É verdade que o dia 21 de
fevereiro de 2014 surpreendeu a Igreja diocesana do Porto e mesmo o país com a
nomeação de Dom António Francisco dos Santos para bispo da diocese do Porto,
vindo a ser transferido da diocese de Aveiro para a do Porto com o ato de posse,
a 5 de abril, e entrada solene no dia seguinte.
É ainda prematuro fazer um juízo
sobre o seu pastoreio em todas as suas dimensões. No entanto, é de afirmar já
um complexo de valores que a sua postura vem comportando. Assim, a pastoral da
proximidade, da cooperação e da valorização das pessoas e estruturas pastorais têm
sido critérios visíveis e marcantes no devir diocesano. Por outro lado, torna-se
evidente a sua presença tanto nos grandes momentos da vida da diocese e da
Igreja universal como nos momentos que marcam lugares mais recônditos e dizem
respeito a pessoas ou grupos que vivem nas periferias existenciais cuja ação as
privilegia. Ademais, é notável o apreço que mostra pela memória e ação dos seus
antecessores e dos bispos que saíram do porto ou passaram pelo Porto para o
serviço da Igreja noutras paragens, bem como o modo como refere e agradece a
ação e a espiritualidade dos sacerdotes, diáconos, religiosos e religiosas (e
consagrados e consagradas no meio do mundo)
e leigos empenhados no apostolado e no serviço aos mais pobres. Com efeito, se
Deus pode esperar e espera por nós, “os pobres não podem esperar”.
Em termos estruturantes, a
diocese vem acompanhando ativamente as grandes opções da Igreja Universal sob a
batuta do Papa Francisco e os acontecimentos da Igreja que vive atuante em Portugal
– ensejo de que dá testemunho o plano de pastoral para o quinquénio em curso (2015/2020) em torno dum tema aglutinador “A alegria do Evangelho é a nossa missão”,
desdobrado em cinco planos específicos, um por cada ano pastoral, com tema próprio,
mas sob a matriz do plano quinquenal. É uma caminhada conjunta que envolve as
paróquias, as vigararias, os movimentos, os diversos serviços e setores – e os
documentos que introduzem as ações mais significativas vêm assinados pelo bispo
diocesano e seus auxiliares.
Pode dizer-se que Dom António
Francisco se mudou duma diocese mais pequena para um diocese mais extensa,
populosa e quiçá mais complexa. Alguns até poderão dizer que o senhor Bispo tem,
no Porto, mais problemas a enfrentar. Porém, também na diocese do Porto tem
mais pessoas a rezar por si todos os dias. E a oração é força dos fracos e, por
vezes, como que constitui a fraqueza de Deus, sobretudo se tiver a si aliado o esforço
dos homens e cooperação das instituições.
E, com Dom António Francisco, a
Igreja do Porto faz ouvir a sua voz perante o mundo e perante Deus pela
dignidade da pessoa humana, qualquer que seja a sua condição económica e
social, mas preferencialmente evidenciando a vez e a voz dos pobres, dos mais “encostados”
pela geografia e pela sociedade. A Igreja do Porto ouve e faz ouvir a sua voz
junto dos agentes da ciência e da cultura, do estudo e do trabalho, da escola e
da família, das crianças e dos adultos, dos jovens e idosos, dos sãos e dos
doentes, dos civis e dos militares, dos empresários e dos empregados, dos
inativos e dos desempregados.
***
Penso que a sua postura exprime
com tranquilidade a ideia com que obedeceu ao Pastor Universal da Igreja, segundo
a Palavra de Deus ao Profeta Jeremias: “Irás
aonde Eu te enviar” (Jr 1,7), como proclamou na sua primeira saudação à diocese
portuense.
Trouxe efetivamente consigo, como
garantiu, “o modo próximo de ser e de viver, a alegria convicta da fé e o
desejo fraterno de a todos olhar com os olhos de Deus, para a todos servir como
Deus quer e ama”.
Também desta vez reafirmou
perante o Papa Francisco o lema episcopal “IN
MANUS TUAS”, que escolheu, quando o Papa São João Paulo II o “chamou a ser
bispo auxiliar de Braga e titular de Meinedo”. E confessou que este lema e os
sentimentos que ele exprime o unem “a Cristo e à Sua Cruz” e o colocam “sob o
olhar terno da Mãe de Jesus, Senhora da Assunção, nossa Mãe e Padroeira”. É de
notar que em qualquer lugar ou episódio em que se encontre faz a enálage de
pessoa assumindo como “nosso” ou “nossa” a cidade (ex:
a nossa cidade de Santa Maria da Feira),
a freguesia, o concelho, o hospital, a escola, etc. Esta postura vem de dentro
e foi premeditada – penso eu.
Na predita saudação prometeu ser”
irmão e presença junto dos doentes, dos pobres e dos que sofrem” e com eles
procurar “fazer caminho de bondade e de esperança na busca comum de um mundo
melhor”; disse querer “apóstolo das Bem-Aventuranças nestes tempos difíceis que
vivemos”; e mostrou-se cônscio da missão que lhe era “confiada”, vindo, porém, “com
alegria e generosidade” ao nosso encontro para amar a Deus e nos servir. E o
caminho das bem-aventuranças foi visualizado em todo o Ano Jubilar da
Misericórdia.
***
Na homilia
da celebração eucarística que marcou o início do seu múnus pastoral na diocese
do Porto, o Prelado quis olhar o tempo e a história com o olhar de
Deus. E, fixando-se em São José,
referiu que, nele,
se unem “o recolhimento interior e a prontidão obediente diante do inesperado
desafio da missão”; e, nele, o sonho de Deus tomou “a dianteira diante dos seus
horizontes particulares”. Sepultadas no silêncio de José “todas as suas dores e
interrogações”, acompanharam-no “as responsabilidades da missão, as alegrias de
seguir a voz de Deus e as esperanças de quem crê no Senhor” e n’Ele colocou “a
sua confiança”. Assim, o Bispo resolvera “colocar-se nas mãos de Deus”,
fazendo desta decisão o seu lema episcopal – “In manus tuas”.
Mas Dom
António quis pautar-se pelo ministério da bondade e pelo magistério
da proximidade.
Inspirado nos
discípulos, que aparecem nos Evangelhos como “homens fortes, corajosos,
trabalhadores”, mas com um íntimo de ternura – que, não sendo virtude dos
fracos, mas denotadora da “fortaleza de ânimo e capacidade de solicitude e de
compaixão” – sustenta que “não devemos ter medo da bondade”, pois:
“Só pela bondade aprenderemos a fazer
do poder um serviço, da autoridade uma proximidade e do ministério uma paixão
pela missão de anunciar a alegria do evangelho. O evangelho é tudo o que temos
e somos.”.
Nestes termos,
pediu a todos que o ajudassem “a ser pastor ao jeito do coração de Deus e a
seguir em todos os passos o exemplo de Cristo, o belo e bom Pastor”.
De igual
modo, apresentou-se como mensageiro da esperança, na esteira do profeta Ezequiel, que garante “que
Deus oferece uma vida nova ao povo que se sentia sem futuro e sem esperança” e o
coloca “numa dinâmica que recria o seu coração e faz renascer a vida”; à luz da
ressurreição de Lázaro por intervenção de Jesus, como garantia da vida futura
para todos; e na perspetiva paulina, que assegura que “é este Espírito de Deus
que ressuscitou Jesus de entre os mortos que nos dá a vida, a ressurreição e a
esperança”.
Neste contexto
evangélico de esperança, o Pastor pediu a compreensão de todos para fazer “das
Bem-aventuranças do Reino o padrão do meu viver e o paradigma do meu ministério”
(sic). Mas outrossim a todos convocou para
serem com ele “mensageiros e protagonistas das Bem-aventuranças numa linguagem
serena, positiva e confiante, como expressão da voz de toda a Igreja do Porto”.
E, neste sentido, pediu que ninguém se “imagine filho menor de Deus ou se
considere filho esquecido da Igreja”.
Depois,
colocando-se no horizonte da missão, assegurou que não trazia consigo “planos prévios ou antecipados
programas de ação”. Estes surgiriam “à medida do sonho de Deus e da sua vontade
divina para esta Igreja do Porto”. Contudo, prometeu prestar atenção “ao que o
Espírito de Deus nos inspirar” e saber “ajoelhar diante de Deus em oração, para
servir de pé, com passos serenos, mas decididos, a Igreja e o mundo”. E na ação
pastoral prometeu dar
“Lugar determinante aos órgãos
eclesiais de participação e de corresponsabilidade que existem para fomentar a
comunhão geral de quantos, nas paróquias, institutos religiosos e seculares,
associações e movimentos, integram o corpo vivo que é a Igreja de Cristo, com
toda a riqueza carismática e ministerial que o Espírito cria”.
E serenamente
destacou o desejo de “aprender, dia a dia, a história da Igreja do Porto,
sentir os seus dinamismos, ler e reler o evangelho em chave de missão com o
olhar colocado no horizonte do futuro, onde Deus nos precede”, bem como a vontade
de conhecer as caraterísticas desta grande comunidade humana. Mas apelou:
“Sejamos ousados, criativos e
decididos sempre mas sobretudo quando e onde estiverem em causa os frágeis, os
pobres e os que sofrem. Esses devem ser os primeiros porque os pobres não podem
esperar! Temos na história da Igreja do Porto “modelos de caridade” que nos
podem guiar neste caminho.”.
Encerrou
a sua homilia com um capítulo notável “Da memória à profecia – a
Alegria do Evangelho”.
Confidenciou aqui ter relido a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, do Sumo Pontífice “com o olhar voltado para o Porto e com o
coração aberto à nova missão” que o Papa lhe confiava, sendo “este texto
histórico da Igreja” a “inspirar também o nosso caminho na Igreja do Porto. E lembrou:
“É dever e urgência da Igreja trilhar
caminhos de evangelização, com novos métodos e acrescido vigor. Desejo que
todos sintam que Cristo pode preencher as nossas vidas com um novo esplendor e
uma alegria profunda, mesmo no meio das provações (EG,167).”.
A seguir, com
palavras do Santo Padre, exortou:
“Sintamo-nos convocados para a missão.
Aprofundemos a dimensão espiritual do nosso viver. Sejamos evangelizadores com espírito,
que rezam e trabalham (EG, 262), motivados pelo amor que recebemos de Jesus (EG,264).”.
E concluiu:
“Assim edificaremos comunidades vivas
de fé, de amor e de dinamismo missionário, mobilizaremos e formaremos
adequadamente os agentes da pastoral e renovaremos as estruturas pastorais
desta amada Igreja do Porto”.
***
Perguntar-se-á
se os objetivos já foram atingidos ou se os valores já foram alicerçados e têm
suporte para se implantarem e consolidarem. É cedo para responder e creio que
este caminho é a batalha de todos os dias. Depois, o caminho faz-se caminhando
e caminhando em conjunto, sendo que, por vezes, há mais pedras que caminho, mais
piso tortuoso que transitável, mais veredas destruídas que endireitadas.
E
é para isto que temos o Bispo diocesano e toda a Igreja portuense. E o Bispo
reza e faz rezar; ensina, aprende e faz aprender; dirige ouvindo; sofre e
alegra-se e alegra; acolhe e celebra; escuta e pede conselho, mas tem de
decidir muitas vezes a sós. Que o Espírito esteja sempre com ele.
2017.02.21 – Louro de Carvalho
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