sábado, 30 de agosto de 2025

Falta de professores, horários por preencher e erros nos concursos

 

A duas semanas do início do ano letivo, as escolas enfrentam um défice de cerca de três mil horários de professores por preencher. Para colmatar a falta de docentes, o governo vai abrir um concurso externo extraordinário com quase 1800 vagas, concentradas nas zonas com maiores dificuldades em atrair profissionais.

Neste sentido, a Federação Nacional dos Professores (FENPROF) considera positivo o facto de a ainda não extinta Direção-Geral da Administração Escalar (DGAE) ter publicado, a 14 de agosto (a cerca de um mês da abertura do ano letivo), as listas definitivas de colocação de docentes da mobilidade interna (MI) e da contratação inicial (CI). Porém, a boa notícia revela “a profundidade dos problemas que marcam o arranque do ano letivo 2025/2026”.

Segundo os dados divulgados pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), foram colocados  18899 docentes – 17455, por MI, e 1444 por CI, dos quais 326 correspondem a renovações (52 em horários incompletos). Porém, o MECI omite que ficaram por preencher 3152 horários, o que indicia o início do ano letivo com falta de docentes.
Apesar das 6173 vinculações no concurso nacional, 2625 decorreram de requisitos de exigência da própria lei, nomeadamente, por força da “vinculação dinâmica” (visa garantir a colocação de professores, em todo o país, permitindo que o MECI os mobilize para onde forem necessários) e da “norma travão” (contratados com três anos consecutivos de serviço em horário completo e anual, no mesmo grupo de recrutamento, têm prioridade de vinculação ao quadro onde trabalham). Paralelamente, cerca de 16816 docentes permanecem no desemprego, muitos com mais de 10 anos de tempo de serviço e uma média de idades que ultrapassa os 40 anos.  
A situação agrava-se com a entrada residual de novos professores, insuficiente para compensar as 2054 aposentações registadas entre 1 de janeiro e 31 de agosto de 2025, em resultado de um corpo docente cada vez mais envelhecido.

Outro dado preocupante é a diminuição de candidatos nas reservas de recrutamento: se, em 2024/2025, havia 19382 candidatos, em 2025/2026, são apenas 16816 (menos 13,2%). A redução é generalizada na maioria dos grupos de recrutamento, atingindo valores alarmantes no 1.º Ciclo do Ensino Básico (1.º CEB) (menos 27,7%); no grupo 120 – Inglês do 1.º CEB (menos 36,8%); no grupo 220 – Português e Inglês (menos 42,3%); no grupo 230 – Matemática e Ciências da Natureza (menos 28.8%); no grupo 300 – Português (menos 17,9%); no grupo 330 – Inglês (menos 19,7%); no grupo 420 – Geografia (menos 26%) e no grupo 910 – Educação Especial 1, (com menos 22,6%).

Entretanto, há relatos de situações irregulares ocorridas na MI. Estão em causa professores que, tendo mudado de Quadro de Zona Pedagógica (QZP) no Concurso Nacional 2025/2026, não o referiram como QZP de provimento na MI, tendo antes referido, por lapso, o anterior, ou seja, aquele em que estavam colocados à data do concurso. Nesses casos, e não tendo obtido colocação nas preferências manifestadas, deveriam ter sido colocados no QZP para o qual mudaram. Ao invés, foram colocados num agrupamento de escolas / escola não agrupada (AE/EnA) do QZP anterior, ao qual já não pertencem, nem concorreram, em clara violação das regras dos concursos, nomeadamente, do n.º 3 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 32-A/2023, de 8 de maio, na redação atual. Na verdade, como revelou o Diário de Notícias (DN), um erro no concurso de MI levou 27 professores do Norte a serem colocados em escolas no Sul do país, para as quais não tinham concorrido. Segundo o jornal, o lapso ocorreu no preenchimento do formulário e foi validado pelas próprias escolas, obrigando os docentes a dar aulas em zonas a centenas de quilómetros das suas residências. Os professores acusam a DGAE de má-fé e exigem correções imediatas.

Embora o erro inicial tenha sido dos docentes, no preenchimento da candidatura, é grave que o sistema tenha validado essas candidaturas incorretas, revelando falhas de controlo que permitem declarações inexatas, mesmo que involuntárias. Ora, tais situações, até serem corrigidas – o que poderá levar tempo –, criam grande instabilidade e angústia nos docentes e nas suas famílias, sobretudo, quando implicam afastamento significativo da sua residência.

O MECI já admitiu a situação e garante estar a avaliar juridicamente o caso para “encontrar uma solução que garanta a equidade”.

Assim, como enfatiza a FENPROF, o ano letivo arranca com menos professores, com mais horários por preencher, com erros nos concursos e com uma “Reforma” do MECI que, em vez de responder aos problemas da escola pública, a fragiliza e desmantela, desconsiderando docentes e as suas organizações representativas. É esta a realidade, ao invés da propaganda que diz ter trazido “paz às escolas”.

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As escolas continuam, pois, com mais de três mil horários de professores por preencher, pelo que o governo decidiu abrir um concurso externo extraordinário com quase 1800 vagas, para zonas com mais dificuldade em atrair docentes, para o que está a preparar um decreto-lei.

A duas semanas do arranque do ano letivo, há ainda “cerca de três mil horários por preencher”, revelou, a 27 de agosto, o ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, no final de uma reunião com sindicatos, para discutir o diploma que cria um regime excecional e temporário para contratar professores para as 10 regiões do país com mais alunos sem aulas. E, antes do início do ano letivo, arranca mais uma reserva de recrutamento que permite às escolas contratar mais docentes, mas a tutela decidiu também lançar, neste ano, um concurso externo extraordinário para recrutar educadores de infância e professores dos ensinos básico e secundário, à semelhança do que aconteceu no ano letivo passado.

As cerca de 1800 vagas estão concentradas em 10 QZP, sendo a maioria – cerca de 1100 (cerca de 60%) – para dar aulas em escolas em Lisboa, disse o ministro, acrescentando que 20% das vagas serão abertas na região de Setúbal e as restantes 20% para escolas do Alentejo e do Algarve.

A este respeito, a FENPROF considera as propostas do MECI tímidas para resolver grandes problemas que “não poderão nunca resultar bem”.

Realizou-se, a 27 de agosto, uma reunião na qual o governo apresentou uma proposta de alteração ao regime de concurso externo extraordinário e em relação ao qual aquela estrutura sindical sempre teceu duras críticas e para o que apresentou propostas concretas para o melhorar, designadamente, em relação aos seguintes aspetos: “necessidade de abrir concurso interno, caso no concurso extraordinário surjam vagas não apresentadas no concurso anterior para o mesmo ano letivo”; “importância de distinguir, através de prioridades de concurso, os docentes provenientes do ensino público dos que provêm do ensino privado; consideração, neste concurso, de todas as vagas sobrantes de quadro de agrupamento / quadro de escola (QA/QE), e não apenas as de QZP; e “estabelecimento da não obrigatoriedade de concurso a outro QZP que não aquele em que se encontram providos, para os professores candidatos à mobilidade interna”.

Nesse sentido, será enviado um parecer às propostas de alteração feitas pelo governo, de forma a ainda serem introduzidas no novo diploma a aprovar. Da parte de Fernando Alexandre houve o compromisso de apreciação e de introdução dessas alterações, se apresentadas em curto prazo.

Contudo, reconhecendo a urgência de se encontrarem soluções para pôr fim à falta de professores, a FENPROF não se opôs a alterações pontuais, mas “não abdica de exigir a existência de verdadeiros processos negociais que respeitem a legislação em vigor”, não podendo, por isso, isentar o governante e a sua equipa de “responsabilidades, na apresentação tardia das suas soluções, negando, dessa forma, o direito, de as organizações sindicais, serem partes da solução”.

Ficam, pois, duas preocupações essenciais: uma, conexa “com a dita reforma do Estado e que se traduziu na abolição de um conjunto de serviços que eram interlocutores das escolas e também das organizações sindicais, através dos quais se resolviam um conjunto de problemas de gestão corrente”; e a outra, atinente às “caraterísticas das reuniões ditas negociais para as quais não há documentos prévios para debate, servindo, na maior parte dos casos, para transmitir intenções vagas do governo, em relação a legislação que pretende ver aprovada”.

Ambas as situações, segundo a FENPROF, “empobrecem o relacionamento institucional e refletem uma visão limitada e minimalista da vida democrática”. O processo de negociação coletiva, como está legalmente estabelecido, “é uma pedra basilar do regime democrático, da representatividade das organizações e do fortalecimento da participação dos cidadãos”.

O governo quer passar a ideia de que está preocupado com a solução dos problemas, mas não tem feito mais do que empobrecer os alicerces da vida democrática e dos direitos sindicais.

Outra forma de desvalorizar os processos negociais é a realização de escassas reuniões (para aparentar que há reuniões com os sindicatos) com todas as organizações sindicais em presença, impedindo “um aprofundamento efetivo das questões a necessitar de análise”. Ora, a FENPROF, na sequência com o que tem sempre defendido, “entende que, a haver reuniões com todos os sindicatos, simultaneamente, elas devem ocorrer, antes de se iniciar o processo negocial e no final de cada processo, devendo ser constituídas mesas negociais, de acordo com a representatividade das organizações. Aliás, a ministra Isabel Alçada chegou a fazer isso, acompanhando nove mesas.

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Por seu turno, a Federação Nacional da Educação (FNE), pela voz de Manuel Teodósio, criticou o modo como a tutela preparou a reunião negocial “que acabou por ser mais uma reunião informal”, e alertou para o facto de este concurso não garantir o preenchimento de todas as vagas.

A FNE voltou a defender a necessidade de um “controlo eficaz das habilitações científicas”, visto que este concurso permite contratar quem tem habilitações próprias, ou seja, sem habilitações pedagógicas. “Cientificamente, são pessoas qualificadas, mas falta a parte pedagógica. Se já os temos no sistema, então temos de os profissionalizar”, defendeu Manuel Teodósio.

A FNE, a 25 de agosto (dois dias antes da reunião), revelou ter solicitado ao MECI, por ofício de 22 de agosto, o envio urgente das seguintes informações, para garantir uma participação plena, responsável e devidamente informada no processo negocial: “proposta de articulado do referido decreto-lei, de modo a permitir a sua análise atempada e a elaboração do respetivo parecer com as contrapropostas da FNE; e “dados concretos que sustentem a negociação, nomeadamente, o número de docentes abrangidos, a identificação das zonas/escolas onde serão abertas vagas e a distribuição por grupos disciplinares.

Porém, a dois dias da reunião, continuava a aguardar o envio dessas informações, considerando que “esta negociação [se] reveste [de] particular importância, uma vez que está em causa a necessidade urgente de garantir estabilidade profissional aos docentes e de assegurar a resposta adequada às necessidades permanentes das escolas, num contexto em que o sistema educativo continua fortemente marcado pela falta de professores e pela precariedade que afeta milhares de profissionais”. Não obstante, reafirmou “total disponibilidade para, no âmbito dos processos negociais, contribuir para a construção de soluções que garantam respostas efetivas, em matéria de valorização, [de] estabilidade e [de] atratividade da carreira docente, fatores indispensáveis para a qualidade da educação e para a dignificação do trabalho de professores e [de] educadores”.

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A 14 de agosto, a FENPROF sustentava que a campanha Integrar +, do MECI, tem o objetivo de atrair jovens para a profissão e de recuperar alguns dos que a abandonaram. Porém, embora seja inquestionável que “ser professor é mudar vidas”, a campanha “não passa de publicidade enganosa, omitindo problemas estruturais”.

Com uma visão ilusória de “condições motivadoras de trabalho e de estabilidade profissional”, a campanha destaca o valor ilíquido do 1.º escalão da carreira docente, escondendo que o montante líquido recebido é inferior (até quase menos 500 euros), após deduções, e que milhares de docentes continuam em situação precária, apesar de satisfazerem necessidades permanentes das escolas, olvidando o princípio de que a posto de trabalho permanente deve corresponder vínculo efetivo. Esquece os trilhos que milhares de professores percorrem, ao longo de anos, até lograrem um lugar de quadro e as dificuldades em garantirem colocação perto da sua área de residência, mesmo após o ingresso em lugar de quadro. Os números não enganam: no último concurso do ano letivo findo, os professores que preencheram os requisitos para vincular tinham, em média, 44,9 anos de idade e 12,5 anos de serviço (segundo a norma-travão) e 45 anos e 9,8 anos de serviço (segundo a vinculação dinâmica).

A campanha não tem em conta os fatores que mais contribuem para o desgaste físico e psicológico dos docentes: horários de trabalho sobrecarregados; elevado número de alunos, por turma; múltiplos níveis letivos atribuídos a um professor; e o desrespeito constante pelo que são atividades letivas e não letivas, situação que a tutela, apesar de alertada, não corrige. 

O peso burocrático é silenciado e “tarefas administrativas sem enquadramento legal consomem tempo e energia que deveriam ser dedicados ao trabalho pedagógico”.

A campanha pretende eclipsar o falhanço do Plano +Aulas +Sucesso, cujos efeitos foram quase nulos, na resolução da falta de professores, a qual “só foi atenuada pelo recurso a horas extraordinárias em massa, a contratação de docentes com habilitação própria e até de pessoas sem qualquer requisito habilitacional”. Agora, com o “Plano +Aulas +Sucesso 2.0”, o MECI, não admitindo o insucesso do primeiro plano, limita-se a reciclar medidas do anterior, a que acrescenta a antecipação do alargamento do subsídio de deslocação a todos os docentes (medida aprovada no Parlamento, com os votos contra dos partidos do governo) e com “uma irrisória majoração deste subsídio para as áreas de QZP consideradas carenciadas”, criando “desigualdades” e baseando-se em “critérios de elegibilidade ainda não totalmente clarificados”. 

O novo plano é apresentado em simultâneo com a disruptiva proposta de “Reforma do Estado” que, sob a capa de discurso reformista, abre as portas à desresponsabilização do Estado na educação pública. Cerca de 20 mil docentes deixaram a profissão na última década e meia e, entre três mil e quatro mil aposentam-se, anualmente. Estima-se que, até 2030, serão necessários mais 20 mil docentes e, até 2035, outros 20 mil. A via de solução do problema é clara: valorizar a profissão, para a tornar atrativa, melhorando carreiras, salários, condições de trabalho, estabilidade e regras de aposentação. O resto é adiar o problema e iludir a sociedade.

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Por fim, interrogo-me: “Estando 3152 horários por preencher, como é que o MECI abre concurso externo de contratação para apenas 1800 vagas?” Não entendo tal minimização (e já fui docente e gestor escolar, no público e no privado), tendo em conta o panorama de carência estimado para um futuro próximo.

2025.08.30 – Louro de Carvalho


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