Ao invés do que passa em
Portugal, em que o Estado quer desideologizar a Estratégia Nacional de Educação
para a Cidadania (ENEC), com o agrado, ao menos, implícito da nossa hierarquia
católica e de muitos grupos conservadores que se professam cristãos, o Vicariato para a
Ação Social, Política e Ecuménica da Arquidiocese de Vitória, do Estado do Espírito
Santo (ES), no Brasil, sustenta, em nota: “Num país onde a violência contra a
população LGBTIA+ atinge níveis alarmantes, é inadmissível que o poder
legislativo crie ferramentas para alimentar, ainda mais, o preconceito.”
O
vicariato expressa “veemente repúdio à promulgação” da lei estadual do Estado
do Espírito Santo, que garante aos pais e a outros responsáveis o direito de
impedirem a participação dos filhos ou dependentes em aulas sobre identidade de
género, em escolas públicas e privadas.
De
acordo com a nota assinada pelo vigário episcopal, padre Kelder José Brandão
Figueira, “a criação dessa lei é um golpe na autonomia pedagógica das
instituições de ensino e uma afronta ao direito de todos à educação de
qualidade, livre de censura e de preconceito”, pois, “em vez de proteger, expõe
crianças e adolescentes à ignorância e à perpetuação de violências, aumentando,
ainda mais, a sua vulnerabilidade; e num país onde a violência sexual [contra a]
criança e [contra o] adolescente é crescente”.
Na
verdade, a “identidade de género” é, para o vigário episcopal, um conceito que
expressa a crença de que a sexualidade humana independe do sexo e se manifesta
em géneros muito mais variados do que homem e mulher. A ideia contraria a Escritura
que diz, no Livro do Génesis (Gn 1,27: “Deus criou o ser humano à sua
imagem, à imagem de Deus o criou. Homem e mulher Ele os criou”, na tradução
oficial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O
Catecismo da Igreja Católica (CIC) diz, no número 369 que “o homem e a mulher
foram criados, quer dizer, foram queridos por Deus: em perfeita igualdade
enquanto pessoas humanas, por um lado, mas, por outro, no seu respetivo ser de
homem e de mulher. “Ser homem”, “ser mulher” é uma realidade boa e querida por
Deus: o homem e a mulher têm uma dignidade inamissível e que lhes vem
imediatamente de Deus, seu Criador. O homem e a mulher são, com uma mesma
dignidade, “à imagem de Deus”. No seu “ser homem” e no seu “ser mulher”,
refletem a sabedoria e a bondade do Criador.
Não
obstante, os alunos não devem ser impedidos de conhecer outras cosmovisões e antropologias
e devem ser educados para o respeito pela diferença e pelas vivências alheias.
A
norma do Estado do Espírito Santo que o vicariato ataca foi promulgada, em
julho, pelo deputado estadual Marcelo Santos (União-ES), presidente da
Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales), através de sanção tácita. O
governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB-ES), não se pronunciou, no
prazo previsto, depois de a proposta ter sido aprovada no Legislativo,
permitindo ao presidente da Ales promulgar a lei e publicá-la no Diário do Poder Legislativo (DPL). A lei
diz que as atividades pedagógicas de género são as que abordam temas conexos com
a identidade de género, com a orientação sexual, com a diversidade sexual, com
a igualdade de género e com outros assuntos similares.
Segundo
o vicariato da arquidiocese de Vitória, “a definição vaga e abrangente de “atividades
pedagógicas de género”, “revela a verdadeira intenção da lei: silenciar o
debate sobre a diversidade e impedir que as escolas cumpram o seu papel
fundamental na formação de cidadãos conscientes, críticos e respeitosos” porque
“é na escola que crianças e adolescentes deveriam aprender sobre respeito,
empatia e a diversidade humana”.
“A educação é a ferramenta que temos contra a intolerância, e não podemos permitir que ela seja silenciada por legislações retrógradas”, declarou o vicariato. “Ao vetar o debate sobre género e sexualidade, esta lei não apenas priva os estudantes de um conhecimento essencial para a sua formação integral, mas também os deixa despreparados para lidarem com a realidade de um mundo plural. Pior ainda, a lei reforça estereótipos prejudiciais e perpetua a discriminação, colocando em risco a saúde mental e física de jovens LGBTQIA+”.
A determinação ainda destaca que as escolas são “responsáveis por garantir o cumprimento da vontade dos pais”, “respeitando a decisão de vedar a participação de seus filhos” nas aulas sobre identidade de género e, por isso, devem informar aos pais “sobre quaisquer atividades pedagógicas de género”, nas escolas, e os pais, devem “manifestar”, por meio de um “documento, escrito e assinado, a ser entregue” à escola, com a “sua concordância ou discordância, quanto à participação dos seus filhos ou de seus dependentes” em tais “atividades pedagógicas de género”.
“Ao permitir que pais e responsáveis vetem a participação de crianças e
adolescentes em “atividades pedagógicas de género”, a lei impõe um cerceamento
inaceitável ao ambiente escolar e perpetua a ignorância e o preconceito”, diz a nota.
A
arquidiocese de Vitória, por meio do seu arcebispo, Dom Ângelo Ademir Mezzari, escreveu,
a 5 de agosto, uma nota de esclarecimento sobre “o conteúdo integral
da nota de repúdio”, feita pelo vicariato para a ação social, política e ecuménica,
dizendo que “repudia, veementemente, as tentativas de manipulação e de deslegitimação
da sua atuação pastoral e pronunciamentos, sempre que necessários estes sejam
necessários à defesa da vida e preservando a sua integridade institucional”.
A
Igreja não se afasta do seu Magistério e expressa, com fidelidade ao Evangelho,
o seu compromisso de condução pastoral dos fiéis”, declarou a arquidiocese,
reafirmando a “sua missão de defender a dignidade da pessoa humana e de
promover uma cultura de paz com justiça social, sempre à luz da Doutrina Social
da Igreja [DSI] e da fé cristã, reafirmando que cabe ao Magistério da Igreja a
interpretação justa da Doutrina Social e as orientações de aplicação”.
“Nesse espírito, rogamos a intercessão de Nossa Senhora, modelo de
acolhimento e sabedoria, para que nos ajude a manter firme o compromisso com a
verdade, a justiça e a comunhão, mesmo diante de incompreensões e desejos de
posicionamentos contrários à Doutrina Cristã”, concluiu.
***
Transcrevem-se
as duas notas: a do vigário episcopal; e a do arcebispo, que surgiu pelo facto
de ter havido tentativa de manipulação e de deslegitimação nas redes sociais. A
transcrição tenta a ortografia e a sintaxe do Português europeu.
Nota de repúdio: um ataque à educação
e à diversidade
“Fala com sabedoria, ensina com amor” (Pr 31,32)
“Em 2022, a
Igreja no Brasil, pela terceira vez, lançou luzes sobre a educação, com o tema ‘Fraternidade
e Educação’ e com o lema ‘Fala com sabedoria, ensina com amor’, inspirado em
Provérbios 31,32. No Manifesto em Defesa da Educação com Fraternidade,
publicado na Celebração de Abertura, a Arquidiocese de Vitória conclamou: ‘Queremos
Educação para todos e todas, que contribua para fortalecer as relações
igualitárias entre homens e mulheres, com reconhecimento, respeito pelas
diferenças, melhoria da qualidade de vida e inclusão para todos/as (negros,
indígenas, quilombolas, educação do campo, jovens e adultos, educação
prisional, LGBTQI+ e a concretização do Plano Estadual de Educação em Direitos
Humanos.’
“Hoje,
voltamos a manifestar-nos em defesa da Educação com Fraternidade, expressando o
nosso veemente repúdio pela promulgação da Lei n.º 12.479/2025, pela Assembleia
Legislativa do Estado do Espírito Santo. Sob a falaciosa justificativa de
assegurar o direito dos pais de alunos, ela representa um grave retrocesso que
atenta contra os princípios fundamentais da educação, da diversidade e dos
direitos humanos. Ao permitir que pais e responsáveis vetem a participação de
crianças e adolescentes em ‘atividades pedagógicas de género’, a lei impõe um
cerceamento inaceitável ao ambiente escolar e perpetua a ignorância e o
preconceito.
“A definição
vaga e abrangente de ‘atividades pedagógicas de género’ – que pode incluir
temas como identidade de género, orientação sexual, diversidade sexual e
igualdade de género – revela a verdadeira intenção da lei: silenciar o debate
sobre a diversidade e impedir que as escolas cumpram o seu papel fundamental na
formação de cidadãos conscientes, críticos e respeitosos.
“Num país
onde a violência contra a população LGBTIA+ atinge níveis alarmantes, é
inadmissível que o poder legislativo crie ferramentas para alimentar, ainda
mais, o preconceito.
“Dados do
Observatório de Mortes e Violências LGBTIA+ no Brasil revelam que, somente em
2023, foram registadas 184 mortes violentas de pessoas LGBTIA+ no país, pelo
simples facto de a sua orientação sexual, refletindo a intolerância que permeia
a nossa sociedade.
“É na escola
que crianças e adolescentes deveriam aprender sobre respeito, empatia e a
diversidade humana. Ao vetar o debate sobre género e sexualidade, esta lei não
apenas priva os estudantes de um conhecimento essencial para a sua formação
integral, mas também os deixa despreparados para lidar com a realidade de um
mundo plural. Pior ainda, a lei reforça estereótipos prejudiciais e perpetua a
discriminação, colocando em risco a saúde mental e física de jovens LGBTQIA+.
“A criação
dessa lei é um golpe na autonomia pedagógica das instituições de ensino e uma
afronta ao direito de todos à educação de qualidade, livre de censura e
preconceito. É inconstitucional, como destacou a equipa jurídica da própria
Assembleia Legislativa.
“É uma lei
que, em vez de proteger, expõe crianças e adolescentes à ignorância e à
perpetuação de violências, aumentando, ainda mais, a sua vulnerabilidade, num
país onde a violência sexual contra criança e adolescente é crescente. A
educação é a ferramenta que temos contra a intolerância, e não podemos permitir
que ela seja silenciada por legislações retrógradas.
“Diante
disso, conclamamos instituições públicas que se manifestem e ajam contra esse
flagrante retrocesso, segundo as suas competências.
(Ver: https://www.aves.org.br/wp-content/uploads/2025/07/Nota-de-Repudio-Ataque-a-diversidade-no-ES-1.pdf)
Nota de esclarecimento
– “A verdade vos libertará” (Jo 8,32)
“A
Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo, canonicamente representada por seu
arcebispo metropolitano, D. Ângelo Ademir Mezzari, no exercício do seu múnus
pastoral, como legítimo representante desta Igreja Particular, em plena
comunhão com o Magistério da Igreja, vem a público esclarecer o conteúdo
integral da Nota de Repúdio: “Um Ataque à Educação e à Diversidade”, publicada
no dia 23 de julho de 2025, pelo Vicariato para a Ação Social, Política e Ecuménica,
devido às deturpações e às ilações que passaram a circular nas redes sociais.
“A Igreja não
se afasta do seu Magistério e expressa, com fidelidade ao Evangelho, o seu
compromisso de condução pastoral dos fiéis. A Arquidiocese de Vitória-ES
reafirma a sua missão de defender a dignidade da pessoa humana e de promover
uma cultura de paz com justiça social, sempre à luz da Doutrina Social da
Igreja e da fé cristã, reafirmando que cabe ao Magistério da Igreja a
interpretação justa da Doutrina Social e as orientações de aplicação.
“Por isso, a
Arquidiocese de Vitória repudia, veementemente, as tentativas de manipulação e
deslegitimação da sua atuação pastoral e pronunciamentos sempre que necessários
estes sejam necessários à defesa da vida e preservando sua integridade
institucional.
“Nesse
espírito, rogamos a intercessão de Nossa Senhora, modelo de acolhimento e
sabedoria, para que nos ajude a manter firme o compromisso com a verdade, a
justiça e a comunhão, mesmo diante de incompreensões e desejos de
posicionamentos contrários à Doutrina Cristã.”
(Ver: https://www.aves.org.br/nota-de-esclarecimento/)
***
O
posicionamento da arquidiocese não contraria a Doutrina católica, nem adere a
ideologias contrárias a ela. Apenas pretende uma educação abrangente e
esclarecida, rumo à tolerância e ao respeito. É de recordar o posicionamento do
Papa Francisco de não julgar os outros. Aliás, mantendo a norma doutrinária de
que o matrimónio é para pessoas de sexo diferente, sustentou que os Estados não
têm o direito de descriminar os cidadãos, sugerindo que devem facultar o
casamento aos diversos pares cidadãos, sem discriminação e com respeito pela orientação
sexual de cada pessoa.
2025.08.07 – Louro de Carvalho
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