segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Será verdade que o comércio transatlântico tem novo capítulo forte?

 

 

A 24 de agosto, o Expresso online publicou um artigo de opinião da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, intitulado “Um novo capítulo no comércio transatlântico: forte, ainda que não perfeito”, em que tece loas ao acordo entre a União Europeia (UE) e os Estados Unidos da América (EUA), sustentando que “marca o fim de um capítulo”, mas que “a História da prosperidade futura da Europa ainda está a ser escrita”.

Verificando que mais de 4,6 mil milhões de euros de bens e serviços atravessam, diariamente, o Atlântico entre a UE e os EUA, com um total de 1,68 biliões de euros de comércio anual, Ursula von der Leyen diz que os dois blocos “têm a relação económica mais importante do planeta”.

Respondendo às múltiplas críticas que têm surgido, a presidente da Comissão Europeia defende que o acordo resulta de “escolha deliberada”, traduzida na “estabilidade” e na “previsibilidade”, em vez de “escalada” e de “confronto”; e supõe que, se a UE e os EUA tivessem iniciado uma guerra comercial, “os únicos a celebrar teriam sido Moscovo e Pequim”.

Admite que do “acordo forte, ainda que não perfeito”, resultam direitos aduaneiros, que “são impostos aplicados aos consumidores e às empresas”, que “aumentam os custos, reduzem as possibilidades de escolha e tornam as economias menos competitivas”. Porém, esclarece que, retaliando com direitos aduaneiros, a UE arriscaria desencadear uma guerra comercial, com consequências negativas para os trabalhadores, para os consumidores e para as indústrias; e “os EUA continuariam a manter o seu regime pautal mais elevado e mais imprevisível”.

Ora, tendo o acordo definido a linha clara de 15%, para a grande maioria dos produtos da UE, foi proporcionada “clareza e estabilidade aos milhões de Europeus cuja subsistência depende do comércio com os EUA”. E a subscritora do artigo em referência releva que A UE é o único parceiro económico dos EUA que “tem este teto pautal global: 15%, sem aumentos adicionais”. Em sua opinião, “as mercadorias europeias entrarão no mercado dos EUA em condições mais favoráveis, conferindo às empresas da UE uma vantagem distintiva”.

Além disso, a UE, ao invés de outros parceiros, logrou “uma garantia exclusiva sobre o limite pautal, para os setores dos produtos farmacêuticos, dos semicondutores e da madeira”, bem como “um regime especial de direitos aduaneiros baixos, para produtos estratégicos, tais como a cortiça, as peças de aeronaves e os produtos farmacêuticos genéricos”. Por outro lado, há o compromisso de ambas as partes continuarem a trabalhar para “alargar esta lista”.

Ursula von der Leyen faz questão de garantir que a UE se manteve “firme nos seus princípios fundamentais” e que as regras europeias “permanecem inalteradas”, cabendo ao bloco europeu “decidir a melhor forma de proteger a segurança dos alimentos, salvaguardar a proteção digital dos cidadãos europeus e garantir a saúde e a segurança”. 

Apesar de a relação económica da UE com os EUA poder ser a mais importante, mas é, segundo a líder do executivo da UE, “apenas uma parte de um panorama muito mais vasto”, pois os EUA só representam o destino de “cerca de 20 % das exportações de mercadorias”. Por isso, diz a eurocrata, “a Europa continuará a reforçar e a diversificar os laços comerciais com os quatro cantos do Mundo, a fim de gerar exportações, emprego e crescimento para a UE”.

Assim, nos últimos meses, celebrou “acordos comerciais com o México e [com] o Mercosul” e aprofundou os laços com a Suíça e [com] o Reino Unido”; concluiu “as conversações com a Indonésia”; e pretende “celebrar um acordo com a Índia, até ao final do ano”.

Porfiou, em seguida, que “a Europa tem de reforçar a sua própria capacidade de agir num Mundo mais volátil”, o que requer um reforço “dentro de portas, completando o nosso mercado único”, pois, como afirmou Mario Draghi, “os elevados obstáculos internos e a fragmentação regulamentar são muito mais prejudiciais para o crescimento do que quaisquer direitos aduaneiros instituídos por um país terceiro”.

Por fim, sustenta que a UE sabe o que é necessário fazer – “desde a redução da burocracia à promoção dos serviços transfronteiriços” –, para desbloquear a competitividade europeia, e que a Comissão Europeia “está profundamente empenhada em alcançar este objetivo”. Nestes termos, como salienta Ursula von der Leyen, “a Europa mantém-se focada no longo prazo”, cabendo-lhe “completar o nosso mercado único, impulsionar a nossa competitividade e a sustentabilidade das indústrias de amanhã”, para ser “um pilar de estabilidade, num mundo cada vez mais incerto”, o que requer, para “uma Europa forte e independente”, “a ambição e a unidade para lhe dar forma”.

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Ora o acordo, apesar de ser “muito bom”, dando estabilidade e previsibilidade, põe os cabelos em pé a trabalhadores (e a candidatos a trabalhadores), ao patronato, às indústrias e aos consumidores.
As indústrias terão matérias-primas mais caras, o que faz aumentar os custos de produção e o escoamento dos produtos, enfraquecendo o elã da industrialização de que Europa carece. Os consumidores, como o nível de vida, em vez de diminuir ou de estabilizar, aumenta, terão de abrir mais as carteiras. Os patrões ver-se-ão obrigados a reduzir turnos, a não contratar mais trabalhadores, a diminuir a produção, a reduzir as horas extraordinárias e, eventualmente, a proceder a despedimentos. Os candidatos a emprego verão as vagas reduzidas e, por conseguinte, limitada a perspetiva de emprego. E os trabalhadores poderão sentir mais o peso da precariedade, o temor da extinção do posto de trabalho, a redução de horas extraordinárias, o não aumento de salários e as oportunidades de mudança de emprego.
Depois, o acordo deixou lacunas, como se vê pelo exemplo seguinte.

De acordo com o Expresso online, de 25 de agosto, por todo o Mundo, os serviços postais interrompem as entregas de encomendas de baixo custo para os EUA. Tal decisão surge antes do prazo fixado pela administração norte-americana para acabar com uma isenção fiscal que permitia às empresas internacionais evitar a aplicação de tarifas de importação de pequenos pacotes.

Em julho, Donald Trump anunciou que, a partir de 29 de agosto, os EUA expandiriam, para o resto do Mundo, a suspensão da isenção “de minimis” – termo técnico para este tipo de encomendas (avaliadas em menos de 800 dólares norte-americanos, ou seja, cerca de 690 euros) –, que já havia sido aplicada à China e a Hong Kong. E, a 15 de agosto, uma orientação emitida pela Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA avançou que, após o fim da isenção, os impostos sobre estas encomendas seriam baseados na tarifa do país de origem. De acordo com aquele organismo, o número de remessas que entraram nos EUA, com a isenção de “minimis”, aumentou em, pelo menos, 600% entre 2015 e 2023.

Segundo o Financial Times , “os serviços postais estatais e operadores privados, da Alemanha a Singapura, disseram que suspenderiam os serviços, porque as autoridades dos EUA ainda não forneceram informações suficientes sobre como os impostos seriam cobrados”.

Outros países, nomeadamente, europeus (incluindo Portugal), já avançaram que estão a acompanhar esta decisão de interromper o envio das encomendas, queixando-se, contudo, de falta dos necessários esclarecimentos.

A La Poste, serviço postal francês, refere que a orientação deixou “os serviços postais europeus com um prazo extremamente curto para se preparar, especialmente, porque esses procedimentos ainda exigem vários esclarecimentos”. E a DHL alemã, proprietária do Deutsche Post, suspendeu os serviços de envio, no dia 22, após os anúncios idênticos das operadoras da Áustria, da Bélgica, da Espanha, da Eslovénia e dos países escandinavos e bálticos.

Já a PostEurop, órgão representativo dos serviços postais em 51 países, afirmou, em comunicado, que “esta medida afetará, significativamente, todas as empresas postais do Mundo e os seus clientes que enviam remessas, por meio de redes postais para o Serviço Postal dos EUA”.

Também a Índia, Singapura e a Austrália suspenderam a maioria dos serviços postais para os EUA, a partir de 25 de agosto. E o Royal Mail do Reino Unido informou que interromperá as remessas para os EUA, no dia 26, para que qualquer pacote enviado possa chegar, antes do dia 29 de agosto.

Também em Portugal, os CTT anunciaram que estão suspensos os envios de encomendas postais com destino aos EUA. “Em virtude da descontinuação do regime de ‘minimis’ (isenção taxas alfandegárias para mercadorias importadas) pelos Estados Unidos da América, os CTT irão suspender, temporariamente, o transporte de remessas postais, contendo esses bens para os EUA em todos os produtos de correio, encomenda de serviço universal e encomenda expresso Internacional a partir do dia 26 de agosto”, pode ler-se no respetivo comunicado.

A empresa acrescenta que “os envios destinados aos EUA contendo, exclusivamente, documentos e as ofertas entre particulares de valor inferior a 100 dólares norte-americanos [cerca de 86 euros] não serão impactados por esta medida”. Porém, o envio de remessas contendo bens para os EUA será assegurado para os clientes que têm contratos com o segmento de envio expresso dos CTT, que permite envios até 30 quilos com recolha, suportando os destinatários as taxas.

O texto emitido pelos CTT aproveita para explicar que a alteração do regime de ‘minimis’, nos EUA, “resultou de uma ordem executiva do presidente Donald Trump, que entrará em vigor no dia 29 de agosto de 2025”, que determina a eliminação da isenção de tarifas, passando todas as remessas com destino aos EUA a pagar direitos alfandegários. “Esta alteração afeta, diretamente, os fluxos postais internacionais e obriga os expedidores a pagar os direitos aduaneiros antes do transporte para os EUA”, pode ler-se no texto, que acrescenta que “os detalhes dos novos requisitos ainda não estão totalmente esclarecidos pelas autoridades alfandegárias dos EUA”, os quais “exigirão adaptações operacionais por parte das empresas postais a nível mundial”.

A empresa garante que, “apesar do curto período entre o anúncio da ordem executiva e o início do novo regime, estão a ser envidados todos os esforços para implementar as alterações necessárias ao garante da prestação do serviço de envio postal de bens para os EUA em todas as modalidades de envio”. E sublinha que a suspensão, que irá durar “o tempo estritamente necessário para a implementação destas alterações”, abrange os envios postais contendo bens destinados aos EUA e também a Porto Rico, assim como os restantes territórios sob administração do governo liderado por Donald Trump.

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O acordo comercial entre a UE e os EUA, a par das implicações económicas e financeiras, poderá ter consequências perigosas para a segurança rodoviária na Europa – abrangendo condutores, peões e ciclistas –, como alerta uma organização não-governamental (ONG), na sequência da recém-publicada declaração conjunta de Bruxelas e de Washington.

No atinente aos automóveis, o texto refere o “reconhecimento mútuo” das normas de cada um. Contudo, o Conselho Europeu para a Segurança dos Transportes (ETSC) salienta que as normas de segurança são muito diferentes entre os automóveis europeus e norte-americanos. “Dispomos, agora, [na UE], de tecnologias, como a travagem automática de emergência, testes de proteção dos peões e sistemas de assistência à manutenção na faixa de rodagem”, explica Dudley Curtis, diretor de comunicação do ETSC, vincando que “estes são apenas três exemplos de tecnologias que são obrigatórias na Europa, mas que não são obrigatórias nos EUA”.

A travagem de emergência automatizada permite que o veículo trave automaticamente, em caso de emergência, se, por algum motivo, o condutor não conseguir parar o veículo; a norma de proteção dos peões procura limitar a extensão de um acidente, quando um peão é atingido por um automóvel e cai sobre o capô ou sobre o para-brisas; e o assistente de manutenção na faixa de rodagem deteta marcas rodoviárias, como linhas brancas sólidas ou descontínuas, e avisa o condutor, caso ultrapasse, involuntariamente, a linha, e até o faz regressar à sua faixa de rodagem.

Com o acordo, Washington exportará mais veículos de marcas norte-americanas para a Europa.

A outra preocupação da ONG é o efeito que este compromisso terá nos construtores europeus. Os diferentes construtores poderão ser tentados a denunciar uma situação de concorrência desleal e a criticar a regulamentação europeia. Por exemplo, os outros fabricantes, japoneses, chineses, coreanos e europeus, que produzem na Europa, dirão que não é justo (e criará concorrência desleal) os EUA cumprirem apenas a norma norte-americana e eles terem de cumprir a norma europeia. Assim, o risco é que haja enorme pressão para enfraquecer as normas europeias.

O ETSC salienta que não há perspetivas imediatas de mais SUV (Sport Utility Vehicle – carro que combina a robustez e a altura de veículo off-road com o conforto e o espaço de um automóvel de passeio) ou pick-ups americanas, nas estradas europeias. Há um processo político a seguir no seio da UE. No entanto, Dudley Curtis salienta que, “ao longo da última década ou mais, o número de mortes nas estradas dos Estados Unidos aumentou, enquanto na Europa diminuiu lentamente, mas continuou a diminuir”. Há uma série de fatores a ter em conta, neste fenómeno, como o tipo de estrada, o comportamento dos condutores e os problemas de condução, sob o efeito do álcool, mas as normas de segurança desempenham papel importante nos resultados europeus.

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Enfim, o acordo está longe de ser bom e, até, de evitar sonoro ruído comercial. A UE ajoelhou, ante a prosápia da nova administração da Casa Branca.  

2025.08.25 – Louro de Carvalho

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