Graças
ao sucesso da OPA (operação
pública de aquisição) do CaixaBank
sobre o BPI (Banco Português de
Investimento), este virou sem qualquer disfarce no dia 8 de
fevereiro de 2017, a sucursal do banco catalão. A própria saída de Fernando
Ulrich da presidência da comissão executiva (passa a chairman), em que é sucedido por uma figura de
proveniência espanhola, e de Artur Santos Silva, doravante presidente honorário,
marca o novo rumo desta entidade bancária e, na prática, o fim da era dos nossos
banqueiros. A Ulrich
segue-se o até agora diretor-geral do CaixaBank,
Pablo Forero, que falará português da próxima vez que intervenha em conferência
de imprensa.
Como a maioria dos acionistas do BPI,
à exceção da Allianz, se decidiu pelo abandono em massa do banco, os catalães
garantem uma participação total de 84,52%. No total, a operação custou-lhes
664,5 milhões de euros e permite-lhes o controlo do banco, dado que os
estatutos foram desblindados. Recordo que o BPN desapareceu depois da venda ao
BIC por 44 milhões; o Banif desapareceu depois de vendido ao Santander por 150
milhões; e o Novo Banco seria vendido por cerca de 650 milhões. Negócios, não?!
No BCP, em 31 de dezembro de
2016, a distribuição da participação acionista qualificada era: 16,67%, para o Grupo
Fosun; 14,8%, para o Grupo Sonangol; e 2,15%, para o Grupo EDP (dos
chineses) – ao todo 33,62%
– situação algo alterada em fevereiro pp., como se verá adiante.
Os
resultados da OPA sobre o BPI foram apurados em sessão especial de bolsa no dia
8, prevendo-se que a sua futura reduzida liquidez significaria descida de
divisão na bolsa lisboeta, que o exclui do PSI a partir do dia 10. A operação
responde à situação financeira do banco. Com efeito, no prospeto da OPA, o
oferente faz referências pouco abonatórias à situação do BPI, em especial
quanto à sua eficiência. Assim, pode ler-se no dito documento:
“Sem prejuízo de nos últimos anos a Sociedade Visada
ter feito um esforço muito destacável para melhorar a sua posição competitiva
em Portugal, em particular em termos de redução de custos, é de esperar que a
sua pertença a um grupo bancário de maior escala, como é o grupo do oferente,
permita alcançar maiores níveis de eficiência, produtividade e rentabilidade no
contexto de um setor bancário doméstico mais competitivo e exigente”.
***
Sobre
o fim da vida independente do BPI e a integração no grupo espanhol, Santos
Silva foi altamente pacificador, assegurando, em conferência de imprensa, que
não o preocupa nada “ser uma sucursal de um banco espanhol”, que “é uma
instituição grande”. Respondendo à ironia de a instituição que fundou ter
acabado em sucursal, declarou que “são os
parceiros certos para melhor servirmos a economia portuguesa.” E Ulrich
sustentou que a OPA do CaixaBank, que
já era o maior acionista, foi uma “operação em família”, pelo que não se devem
sobrevalorizar as mudanças, pois “o CaixaBank
é nosso acionista desde outubro de 1995 e sempre nos apoiou”. E, sobre a sua
saída de CEO, disse que “o BPI deve ser liderado por alguém originário do CaixaBank”, o que facilita a
transferência “de tudo o que é positivo” e que o grupo trará.
Do
lado catalão foi Gonzalo Gortázar, administrador-delegado, quem falou aos jornalistas,
afirmando que o BPI e o CaixaBank “são
duas entidades que se complementam perfeitamente”. Quanto aos ganhos que o BPI
terá, diz que “o CaixaBank traz
estabilidade e capital para a expansão do BPI, que terá melhores condições no rating e, logo, melhor financiamento”. Nada
adiantou em relação a um eventual avanço sobre a compra do Novo Banco (NB), mas, sobre o Banco de Fomento
Angola (BFA), assegurou que o CaixaBank não decidirá nada com pressa e
salientou que as recomendações do BCE para o BPI sair do país africano não são
vinculativas.
Sobre
a reestruturação, garantiu que o BPI manterá a estratégia seguida ao nível da
redução de colaboradores e fecho de balcões, sem recorrer a despedimentos
coletivos e sempre de “mútuo acordo”, esclarecendo que o número dos 900
trabalhadores identificados no prospeto da OPA como “excedentários” é
“meramente indicativo”.
É
mais do mesmo. Tratando-se da reestruturação de banco (por
OPA, venda ou outra razão),
vêm logo redução de pessoal e encerramento de balcões. Assim, o que reserva o
futuro do BPI são eufemisticamente as “sinergias”, alegando-se que investidores
e analistas, em operações deste género, tentam logo ver em detalhe a situação
do banco, o que leva a cortes de pessoal.
Segundo
o prospeto da OPA, já referido, o CaixaBank
espera a obtenção de sinergias de 84 milhões anuais, do lado dos custos e de 35
milhões, do lado das receitas. Nos custos, mais de 50% das sinergias advirão de
cortes em pessoal e balcões. A administração quer baixar o rácio de gastos
pessoal/receitas do BPI de 44% para 35%. E BCE e Moody’s recomendam a saída de
África. A este respeito, o grupo catalão diz que o BCE recomenda o total
desinvestimento no BFA, a maior fonte de resultados do BPI (cerca
de 70% do total).
Assim, os catalães precisam:
“O BCE emitiu, no documento que autorizou o CaixaBank a adquirir o controlo da
Sociedade Visada através da presente OPA, uma recomendação não vinculativa ao oferente
para que reduza gradualmente a participação do BPI no BFA num período de tempo
razoável”.
Em
relação a isto, Gortázar lembrou que o desinvestimento no BFA se processará no
quadro do acordo parassocial existente e no regime de conversações com a
Unitel, detida por Isabel dos Santos. Apesar da posição do CaixaBank em relação ao BFA, a Moody’s entende não haver dúvida sobre
o que reserva o futuro do banco angolano. Crê que a perda de controlo do BFA
aumenta a probabilidade de o BPI reduzir mais a sua participação no banco angolano
– o que, sendo positivo em solvabilidade, pode afetar os indicadores de
rentabilidade do BPI.
Outro
ponto abordado na conferência de imprensa acima referida foi o da necessidade
de capitalização do BPI. No prospeto da OPA o banco catalão dizia que o BPI
precisava de emitir 350 milhões de euros em dívida subordinada, surgindo para o
CaixaBank com um juro de “8 a 10%”
que, a par do IRC de 29,5%, elevaria o custo anual, após impostos desta emissão,
para os 21 a 26 milhões (o equivalente a 28% dos resultados
domésticos do BPI em 2015).
Todavia, algumas semanas depois, tal valor acabou revisto em baixa, aquando do
fecho de contas de 2016, porque os resultados no último trimestre foram
melhores que o esperado e porque a rentabilidade do fundo de pensões foi mais
elevada que o pensado (e o fundo de pensões tem impacto nos
rácios). Além da
redução do montante de capital que o BPI precisa de levantar para entrar em
cumprimento com as exigências oriundas dos exercícios regulatórios (SREP
– de Supervisory Review and Evaluation Process), o CaixaBank
anunciou igualmente que está pronto para subscrever na íntegra a emissão de
dívida para que os custos financeiros a ela associados sejam mais reduzidos. A
redução dos custos financeiros enfrentados pelo BPI foi, aliás, um dos pontos
que Gortázar mais realçou no âmbito das vantagens que o BPI terá depois de
integrado no grupo CaixaBank. Segundo
ele, “o CaixaBank traz estabilidade
acionista para o BPI e capital para expansão da atividade, melhores condições
de ‘rating’ e, logo, melhor acesso a financiamento”.
***
A este propósito, Helena Garrido, em artigo sob o título “A banca
que nos restou” publicado no Observador
do dia 9, conclui que “a CGD é agora
o único banco controlado por portugueses” e escreve que, “depois da energia e
das telecomunicações, foi a vez de a banca ser vendida”. Na verdade, a banca
privada deixou de ter acionistas portugueses de peso, as telecomunicações
pertencem a franceses e angolanos, a eletricidade a chineses ou espanhóis, o gás
e combustíveis estão parcialmente em mãos de angolanas.
Porém, enquanto a colunista considera a situação como
mais um dos efeitos da dívida, que o país vem acumulando, talvez se deva pensar
que tal resultou de a governança portuguesa, enredada pelo ditame e controlismo
europeus, não ter encontrado outra via de saída que não fosse a privatização e,
nalguns casos, a venda ao desbarato, sem ter mão na gestão ruinosa das empresas
e, em especial, da banca. Mas assiste-lhe toda a razão ao verificar que se esfumou o
entusiasmo dos empresários portugueses pela banca em finais do século XX, sendo
esta a semana em que “desapareceram os banqueiros portugueses e o sistema
financeiro passou a ser controlado por empresários de Espanha, Angola e China”.
E o BPI é o caso mais simbólico, pois terá um CEO espanhol, o que não sucede no
Santander Totta, liderado por Vieira
Monteiro.
Com efeito,
a 8 de fevereiro de 2016, o catalão CaixaBank
passou a deter quase 85% do capital e dos direitos de voto. A angolana Isabel
dos Santos, que era, através da Santoro, a segunda acionista, vendeu a sua
participação por 306 milhões após uma longa batalha com os catalães. O grupo
Violas Ferreira, um dos acionistas portugueses (detinha 2,7%) ficou com uma posição simbólica. Mantém-se a
seguradora alemã Allianz, que entrou no capital do BPI em 1995, no mesmo ano do
La Caixa. Esta reviravolta acionista
no BPI (banco que
passou a crise sem dificuldades de maior) foi determinada
pelas regras da supervisão única europeia, que não reconheceu Angola como país
que respeitador dos padrões da Zona Euro. E o banco, que já era pouco português,
deixou de o ser totalmente com a assunção da sua liderança por Espanha.
Também nesta
semana, o BCP concretizou o seu almejado aumento de capital, arrecadando 1,33
mil milhões, numa operação de aumento de capital que transformou os chineses da
Fosun (que controla
a seguradora Fidelidade) no seu maior
acionista, com quase 24% do capital. A seguir, vem a Sonangol, liderada por
Isabel dos Santos, com pouco mais de 15%. Com este aumento de capital, o BCP
pagará os 700 milhões que ainda deve ao Estado.
Portugal
perde assim os seus grandes banqueiros – como acionistas de peso na banca –
vendo desaparecer a última geração de gestores da era da liberalização do
sistema financeiro, iniciada na década de 80 do século XX, com a saída de
Santos Silva e Ulrich. Mantém-se José Amaral no BPI e António Vieira Monteiro
no Santander. A nova geração de gestores da banca está no BCP e sobressairá na
CGD (na equipa de
Macedo) – gestores menos confrontacionais, pouco assertivos e pouco dados aos corredores do poder. É, segundo Garrido, banca
de mão estendida, com muitos problemas do passado a resolver e desafios do
futuro tecnológico a ultrapassar.
***
A evaporação
de acionistas portugueses de peso na banca é problemática para o país. Com
efeito, os bancos controlados por acionistas de outros países centralizarão,
mais cedo ou mais tarde, as decisões de concessão de crédito nas casas-mãe,
pelo que o financiamento só chegará às empresas portuguesas sem risco. As
outras, mais arriscadas, terão falta de financiamento.
Por outro
lado, a experiência não é animadora se pensarmos no panorama que temos à nossa
volta: o desaparecimento de poderosos banqueiros, como Ricardo Salgado; a
implosão por falência de acionistas de bancos, como sucedeu com ex-donos de ações
do BCP; o colapso de bancos, como o Banif, o BES e o BPN; e a compra das instituições
financeiras por estrangeiros.
A
experiência deveria constituir uma lição para todos. Para garantir a segurança
dos depósitos e evitar a utilização de dinheiro dos contribuintes para salvar
bancos, a gestão tem de ser rigorosa, os riscos devem ser calculados, sem
embarcar pelo crédito fácil, e a regulação e a supervisão terão de funcionar
com eficácia. Caso contrário, a história acabará “ou a salvar os bancos com
dinheiro dos impostos ou a vendê-los a estrangeiros por não haver quem tenha
dinheiro para os comprar”, como diz Helena Garrido.
Terá o país
capacidade para sair da crise ou marcará passo sem andar nem desandar na rota
do desenvolvimento e do progresso?
2017.02.09 – Louro de Carvalho
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