e eficiente, através de uma reforma uniforme de todas as
áreas governativas, a prosseguir a dois níveis – orgânica e transformação
organizacional (processos, tecnologia e pessoas) – com a simplificação e a digitalização
dos processos orientados para os cidadãos e para as empresas. Para tanto, impõe-se
a simplificação da legislação relevante, nomeadamente, o Código do procedimento
e do processo administrativos, o Código da contratação pública, a simplificação
dos atos societários e a revisão dos licenciamentos comercial, industrial,
urbanístico.
* Diretor de Sistemas e Tecnologias de Informação da
Administração Pública, o CTO do
Estado, em alinhamento com os países mais avançados no digital, para uma liderança
centralizada da transformação e da reforma tecnológica do Estado, na colaboração
com toda a AP, em termos de referência técnica e institucional. O escopo é assegurar
a interoperabilidade total de sistemas e garantir a continuidade e a visão de
longo prazo.
* ARTE – Agência para a Reforma Tecnológica do Estado a “só
uma vez”. A ARTE resulta da reestruturação da AMA, é liderada pelo CTO do Estado, centraliza a
transformação tecnológica e garante a interoperabilidade. As suas competências
são: aplicar o princípio “só uma vez”, implementar a estratégia tecnológica
transversal ao Estado, promover a adoção de tecnologias emergentes (IA) e aquisições
TIC (tecnologias de informação e comunicação) inteligentes.
* Novo Regime de Mobilidade Elétrica. Elimina a obrigatoriedade
de contratos com comercializadores, implica o carregamento com pagamento direto
em todos os pontos públicos, procede à expansão da rede em todo o território,
promove a simplificação dos procedimentos de licenciamento, visa a descarbonização
com energias limpas e está alinhado com o Regulamento Europeu relativo à
criação de infraestrutura para combustíveis alternativos AFIR.
* O primeiro passo da Reforma do Estado e o impacto para os cidadãos
e para as empresas. O impacto verificar-se-á na redução da burocracia, na aplicação
do princípio “só uma vez”, na redução de custos de contexto, na existência de serviços
públicos mais simples e eficientes, na adoção de IA e de tecnologias emergentes
e no estímulo ao ecossistema digital.
Segundo a leitura de Rita Dinis do esboço-síntese do plano de
reforma do Estado, os ministros devem começar por “elencar estruturas, funções,
serviços e recursos humanos existentes”, “identificar duplicações, lacunas e
incoerências” e “partilhar” esses resultados com a equipa do Ministério da
Reforma do Estado. Posto isto, devem partir para o “desenho da nova estrutura”
e para o respetivo enquadramento legal. E para ajudar os vários ministros na
tarefa, o Ministério da Reforma do Estado distribuir “metodologias e templates”
pelos vários ministérios, promover “sessões de esclarecimento” e “alocar
equipas de suporte” para cada área setorial.
Gonçalo Matias referiu que o princípio, “só
uma vez”, “previsto na lei, há 11 anos, estabelece que os cidadãos não têm de
entregar o mesmo documento, mais de uma vez, à AP, mas “não está cumprido,
porque a AP “não possui sistemas de informação que comuniquem entre si, que
tenham interoperabilidade”.
“Vai mexer-se como nunca se mexeu”, terá
dito Gonçalo Matias. Provavelmente, suplantará Carvalho e Melo, Mouzinho da
Silveira, Fontes Pereira de Melo, Oliveira Salazar, Miguel Cadilhe e Paulo
Portas. Oxalá que tenha êxito!
2025.08.08
– Louro de Carvalho
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