Às 16 horas do dia 26 de fevereiro, o Papa visitou a paróquia
anglicana de Todos os Santos, na Via del Babuino, entre a Praça de Espanha e a
Praça do Povo, no centro de Roma. Francisco foi o primeiro Sumo Pontífice
a entrar no templo daquela comunidade, construído há 200 anos.
Esta paróquia, pertencente à diocese do Arquidiaconato da
Itália e Malta, representa a maior comunidade anglicana na Itália.
São João Paulo II e Bento XVI haviam visitado, respetivamente,
a Catedral de Cantuária e a Abadia de Wesminster. Agora, a visita de Francisco
realiza-se no contexto das celebrações do bicentenário do templo e marca uma
nova etapa significativa nos 50 anos do início do diálogo ecuménico entre
católicos e anglicanos. Não obstante, o evento não se circunscreve a uma mera
formalidade, mas constitui um momento de fraternidade na oração, escuta e
diálogo recíproco.
Há quatro meses (em
outubro de 2016), o
Papa havia-se encontrado com o Primaz da Comunhão Anglicana, Justin Welby, os
quais celebraram em conjunto a hora litúrgica de Vésperas na Igreja dos Santos
André e Gregório, ocasião em que foi firmada uma declaração conjunta que
exprime o desejo comum de superar os obstáculos doutrinais que ainda subsistem
e prosseguir num ecumenismo concreto nas temáticas compartilhadas. Portanto, continua viva a intenção da predita Declaração
Conjunta: a vontade de ir além dos obstáculos na direção da plena unidade e do
desejo de um caminho ecuménico, que não seja apenas teológico, mas nas ações
concretas sobre questões comuns, tais como o cuidado da criação, a caridade e a
paz.
O Papa foi recebido pelo Bispo Robert Innace, responsável
pela Igreja anglicana na Europa, pelo Arcebispo David Moxon, Diretor do Centro
anglicano de Roma, pelo capelão Reverendo Jonathan Boardman, e pela sua
assistente, a Reverenda Dana English.
O encontro iniciou-se com a bênção de um ícone de Cristo
Salvador, feito especialmente para a ocasião pelo artista Ian Knowles, Diretor
do Centro “Ícone Belém”. Entre outros
gestos, procedeu-se à troca do desejo de paz e à recitação do “Pai Nosso”.
Alguns membros da comunidade anglicana fizeram perguntas ao Papa.
Em termos do caminho
ecuménico, há que salientar que entre as duas comunidades existe uma relação nascida há 50
anos, amadurecida no tempo e traduzida pelas excelentes relações atuais,
confirmadas pela colaboração, iniciada em 2002, entre All Saint e a Paróquia de Todos os Santos da Via Apia Nova, cujo
titular é o Cardeal Walter Kasper, ex-Presidente do Pontifício Conselho para a
Promoção da Unidade dos Cristãos. Foi ele que, há 15 anos, iniciou a
cooperação, formalizada agora com a assinatura de uma parceria. E, sobre esta
caminhada ecuménica, o Padre Francesco Mazzitelli, Reitor da Igreja de Todos os
Santos, esclareceu:
“Luigi
Orione, o nosso santo fundador transmitiu-nos o ecumenismo da caridade.
Partindo disto, nasceu a parceria que nestes 15 anos nos viu colaborar em
diversas iniciativas. All Saint contribuiu para a concretização, na nossa
Paróquia, da casa de acolhimento “Dom Orione”, que acolhe 20 mulheres sem
moradia fixa. Na sexta-feira, 17 de fevereiro, juntamente com o Padre Johnatan,
o Bispo Giuseppe Marciante, 15 voluntários anglicanos e 15 católicos, fomos à
Estação Ostiense para distribuir refeições para os sem teto.”.
Por seu turno, o Padre Johnatan, encarregado diocesano do
Departamento para o Ecumenismo, o Diálogo inter-religioso e os novos cultos,
para quem a visita papal adquire grande importância neste momento histórico,
acrescentou:
“Esta
parceria impele-nos a prosseguir por este caminho e prometo que a partir de
agora nós estaremos presentes todas as sextas-feiras na Estação Ostiense”.
E justificou:
“Vivemos
um tempo de fortes contraposições e medo. Este encontro traz consigo uma
mensagem de esperança. O Papa Francisco, diversas vezes manifestou a sua
vontade em interagir com a comunidade anglicana pelo bem comum dos povos. A parceria
entre as duas Igrejas é um sinal eloquente para uma cidade como Roma, que
acolhe em seu seio diversas Confissões.”.
***
Na ocasião o Santo Padre proferiu um discurso de que se respigam
os aspetos essenciais.
Depois de agradecer o convite para a celebração conjunta deste
bicentenário paroquial, considerou que “transcorreram mais de duzentos anos”
desde a realização do “primeiro serviço litúrgico público anglicano em Roma,
para um grupo de residentes ingleses”, sublinhando que “muita coisa mudou desde
então, em Roma e no mundo”. E, se antes anglicanos e católicos se olhavam “com
suspeita e hostilidade”, agora reconhecemo-nos “como verdadeiramente somos:
irmãos e irmãs em Cristo, mediante o nosso batismo comum”. E “como amigos e
peregrinos desejamos caminhar juntos, seguir juntos o nosso Senhor Jesus Cristo”.
Evocando o novo ícone de Cristo Salvador, acabado de
abençoar, reconheceu que Jesus “nos olha”, e o seu olhar “é um olhar de
salvação, de amor e de compaixão” – “o mesmo olhar misericordioso que
atravessou o coração dos Apóstolos, que iniciaram um novo caminho de vida nova
para seguir e anunciar o Mestre”. E vê na imagem uma interpelação de Jesus a
todos e a cada um de nós:
“Estás
pronto a deixar alguma coisa do teu passado por mim? Queres ser mensageiro de
meu coração, de minha misericórdia?”.
Com efeito, estribado nas palavras de Paulo, “Este é o nosso ministério, nós o temos pela
misericórdia de Deus; por isto, não perdemos a coragem” (2Cor 4,1), Francisco assegura que “a misericórdia divina é a
fonte de todo o ministério cristão”. Porém, frisando que o Apóstolo nem sempre
teve relação fácil com a comunidade Coríntia, sustenta que as divergências do
passado foram superadas e Paulo, vivendo o ministério segundo a misericórdia
recebida, não se resignou ante as divisões, mas apostou na reconciliação. Assim, nós, “comunidade de cristãos
batizados”, se “nos encontramos perante desacordos e nos colocamos diante do
rosto misericordioso de Cristo para superá-los”, seguimos o exemplo da atuação
paulina numa das primeiras comunidades cristãs. E Francisco
explica a dinâmica da mudança em São Paulo:
“Como
se compromete Paulo nesta missão, donde começa? Da humildade, que não é apenas uma bela virtude, é uma questão de
identidade: Paulo compreende-se como um servidor, que não se anuncia a si
mesmo, mas a Cristo Jesus Senhor. E cumpre este serviço, este
ministério, segundo a misericórdia que lhe foi dada, não com base na sua
bravura e contando com as suas forças, mas na confiança com que Deus o olha e
apoia, com misericórdia a sua fraqueza. Tornar-se humilde é
sair do centro, reconhecer-se necessitado de Deus, mendigo de misericórdia: é o
ponto de partida para que seja Deus a operar.”.
Citando um Presidente do Conselho Ecuménico das Igrejas que descreve
a evangelização cristã como “um mendigo que diz a outro mendigo onde encontrar
o pão”, o Papa crê que Paulo teria aprovado tal conceito de evangelização, pois
o Apóstolo sentia-se “com fome de misericórdia” e tinha como prioridade “compartilhar
com os outros o seu pão: a alegria de ser amados pelo Senhor e de amá-lo”.
Mas, sendo este o nosso tesouro, Paulo diz que o temos “em
vasos de barro”. E Francisco
recorda que os Coríntios percebiam a tolice que era guardar algo de precioso em
vasos de barro – baratos, mas facilmente quebráveis. No entanto, Paulo
sentia-se pecador, mas agraciado, pelo que “humildemente reconhece ser frágil
como um vaso de barro” e tem consciência de que “precisamente ali, onde a
miséria humana se abre à ação misericordiosa de Deus, o Senhor opera maravilhas”,
operando assim o “extraordinário poder de Deus”. E é confiante
neste humilde poder apostólico, revestido da força de Deus, que Paulo serve o
Evangelho.
Ao invés de adversários seus em Corinto, que apelidou ironicamente
de “superapóstolos”, Paulo “ensina que, somente
reconhecendo-nos frágeis vasos de barro, pecadores sempre necessitados de
misericórdia, o tesouro de Deus se derrama em nós e sobre os outros mediante
nós”.
Lembra o Papa que, num determinado momento, talvez o mais
difícil com a comunidade de Corinto, Paulo chegou a cancelar “uma visita que
havia programado, renunciando também às ofertas que teria recebido”. Todavia a
tensões na comunhão “não tiveram a última palavra”, pois “a relação voltou ao
normal e o Apóstolo aceitou a oferta para o sustento da Igreja de Jerusalém”,
passando os cristãos de Corinto a voltar a trabalhar “junto às outras
comunidades visitadas por Paulo, para apoiar quem era necessitado”. E daqui
Francisco tira ilações para o presente e para a relação ecuménica:
“Este é
um sinal forte de comunhão restabelecida. Também a obra que a vossa comunidade
desenvolve junto a outras de língua inglesa aqui em Roma pode ser vista desta
forma. Uma comunhão verdadeira
e sólida cresce e robustece-se quando se age juntos por quem tem necessidade.
Por meio do testemunho concorde da caridade, a face misericordiosa de Jesus
torna-se visível na nossa cidade.”.
Mas não esquece a vertente da gratidão:
“Católicos
e anglicanos, somos humildemente agradecidos porque, depois de séculos de
recíproca desconfiança, somos agora capazes de reconhecer que a fecunda graça
de Cristo está em ação também nos outros. Agradecemos ao Senhor
porque entre os cristãos cresceu o desejo de uma maior proximidade, que se
manifesta no rezar juntos e no comum testemunho ao Evangelho, sobretudo por
meio das várias formas de serviço.”.
No entanto, adverte
para as dificuldades, para o encorajamento e para a responsabilidade:
“Às vezes, o progresso no caminho
rumo à plena comunhão pode parecer lento e incerto, mas hoje podemos tirar um
encorajamento deste nosso encontro. Pela primeira vez um Bispo de Roma visita a
vossa comunidade. É uma graça e também uma responsabilidade: a responsabilidade
de fortalecer as nossas relações em louvor a Cristo, ao serviço do Evangelho e
desta cidade.”.
E, num contexto de mútuo encorajamento a tornarmo-nos todos “discípulos
sempre mais fiéis a Jesus, sempre mais livres dos respetivos preconceitos do
passado e sempre mais desejosos de rezar por e com os outros”, o Papa formula
um voto orante:
“Que os Santos de cada
Confissão cristã, plenamente unidos na Jerusalém celeste, nos abram o caminho
para percorrer aqui todas as possíveis vias de um caminho cristão fraterno e
comum. Onde nos reunimos em nome de Jesus, ali Ele está
presente e, dirigindo o seu olhar de misericórdia, chama a trabalharmos pela unidade e pelo amor. Que o rosto de Deus resplandeça sobre
nós, sobre as vossas famílias e sobre toda a comunidade!”.
***
Nesta ocasião, o Papa anunciou que está a estudar uma
viagem ao martirizado Sudão do Sul. E, falando do modo como melhorar as
relações à luz de quanto de bom fazem as Igrejas no Sul do mundo, o Papa
sublinhou que “as Igrejas jovens têm uma vitalidade diferente, porque são
jovens”. E, neste contexto, disse que a razão por que estava a estudar com os
colaboradores a possibilidade de uma viagem ao Sudão do Sul é “porque vieram os
bispos, o anglicano, o presbiteriano e o católico, os três juntos” a dizer-lhe:
“por favor, venha ao Sudão do Sul, apenas
um dia, mas não venha sozinho, venha com Justin Welby, o Arcebispo de Cantuária”.
E insistiu:
“Deles, Igreja jovem, veio essa
criatividade. E estamos pensando se isso pode ser feito, apesar de a situação
estar muito ruim lá... Mas devemos fazê-lo, porque eles [os bispos, o
anglicano, o presbiteriano e o católico], os três juntos, eles querem a paz e
eles trabalham juntos pela paz.”.
***
Oxalá, Deus queira que essa viagem conjunta se realize
pelo bem da paz. Será o ecumenismo no seu melhor. Ao mundo fará bem este
testemunho de cooperação dialogante, mesmo que a unidade, embora sincera e
atuante, ainda seja um dado problemático. E os povos que sofrem estão cansados
de esperar, não podem esperar mais!
2017.02.27 –
Louro de Carvalho
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