O Partido Socialista (PS) não votou a favor da
moção de rejeição do Programa do Governo apresentado à Assembleia da República
(AR), na sequência das eleições legislativas de 18 de maio, em que a Aliança
Democrática (AD) obteve uma vitória reforçada.
Na linha dos princípios e dos compromissos eleitorais, o PS deveria, a meu ver, ter-se demarcado deste modo governativo, já que o Programa do Governo diverge, em muito, do programa eleitoral com que a AD se apresentou ao eleitorado, facto a que, em tempo, fiz referência, em consonância com o que foi referido em vários órgãos de comunicação social.
Na linha dos princípios e dos compromissos eleitorais, o PS deveria, a meu ver, ter-se demarcado deste modo governativo, já que o Programa do Governo diverge, em muito, do programa eleitoral com que a AD se apresentou ao eleitorado, facto a que, em tempo, fiz referência, em consonância com o que foi referido em vários órgãos de comunicação social.
Neste particular, merece toda a solidariedade o
texto de Carla Bernardino, publicado a 30 de julho, no Jornal de Notícias online (JN), sob o título “O que se está a passar com as
promessas eleitorais da AD para as mulheres?”, a denunciar que o governo “tem
tratado as bandeiras da natalidade, das famílias – e, consequentemente, das
mulheres – de forma, no mínimo, inesperada, face ao que prometeu na campanha”.
Recorda a colunista que, ao invés do que “estava
anunciado, há dois meses, entre bandeiras e promessas”, “o anteprojeto da lei
de reforma da legislação laboral causa forte polémica” por várias
razões, como, apresentar propostas que passam “por obrigar as recém-mães a
fazerem ainda mais prova de que estão a amamentar ou por retirar o luto
gestacional”, no atinente à proteção de “acompanhantes de grávidas que perderam
os seus bebés”.
No seu programa eleitoral, como sublinha Carla Bernardino, a AD
prometia “alargar e
reforçar o regime da segurança e saúde no trabalho, o regime da igualdade e o
regime da parentalidade e da conciliação trabalho/família”; dizia querer “mudar
a cultura de ‘penalização’ de progenitores pelos empregadores”; e garantia “equacionar
a criação de benefícios fiscais, no âmbito da revisão do respetivo regime, para
empresas que criassem programas de apoio à parentalidade, como creches no local
de trabalho para filhos de colaboradores, que contratassem grávidas, mães/pais
com filhos até aos três anos, horários flexíveis e outros benefícios que
facilitassem a vida familiar dos funcionários”.
No âmbito da flexibilização laboral, continua Carla
Bernardino, a AD propunha, entre arruadas e bandeiras, “horários, teletrabalho,
licenças parentais que permitissem que os pais ajustassem os horários para
melhor conciliarem as responsabilidades familiares e profissionais”, ou seja,
como se lia no documento, “maleabilidade, num mercado de trabalho onde os contratos
de trabalho permitam diferentes estilos de vida, prioridades, conciliação
trabalho-lazer e contínuo investimento pessoal”. Não obstante, o anteprojeto
para alterações ao Código do Trabalho (CT) determina que o trabalho flexível,
para pais com filhos com menos de 12 anos, terá em conta trabalho prestado
“habitualmente” aos fins de semana ou aos feriados, o que, segundo recorda a
colunista, “colide com a decisão do Supremo Tribunal de Justiça [STJ], há três
anos, de que o horário flexível ‘não exclui a inclusão do descanso semanal,
incluindo o sábado e o domingo’ no caso dos pais com filhos menores de 12 anos”.
E o anteprojeto não traz mais dias para os pais no gozo da licença inicial
(atualmente nos 28 dias), mas torna obrigatórios os 14 primeiros dias – e não
apenas os sete obrigatórios e sete facultativos – após o nascimento.
Segundo Carla Bernardino, o Programa do Governo, não
contém o termo “grávida”, mas anuncia que o executivo irá “promover a igualdade
de oportunidades e de tratamento entre mulheres e homens no trabalho e no emprego,
designadamente, através das seguintes medidas, como revisitar o regime das
licenças de parentalidade e demais medidas de apoio à parentalidade e à
conciliação entre a vida profissional e familiar, de modo equilibrado entre
mães e pais”. E faz-se o inverso.
Ainda sobre a gravidez, como sublinha a colunista, continuam
a nascer bebés fora das maternidades, ainda que esteja de pé a prometida
reorganização dos serviços de Ginecologia e Obstetrícia. Só neste ano, já
nasceram 42 bebés fora das maternidades, número que inclui partos realizados em
casa, em ambulâncias e até em viaturas particulares.
O programa eleitoral e o do governo não faziam
menção a eventuais mexidas na lei da violência obstétrica, que foi uma das
primeiras leis a ser tocada, mal o novo governo tomou posse. Os centristas
apresentaram um diploma para revogar a lei aprovada, três meses antes, e que
promovia os direitos no parto e, em especial, eliminava a referência à
violência obstétrica. Já os sociais-democratas acompanharam a ideia, mas por
via da necessidade de revisão do clausulado. A iniciativa acabou por prosseguir
no debate parlamentar, descendo à especialidade, mas no sentido de uma
melhoria, não de reversão.
A 11 de julho, foi aprovado o primeiro passo, rumo à
possibilidade de a violação passar a ser crime público, numa iniciativa legislativa
do Bloco de Esquerda (BE), do Livre e do partido Pessoas-Animais e Natureza
(PAN). O diploma obteve os votos favoráveis dos partidos com assento na AR,
excetuando-se os grupos parlamentares do Partido Comunista Português (PCP) e do
PS, que se abstiveram, embora alguns socialistas tenham votado a favor.
Olhando para as promessas da AD, Carla Bernardino
anota que “o abuso sexual era apenas referenciado no âmbito da criminalidade
juvenil e tendo em vista uma ‘maior especialização das forças de segurança
dedicadas ao programa, no âmbito da delinquência e da criminalidade juvenil e
grupal’.”
Entretanto, como enfatiza a colunista, “em dois
meses, foi avançada a prometida reforma da disciplina de Cidadania, causando
polémica e múltiplas reações de profissionais, [de] associações, [de] escolas e
[de] cidadãos, face à exclusão da sexualidade dos guiões da matéria, com
alertas para os perigos da remoção destes temas nas escolas”.
No programa eleitoral da coligação, como bem anota
Carla Bernardino, o termo “mulheres” aparecia quase um quinto de vezes menos,
face o termo “família”, pois os partidos da AD queriam por termo às “quatro chagas”
que atormentam a “célula base da sociedade”. E, sustentando que a natalidade e
o combate ao “inverno demográfico” se tornam imperativos, a AD diz-se “irredutível
na luta contra as quatro chagas concretas que têm impactado, muito
negativamente, a vida concreta das famílias portuguesas”: “a violência
doméstica, o aumento da toxicodependência, a multiplicação dos sem-abrigo e [a]
enorme dimensão da sinistralidade rodoviária”. Assim, a coligação pretende “continuar
a apostar na família como a célula-base da sociedade e em políticas de apoio à
família, de valorização da maternidade e da paternidade, enfrentando a grave
crise da natalidade e incentivando as famílias a crescer”. Porém, em concreto, quase
nada!
Enfim, com o anteprojeto de uma centena de
alterações ao CT, a titular da pasta do Trabalho não deixará pedra sobre pedra
no âmbito da Agenda do Trabalho Digno. Os patrões pedem maior flexibilidade nos
despedimentos, na utilização do banco de horas e no recurso à terceirização.
Além disso, patrões e governo têm dificuldade em lidar com o direito à
greve.
No quadro da Saúde, cerca de 65% dos cidadãos
dizem-se insatisfeitos, porque tudo está pior. Aliás, aumentou para 130 o
número de hospitais e clínicas privadas. O espetáculo das urgências fechadas
mantém-se e agravou-se. O Presidente da República (PR) submeteu a alteração à
Lei de Estrangeiros ao veredicto do Tribunal Constitucional (TC). As casas
aumentaram de preço. Na Educação, as escolas douram a pílula da falta de
professores com recurso a hora extraordinárias, mesmo para professores com
redução da componente letiva, por motivo de idade (que lhes eram proibidas), do
que resulta mais stresse e, por conseguinte, doença.
Porém, o chefe do governo diz que ouve o povo e que
está tudo melhor. Razão tem, pois, um leitor do JN, em carta ao diretor, intitulada “Ó Luís acerta o passo”, evocando
o caso dos pais que foram à cerimónia militar do juramento de bandeira do filho
e comentaram o desfile, mais tarde, dizendo com orgulho: “O nosso filho era o
único que levava o passo certo!”
***
No entanto, após a ameaça do PS de votar contra o Orçamento do Estado para 2026 (OE2026), devido à opção
do governo de se aproximar do partido Chega em matérias polémicas, como a imigração,
a autorização de residência, o reagrupamento familiar e a nacionalidade, e da
Iniciativa Liberal (IL) e do patronato, nas questões laborais, a disponibilidade
do primeiro-ministro (PM) e do novo secretário-geral do PS veio ao de cima numa
longa reunião (de duas horas), a 30 de julho, no gabinete do chefe do governo,
a pedido de José Luís Carneiro.
O OE2026 não foi abordado no encontro que o líder do PS classificou de “construtivo”, insistindo na ideia de que o Partido Social Democrata (PSD) deve preferir a negociação com o PS. Com efeito, fez questão de vincar que foi transmitido ao PM que, “se quer o diálogo com o PS, é com o PS que deve dialogar”.
O OE2026 não foi abordado no encontro que o líder do PS classificou de “construtivo”, insistindo na ideia de que o Partido Social Democrata (PSD) deve preferir a negociação com o PS. Com efeito, fez questão de vincar que foi transmitido ao PM que, “se quer o diálogo com o PS, é com o PS que deve dialogar”.
De acordo com um texto dos jornalistas João Pedro Henriques e Paula Caeiro
Varela, publicado a 31 de julho, sob o título “Montenegro abre pontes no ‘bloco central’, mas sem exclusividade para
o PS”, José Luís Carneiro terá insistido para que Luís Montenegro para
trate o PS com “respeito institucional”, no seguimento dos “valores fundadores
deste país”, sobretudo, na democracia instaurada há 50 anos e da necessidade de
“um diálogo construtivo que coloque as coisas no seu devido lugar”. Na
resposta, o PM terá assegurado esse respeito, mas sem prometer exclusividade,
preferindo conversar, caso a caso, com o Chega ou com o PS.
Segundo os referidos jornalistas, os temas da reunião, do diálogo
“preferencial”, foram sete: a Defesa, a Lei da Nacionalidade, a emergência
hospitalar, as tarifas, a habitação, a legislação laboral e o reconhecimento do
Estado da Palestina. Luís Montenegro ter-se-á mostrado sintonizado com a ideia
de lançar apoios estatais aos setores da economia mais atingidos pela guerra
tarifária dos Estados Unidos da América (EUA) à União Europeia (UE) e José Luís
Carneio ter-lhe-á recordado soluções do tempo do ‘Brexit’. E, obviamente, o
chefe do governo prometeu ouvir os partidos e o PR sobre a questão da Palestina.
Já quanto às propostas de alteração às leis do trabalho da lei da greve (duas
das linhas vermelhas do PS), como referem os dois jornalistas, Luís Montenegro,
relevou que estão em aberto, dependentes da Concertação Social.
Quanto ao mais, o governo tenta desdramatizar as polémicas abertas, por
exemplo, no atinente às mudanças sobre as licenças de luto gestacional ou de
amamentação, pois, como se trata da fase de anteprojeto, “o que não tiver
racional ainda pode ser alterado”. Contudo, o PS discorda do executivo noutros
temas, como as alterações à duração dos contratos a termo e às regras de
contratação outsourcing, após
despedimentos (o que pode vir a ser declarado inconstitucional), bem como a
reversão de artigos da Agenda para o Trabalho Digno. Para já, como apontam os
jornalistas, o Chega disse pouco, só referindo que é contra as mudanças no luto
gestacional.
A crise na habitação também foi tema, tendo José Luis Carneiro revelado ao PM
as linhas gerais do documento que o PS divulgará dentro de dias. Da parte do governo,
a estratégia mantém-se: não será o PM, nem os partidos que suportam o executivo
a minar, claramente, as pontes com o PS. A ideia é como tem sido: distribuir o
jogo conforme as “proximidades” dos partidos às propostas do executivo. Assim,
o PM assumiu, ante José Luís Carneiro, que o grupo que estuda a reforma do Instituto
Nacional de Emergência Médica (INEM) analisará a proposta do PS sobre a
coordenação nas emergências hospitalares.
Também, como referem Pedro Henriques e Caeiro Varela, foi “manifestada
abertura para manter o diálogo com o PS em questões, como a Defesa e a nova Lei
da Nacionalidade. Esta terá votação na AR, em setembro, voltando então q Luís
Montenegro e José Luís Carneiro a conversar. Na agenda, estará também a eleição,
pelos deputados, dos “órgãos externos” à AR.
O caso mais premente, de acordo com os dois jornalistas, é o do provedor de
Justiça (que vagou com a assunção da pasta da Administração Interna por Maria
Lúcia Amaral). A eleição carece de maioria de dois terços dos deputados,
maioria que o PSD e o PS juntos deixaram de ter nas últimas eleições, mas que
também não existe só com AD e Chega. Na visão do PS, cabe-lhe escolher a
personalidade para substituir Maria Lúcia Amaral, seguindo da antiga lógica no
‘bloco central’, segundo a qual, se o presidente do Conselho Económico e Social
é do PSD, o provedor é do PS. A eleição chegou a estar marcada para 16 de
julho, mas foi adiada, sem data marcada, porque “nenhum partido apresentou
candidato” e porque “o antigo ‘bloco central’ tinha a mesma vontade de tratar
os vários cargos num pacote global. No mesmo dia, reuniu a conferência de
líderes parlamentares e José Pedro Aguiar-Branco, presidente da AR pressionou,
dizendo que “seria desejável realizar essas eleições em setembro”.
Na impossibilidade de constituição de maioria constitucional
(de dois terços) entre a AD e
o PS, André Ventura já disse que o seu partido “não pode ser ostracizado no
processo”. A exigência específica do líder do Chega foi quanto aos juízes do
TC, cuja eleição na AR exige a maioria de dois terços. Três juízes já ultrapassaram
o mandato (Teles Pereira, Joana Costa e Gonçalo Almeida Ribeiro, que é
vice-presidente). José João Abrantes, presidente, está prestes a entrar na
mesma situação e Mariana Canotilho candidatou-se ao Tribunal de Contas (TdC).
O líder do Chega releva a importância da representação dos “valores da
maioria representativa” no TC e “não apenas o enviesamento da presença da
esquerda nestas instituições que sempre tivemos”. Por “valores da maioria
representativa” André Ventura entende a “defesa da vida”, a “luta contra a
corrupção” e a “luta contra a imigração”.
Na ótica do PS, é possível contornar a exigência do Chega, convocando o
Livre para a maioria de dois terços. De facto, feitas as contas, os seus seis
deputados, somados aos da AD (91) e do PS (58), atingem 155, quando são
precisos 154. No final de maio, Rui Tavares, declarou ao Expresso, como lembram os dois jornalistas, que “o Livre dará o seu
contributo para uma maioria de dois terços que não esteja ancorada na extrema-direita”,
incluindo a disponibilidade para integrar uma maioria de revisão constitucional,
atirando: “Não adianta só pôr Sá Carneiro nos discursos. A AD tem de escolher
se quer estar do lado de um partido construtor do regime ou se quer entrar
neste jogo em que a IL e o Chega pretendem reescrever a Constituição.”
Em contraponto, André Ventura, insiste: “Não esperem que o Chega esteja ali
só para votar (as propostas do Governo). […] Têm de acordar com o maior partido
da oposição os cargos que são eleitos segundo as maiorias parlamentares.”
O governo insiste em conversar com todos. Se há maior proximidade com o
Chega na imigração, “o mesmo pode acontecer de hoje para amanhã noutras
matérias com o PS”, diz o PM.
***
Na tradicional lógica socialdemocrata, no quadro do socialismo democrático
e no espírito da genuína democracia cristã, as maiorias constitucionais deverão
construir-se, sempre que possível (e, atualmente, é possível), no espectro do
bloco central político. E quem se afastar deste pressuposto, aliás, presente nas
sete revisões da Constituição e na maior parte das leis de valor reforçado, é responsável
pela desnecessária deriva do país para a direita radical.
2025.08.01 – Louro de Carvalho
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