quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Arquidiocese defende a obrigatoriedade de conteúdo LGBT+ em escolas


Ao invés do que passa em Portugal, em que o Estado quer desideologizar a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC), com o agrado, ao menos, implícito da nossa hierarquia católica e de muitos grupos conservadores que se professam cristãos, o Vicariato para a Ação Social, Política e Ecuménica da Arquidiocese de Vitória, do Estado do Espírito Santo (ES), no Brasil, sustenta, em nota: “Num país onde a violência contra a população LGBTIA+ atinge níveis alarmantes, é inadmissível que o poder legislativo crie ferramentas para alimentar, ainda mais, o preconceito.”  

O vicariato expressa “veemente repúdio à promulgação” da lei estadual do Estado do Espírito Santo, que garante aos pais e a outros responsáveis o direito de impedirem a participação dos filhos ou dependentes em aulas sobre identidade de género, em escolas públicas e privadas.

De acordo com a nota assinada pelo vigário episcopal, padre Kelder José Brandão Figueira, “a criação dessa lei é um golpe na autonomia pedagógica das instituições de ensino e uma afronta ao direito de todos à educação de qualidade, livre de censura e de preconceito”, pois, “em vez de proteger, expõe crianças e adolescentes à ignorância e à perpetuação de violências, aumentando, ainda mais, a sua vulnerabilidade; e num país onde a violência sexual [contra a] criança e [contra o] adolescente é crescente”.

Na verdade, a “identidade de género” é, para o vigário episcopal, um conceito que expressa a crença de que a sexualidade humana independe do sexo e se manifesta em géneros muito mais variados do que homem e mulher. A ideia contraria a Escritura que diz, no Livro do Génesis (Gn 1,27: “Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou. Homem e mulher Ele os criou”, na tradução oficial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

O Catecismo da Igreja Católica (CIC) diz, no número 369 que “o homem e a mulher foram criados, quer dizer, foram queridos por Deus: em perfeita igualdade enquanto pessoas humanas, por um lado, mas, por outro, no seu respetivo ser de homem e de mulher. “Ser homem”, “ser mulher” é uma realidade boa e querida por Deus: o homem e a mulher têm uma dignidade inamissível e que lhes vem imediatamente de Deus, seu Criador. O homem e a mulher são, com uma mesma dignidade, “à imagem de Deus”. No seu “ser homem” e no seu “ser mulher”, refletem a sabedoria e a bondade do Criador.

Não obstante, os alunos não devem ser impedidos de conhecer outras cosmovisões e antropologias e devem ser educados para o respeito pela diferença e pelas vivências alheias.

A norma do Estado do Espírito Santo que o vicariato ataca foi promulgada, em julho, pelo deputado estadual Marcelo Santos (União-ES), presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales), através de sanção tácita. O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB-ES), não se pronunciou, no prazo previsto, depois de a proposta ter sido aprovada no Legislativo, permitindo ao presidente da Ales promulgar a lei e publicá-la no Diário do Poder Legislativo (DPL). A lei diz que as atividades pedagógicas de género são as que abordam temas conexos com a identidade de género, com a orientação sexual, com a diversidade sexual, com a igualdade de género e com outros assuntos similares.

Segundo o vicariato da arquidiocese de Vitória, “a definição vaga e abrangente de “atividades pedagógicas de género”, “revela a verdadeira intenção da lei: silenciar o debate sobre a diversidade e impedir que as escolas cumpram o seu papel fundamental na formação de cidadãos conscientes, críticos e respeitosos” porque “é na escola que crianças e adolescentes deveriam aprender sobre respeito, empatia e a diversidade humana”.

“A educação é a ferramenta que temos contra a intolerância, e não podemos permitir que ela seja silenciada por legislações retrógradas”, declarou o vicariato. “Ao vetar o debate sobre género e sexualidade, esta lei não apenas priva os estudantes de um conhecimento essencial para a sua formação integral, mas também os deixa despreparados para lidarem com a realidade de um mundo plural. Pior ainda, a lei reforça estereótipos prejudiciais e perpetua a discriminação, colocando em risco a saúde mental e física de jovens LGBTQIA+”. 

A determinação ainda destaca que as escolas são “responsáveis por garantir o cumprimento da vontade dos pais”, “respeitando a decisão de vedar a participação de seus filhos” nas aulas sobre identidade de género e, por isso, devem informar aos pais “sobre quaisquer atividades pedagógicas de género”, nas escolas, e os pais, devem “manifestar”, por meio de um “documento, escrito e assinado, a ser entregue” à escola, com a “sua concordância ou discordância, quanto à participação dos seus filhos ou de seus dependentes” em tais “atividades pedagógicas de género”.

“Ao permitir que pais e responsáveis vetem a participação de crianças e adolescentes em “atividades pedagógicas de género”, a lei impõe um cerceamento inaceitável ao ambiente escolar e perpetua a ignorância e o preconceito”, diz a nota.

A arquidiocese de Vitória, por meio do seu arcebispo, Dom Ângelo Ademir Mezzari, escreveu, a 5 de agosto, uma nota de esclarecimento sobre “o conteúdo integral da nota de repúdio”, feita pelo vicariato para a ação social, política e ecuménica, dizendo que “repudia, veementemente, as tentativas de manipulação e de deslegitimação da sua atuação pastoral e pronunciamentos, sempre que necessários estes sejam necessários à defesa da vida e preservando a sua integridade institucional”.

A Igreja não se afasta do seu Magistério e expressa, com fidelidade ao Evangelho, o seu compromisso de condução pastoral dos fiéis”, declarou a arquidiocese, reafirmando a “sua missão de defender a dignidade da pessoa humana e de promover uma cultura de paz com justiça social, sempre à luz da Doutrina Social da Igreja [DSI] e da fé cristã, reafirmando que cabe ao Magistério da Igreja a interpretação justa da Doutrina Social e as orientações de aplicação”.

“Nesse espírito, rogamos a intercessão de Nossa Senhora, modelo de acolhimento e sabedoria, para que nos ajude a manter firme o compromisso com a verdade, a justiça e a comunhão, mesmo diante de incompreensões e desejos de posicionamentos contrários à Doutrina Cristã”, concluiu.

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Transcrevem-se as duas notas: a do vigário episcopal; e a do arcebispo, que surgiu pelo facto de ter havido tentativa de manipulação e de deslegitimação nas redes sociais. A transcrição tenta a ortografia e a sintaxe do Português europeu.

Nota de repúdio: um ataque à educação e à diversidade

“Fala com sabedoria, ensina com amor” (Pr 31,32)  

 

“Em 2022, a Igreja no Brasil, pela terceira vez, lançou luzes sobre a educação, com o tema ‘Fraternidade e Educação’ e com o lema ‘Fala com sabedoria, ensina com amor’, inspirado em Provérbios 31,32. No Manifesto em Defesa da Educação com Fraternidade, publicado na Celebração de Abertura, a Arquidiocese de Vitória conclamou: ‘Queremos Educação para todos e todas, que contribua para fortalecer as relações igualitárias entre homens e mulheres, com reconhecimento, respeito pelas diferenças, melhoria da qualidade de vida e inclusão para todos/as (negros, indígenas, quilombolas, educação do campo, jovens e adultos, educação prisional, LGBTQI+ e a concretização do Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos.’

“Hoje, voltamos a manifestar-nos em defesa da Educação com Fraternidade, expressando o nosso veemente repúdio pela promulgação da Lei n.º 12.479/2025, pela Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo. Sob a falaciosa justificativa de assegurar o direito dos pais de alunos, ela representa um grave retrocesso que atenta contra os princípios fundamentais da educação, da diversidade e dos direitos humanos. Ao permitir que pais e responsáveis vetem a participação de crianças e adolescentes em ‘atividades pedagógicas de género’, a lei impõe um cerceamento inaceitável ao ambiente escolar e perpetua a ignorância e o preconceito.

“A definição vaga e abrangente de ‘atividades pedagógicas de género’ – que pode incluir temas como identidade de género, orientação sexual, diversidade sexual e igualdade de género – revela a verdadeira intenção da lei: silenciar o debate sobre a diversidade e impedir que as escolas cumpram o seu papel fundamental na formação de cidadãos conscientes, críticos e respeitosos.

“Num país onde a violência contra a população LGBTIA+ atinge níveis alarmantes, é inadmissível que o poder legislativo crie ferramentas para alimentar, ainda mais, o preconceito.

“Dados do Observatório de Mortes e Violências LGBTIA+ no Brasil revelam que, somente em 2023, foram registadas 184 mortes violentas de pessoas LGBTIA+ no país, pelo simples facto de a sua orientação sexual, refletindo a intolerância que permeia a nossa sociedade.

“É na escola que crianças e adolescentes deveriam aprender sobre respeito, empatia e a diversidade humana. Ao vetar o debate sobre género e sexualidade, esta lei não apenas priva os estudantes de um conhecimento essencial para a sua formação integral, mas também os deixa despreparados para lidar com a realidade de um mundo plural. Pior ainda, a lei reforça estereótipos prejudiciais e perpetua a discriminação, colocando em risco a saúde mental e física de jovens LGBTQIA+.

“A criação dessa lei é um golpe na autonomia pedagógica das instituições de ensino e uma afronta ao direito de todos à educação de qualidade, livre de censura e preconceito. É inconstitucional, como destacou a equipa jurídica da própria Assembleia Legislativa.

“É uma lei que, em vez de proteger, expõe crianças e adolescentes à ignorância e à perpetuação de violências, aumentando, ainda mais, a sua vulnerabilidade, num país onde a violência sexual contra criança e adolescente é crescente. A educação é a ferramenta que temos contra a intolerância, e não podemos permitir que ela seja silenciada por legislações retrógradas.

“Diante disso, conclamamos instituições públicas que se manifestem e ajam contra esse flagrante retrocesso, segundo as suas competências.

              (Ver: https://www.aves.org.br/wp-content/uploads/2025/07/Nota-de-Repudio-Ataque-a-diversidade-no-ES-1.pdf)

Nota de esclarecimento

– “A verdade vos libertará” (Jo 8,32)

“A Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo, canonicamente representada por seu arcebispo metropolitano, D. Ângelo Ademir Mezzari, no exercício do seu múnus pastoral, como legítimo representante desta Igreja Particular, em plena comunhão com o Magistério da Igreja, vem a público esclarecer o conteúdo integral da Nota de Repúdio: “Um Ataque à Educação e à Diversidade”, publicada no dia 23 de julho de 2025, pelo Vicariato para a Ação Social, Política e Ecuménica, devido às deturpações e às ilações que passaram a circular nas redes sociais.

“A Igreja não se afasta do seu Magistério e expressa, com fidelidade ao Evangelho, o seu compromisso de condução pastoral dos fiéis. A Arquidiocese de Vitória-ES reafirma a sua missão de defender a dignidade da pessoa humana e de promover uma cultura de paz com justiça social, sempre à luz da Doutrina Social da Igreja e da fé cristã, reafirmando que cabe ao Magistério da Igreja a interpretação justa da Doutrina Social e as orientações de aplicação.

“Por isso, a Arquidiocese de Vitória repudia, veementemente, as tentativas de manipulação e deslegitimação da sua atuação pastoral e pronunciamentos sempre que necessários estes sejam necessários à defesa da vida e preservando sua integridade institucional.

“Nesse espírito, rogamos a intercessão de Nossa Senhora, modelo de acolhimento e sabedoria, para que nos ajude a manter firme o compromisso com a verdade, a justiça e a comunhão, mesmo diante de incompreensões e desejos de posicionamentos contrários à Doutrina Cristã.”

                 (Ver: https://www.aves.org.br/nota-de-esclarecimento/)

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O posicionamento da arquidiocese não contraria a Doutrina católica, nem adere a ideologias contrárias a ela. Apenas pretende uma educação abrangente e esclarecida, rumo à tolerância e ao respeito. É de recordar o posicionamento do Papa Francisco de não julgar os outros. Aliás, mantendo a norma doutrinária de que o matrimónio é para pessoas de sexo diferente, sustentou que os Estados não têm o direito de descriminar os cidadãos, sugerindo que devem facultar o casamento aos diversos pares cidadãos, sem discriminação e com respeito pela orientação sexual de cada pessoa.  

2025.08.07 – Louro de Carvalho


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