segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

O Papa visitou em Roma a paróquia anglicana de Todos os Santos

Às 16 horas do dia 26 de fevereiro, o Papa visitou a paróquia anglicana de Todos os Santos, na Via del Babuino, entre a Praça de Espanha e a Praça do Povo, no centro de Roma.  Francisco foi o primeiro Sumo Pontífice a entrar no templo daquela comunidade, construído há 200 anos. 
Esta paróquia, pertencente à diocese do Arquidiaconato da Itália e Malta, representa a maior comunidade anglicana na Itália.
São João Paulo II e Bento XVI haviam visitado, respetivamente, a Catedral de Cantuária e a Abadia de Wesminster. Agora, a visita de Francisco realiza-se no contexto das celebrações do bicentenário do templo e marca uma nova etapa significativa nos 50 anos do início do diálogo ecuménico entre católicos e anglicanos. Não obstante, o evento não se circunscreve a uma mera formalidade, mas constitui um momento de fraternidade na oração, escuta e diálogo recíproco.
Há quatro meses (em outubro de 2016), o Papa havia-se encontrado com o Primaz da Comunhão Anglicana, Justin Welby, os quais celebraram em conjunto a hora litúrgica de Vésperas na Igreja dos Santos André e Gregório, ocasião em que foi firmada uma declaração conjunta que exprime o desejo comum de superar os obstáculos doutrinais que ainda subsistem e prosseguir num ecumenismo concreto nas temáticas compartilhadas. Portanto, continua viva a intenção da predita Declaração Conjunta: a vontade de ir além dos obstáculos na direção da plena unidade e do desejo de um caminho ecuménico, que não seja apenas teológico, mas nas ações concretas sobre questões comuns, tais como o cuidado da criação, a caridade e a paz.
O Papa foi recebido pelo Bispo Robert Innace, responsável pela Igreja anglicana na Europa, pelo Arcebispo David Moxon, Diretor do Centro anglicano de Roma, pelo capelão Reverendo Jonathan Boardman, e pela sua assistente, a Reverenda Dana English.
O encontro iniciou-se com a bênção de um ícone de Cristo Salvador, feito especialmente para a ocasião pelo artista Ian Knowles, Diretor do Centro “Ícone Belém”. Entre outros gestos, procedeu-se à troca do desejo de paz e à recitação do “Pai Nosso”. Alguns membros da comunidade anglicana fizeram perguntas ao Papa.
Em termos do caminho ecuménico, há que salientar que entre as duas comunidades existe uma relação nascida há 50 anos, amadurecida no tempo e traduzida pelas excelentes relações atuais, confirmadas pela colaboração, iniciada em 2002, entre All Saint e a Paróquia de Todos os Santos da Via Apia Nova, cujo titular é o Cardeal Walter Kasper, ex-Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Foi ele que, há 15 anos, iniciou a cooperação, formalizada agora com a assinatura de uma parceria. E, sobre esta caminhada ecuménica, o Padre Francesco Mazzitelli, Reitor da Igreja de Todos os Santos, esclareceu:
“Luigi Orione, o nosso santo fundador transmitiu-nos o ecumenismo da caridade. Partindo disto, nasceu a parceria que nestes 15 anos nos viu colaborar em diversas iniciativas. All Saint contribuiu para a concretização, na nossa Paróquia, da casa de acolhimento “Dom Orione”, que acolhe 20 mulheres sem moradia fixa. Na sexta-feira, 17 de fevereiro, juntamente com o Padre Johnatan, o Bispo Giuseppe Marciante, 15 voluntários anglicanos e 15 católicos, fomos à Estação Ostiense para distribuir refeições para os sem teto.”.
Por seu turno, o Padre Johnatan, encarregado diocesano do Departamento para o Ecumenismo, o Diálogo inter-religioso e os novos cultos, para quem a visita papal adquire grande importância neste momento histórico, acrescentou:
“Esta parceria impele-nos a prosseguir por este caminho e prometo que a partir de agora nós estaremos presentes todas as sextas-feiras na Estação Ostiense”.
E justificou:
“Vivemos um tempo de fortes contraposições e medo. Este encontro traz consigo uma mensagem de esperança. O Papa Francisco, diversas vezes manifestou a sua vontade em interagir com a comunidade anglicana pelo bem comum dos povos. A parceria entre as duas Igrejas é um sinal eloquente para uma cidade como Roma, que acolhe em seu seio diversas Confissões.”.
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Na ocasião o Santo Padre proferiu um discurso de que se respigam os aspetos essenciais.
Depois de agradecer o convite para a celebração conjunta deste bicentenário paroquial, considerou que “transcorreram mais de duzentos anos” desde a realização do “primeiro serviço litúrgico público anglicano em Roma, para um grupo de residentes ingleses”, sublinhando que “muita coisa mudou desde então, em Roma e no mundo”. E, se antes anglicanos e católicos se olhavam “com suspeita e hostilidade”, agora reconhecemo-nos “como verdadeiramente somos: irmãos e irmãs em Cristo, mediante o nosso batismo comum”. E “como amigos e peregrinos desejamos caminhar juntos, seguir juntos o nosso Senhor Jesus Cristo”.
Evocando o novo ícone de Cristo Salvador, acabado de abençoar, reconheceu que Jesus “nos olha”, e o seu olhar “é um olhar de salvação, de amor e de compaixão” – “o mesmo olhar misericordioso que atravessou o coração dos Apóstolos, que iniciaram um novo caminho de vida nova para seguir e anunciar o Mestre”. E vê na imagem uma interpelação de Jesus a todos e a cada um de nós:
“Estás pronto a deixar alguma coisa do teu passado por mim? Queres ser mensageiro de meu coração, de minha misericórdia?”.
Com efeito, estribado nas palavras de Paulo, “Este é o nosso ministério, nós o temos pela misericórdia de Deus; por isto, não perdemos a coragem” (2Cor 4,1), Francisco assegura que “a misericórdia divina é a fonte de todo o ministério cristão”. Porém, frisando que o Apóstolo nem sempre teve relação fácil com a comunidade Coríntia, sustenta que as divergências do passado foram superadas e Paulo, vivendo o ministério segundo a misericórdia recebida, não se resignou ante as divisões, mas apostou na reconciliação. Assim, nós, “comunidade de cristãos batizados”, se “nos encontramos perante desacordos e nos colocamos diante do rosto misericordioso de Cristo para superá-los”, seguimos o exemplo da atuação paulina numa das primeiras comunidades cristãs. E Francisco explica a dinâmica da mudança em São Paulo:
“Como se compromete Paulo nesta missão, donde começa?  Da humildade, que não é apenas uma bela virtude, é uma questão de identidade: Paulo compreende-se como um servidor, que não se anuncia a si mesmo, mas a Cristo Jesus Senhor. E cumpre este serviço, este ministério, segundo a misericórdia que lhe foi dada, não com base na sua bravura e contando com as suas forças, mas na confiança com que Deus o olha e apoia, com misericórdia a sua fraqueza. Tornar-se humilde é sair do centro, reconhecer-se necessitado de Deus, mendigo de misericórdia: é o ponto de partida para que seja Deus a operar.”.
Citando um Presidente do Conselho Ecuménico das Igrejas que descreve a evangelização cristã como “um mendigo que diz a outro mendigo onde encontrar o pão”, o Papa crê que Paulo teria aprovado tal conceito de evangelização, pois o Apóstolo sentia-se “com fome de misericórdia” e tinha como prioridade “compartilhar com os outros o seu pão: a alegria de ser amados pelo Senhor e de amá-lo”.
Mas, sendo este o nosso tesouro, Paulo diz que o temos “em vasos de barro”. E Francisco recorda que os Coríntios percebiam a tolice que era guardar algo de precioso em vasos de barro – baratos, mas facilmente quebráveis. No entanto, Paulo sentia-se pecador, mas agraciado, pelo que “humildemente reconhece ser frágil como um vaso de barro” e tem consciência de que “precisamente ali, onde a miséria humana se abre à ação misericordiosa de Deus, o Senhor opera maravilhas”, operando assim o “extraordinário poder de Deus”. E é confiante neste humilde poder apostólico, revestido da força de Deus, que Paulo serve o Evangelho.
Ao invés de adversários seus em Corinto, que apelidou ironicamente de “superapóstolos”, Paulo “ensina que, somente reconhecendo-nos frágeis vasos de barro, pecadores sempre necessitados de misericórdia, o tesouro de Deus se derrama em nós e sobre os outros mediante nós”.
Lembra o Papa que, num determinado momento, talvez o mais difícil com a comunidade de Corinto, Paulo chegou a cancelar “uma visita que havia programado, renunciando também às ofertas que teria recebido”. Todavia a tensões na comunhão “não tiveram a última palavra”, pois “a relação voltou ao normal e o Apóstolo aceitou a oferta para o sustento da Igreja de Jerusalém”, passando os cristãos de Corinto a voltar a trabalhar “junto às outras comunidades visitadas por Paulo, para apoiar quem era necessitado”. E daqui Francisco tira ilações para o presente e para a relação ecuménica:
“Este é um sinal forte de comunhão restabelecida. Também a obra que a vossa comunidade desenvolve junto a outras de língua inglesa aqui em Roma pode ser vista desta forma. Uma comunhão verdadeira e sólida cresce e robustece-se quando se age juntos por quem tem necessidade. Por meio do testemunho concorde da caridade, a face misericordiosa de Jesus torna-se visível na nossa cidade.”.
Mas não esquece a vertente da gratidão:
“Católicos e anglicanos, somos humildemente agradecidos porque, depois de séculos de recíproca desconfiança, somos agora capazes de reconhecer que a fecunda graça de Cristo está em ação também nos outros. Agradecemos ao Senhor porque entre os cristãos cresceu o desejo de uma maior proximidade, que se manifesta no rezar juntos e no comum testemunho ao Evangelho, sobretudo por meio das várias formas de serviço.”.
No entanto, adverte para as dificuldades, para o encorajamento e para a responsabilidade:
“Às vezes, o progresso no caminho rumo à plena comunhão pode parecer lento e incerto, mas hoje podemos tirar um encorajamento deste nosso encontro. Pela primeira vez um Bispo de Roma visita a vossa comunidade. É uma graça e também uma responsabilidade: a responsabilidade de fortalecer as nossas relações em louvor a Cristo, ao serviço do Evangelho e desta cidade.”.
E, num contexto de mútuo encorajamento a tornarmo-nos todos “discípulos sempre mais fiéis a Jesus, sempre mais livres dos respetivos preconceitos do passado e sempre mais desejosos de rezar por e com os outros”, o Papa formula um voto orante:
Que os Santos de cada Confissão cristã, plenamente unidos na Jerusalém celeste, nos abram o caminho para percorrer aqui todas as possíveis vias de um caminho cristão fraterno e comum. Onde nos reunimos em nome de Jesus, ali Ele está presente e, dirigindo o seu olhar de misericórdia, chama a trabalharmos pela unidade e pelo amor. Que o rosto de Deus resplandeça sobre nós, sobre as vossas famílias e sobre toda a comunidade!”.
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Nesta ocasião, o Papa anunciou que está a estudar uma viagem ao martirizado Sudão do Sul. E, falando do modo como melhorar as relações à luz de quanto de bom fazem as Igrejas no Sul do mundo, o Papa sublinhou que “as Igrejas jovens têm uma vitalidade diferente, porque são jovens”. E, neste contexto, disse que a razão por que estava a estudar com os colaboradores a possibilidade de uma viagem ao Sudão do Sul é “porque vieram os bispos, o anglicano, o presbiteriano e o católico, os três juntos” a dizer-lhe: “por favor, venha ao Sudão do Sul, apenas um dia, mas não venha sozinho, venha com Justin Welby, o Arcebispo de Cantuária”. E insistiu:
“Deles, Igreja jovem, veio essa criatividade. E estamos pensando se isso pode ser feito, apesar de a situação estar muito ruim lá... Mas devemos fazê-lo, porque eles [os bispos, o anglicano, o presbiteriano e o católico], os três juntos, eles querem a paz e eles trabalham juntos pela paz.”.
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Oxalá, Deus queira que essa viagem conjunta se realize pelo bem da paz. Será o ecumenismo no seu melhor. Ao mundo fará bem este testemunho de cooperação dialogante, mesmo que a unidade, embora sincera e atuante, ainda seja um dado problemático. E os povos que sofrem estão cansados de esperar, não podem esperar mais!

2017.02.27 – Louro de Carvalho

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