sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Gestos que testemunham as boas relações entre católicos e judeus

Conforme informação de 21 de fevereiro da Rádio Vaticano, os Museus Vaticanos e a comunidade judaica de Roma oferecerão, pela primeira vez, uma exposição conjunta dedicada à história da Menorah, o tradicional candelabro judaico de sete braços, presente em inumeráveis obras de artes judaicas, católicas, de outras confissões cristãs e de quadrantes aconfessionais.
A exposição foi apresentada no passado dia 20 de fevereiro no Museu Judaico de Roma, na presença da nova Diretora dos Museus Vaticanos, Bárbara Jatta (antes subdiretora daqueles museus, que trabalhou durante 20 anos na Biblioteca Apostólica Vaticana, onde era responsável pelo Setor de Impressões), e da responsável pelo Museu Judaico, Alessandra Di Castro, que adiantaram que a concretização deste projeto foi possível graças às boas relações existentes entre judeus e católicos.
Devido às pequenas dimensões do Museu Judaico, ali estarão expostas apenas 10 peças, enquanto outras 120 poderão ser contempladas no espaço do Braço Carlos Magno na Praça São Pedro, no Vaticano (lado esquerdo das Colunatas de Bernini). Uma das peças que mais chama a atenção é um baixo-relevo de uma Menorah da região da Galileia, do século I.
O Museu Judaico localiza-se ao lado da Sinagoga de Roma, visitada por João Paulo II em 1986, Bento XVI em 2010 e  Francisco em 2016. Entre os Museus que emprestam peças à exposição – aberta de 15 de maio a 27 de junho – estão o Louvre e a Galeria Nacional de Londres.
Na sua primeira conferência de imprensa como nova Diretora dos Museus Vaticanos, Barbara Jatta (sucedeu a Antonio Paolucci a partir do passado 1 de janeiro) havia antecipado, em dezembro passado, alguns projetos para 2017, referindo em especial:
”Temos previsto uma grande mostra em colaboração com o Museu Judaico de Roma sobre a Menorah, no Braço de Carlos Magno: nós seremos os anfitriões nesta sede e haverá uma sede também no Museu Judaico. E, depois, tantas outras mostras: uma mostra em Lisboa por ocasião da viagem do Papa a Fátima e tantos, tantos outros projetos nas diversas áreas”.
A Menorah é um candelabro de 7 braços, originalmente projetado em ouro martelado e puro, feito por Moisés para ser colocado dentro do Santo Lugar (área intermédia do Tabernáculo, entre o Átrio Exterior e o Santo dos Santos) juntamente com o Altar do Incenso e a Mesa dos Pães da Proposição. É o principal dos símbolos judaicos e o mais difundido graças à sua origem verdadeiramente bíblica, tendo Moisés seguiu o modelo indicado pelo próprio Deus: “Atenta, pois, que o faças conforme ao seu modelo, que te foi mostrado no monte”(Ex 25,40). Existe a crença de que simboliza os arbustos em chamas que Moisés viu no Monte Sinai (Ex 3). Vemos na Bíblia (Zc 4,1-6; Is 11, 1-4; Ap 1,4-13) que a Menorah é uma representação física do Espírito de Deus.
A Menorah existia no Tabernáculo e tornou-se presença permanente no primeiro e no segundo Templo de Jerusalém. No ano 70 dC, com a invasão romana a Jerusalém e a destruição do Templo, foi levada pelo exército de Tito Vespasiano para Roma. Este episódio é retratado em forma de relevo no Arco de Tito. Alguns pesquisadores argumentam que teria sido levado para os porões do Vaticano, estando hoje sob a posse da Igreja Católica Romana, mas não existem provas que sustentem tal suposição.
***
Passa-se a uma resenha do fabrico e sentido do notável candelabro, que persistiu em conceção, fabrico e uso de um objeto que, de certo modo, o replicava em catedrais, igrejas colegiadas e mosteiros, incluindo a existência de 7 castiçais e respetivas velas em banquetas de altar-mor.
A Menorah é o símbolo judaico mais antigo e mais imponente de que se tem memória, representando, desde os tempos mosaicos, Israel e o povo judeu. Todavia, o que realmente este maravilhoso símbolo milenar representa, ou seja, o seu verdadeiro significado, infere-se já do primeiro texto da Torá (Lei) em que este candelabro, feito por ordem de Javé é descrito:
“Farás também um candelabro de ouro puro. Fá-lo-ás de ouro martelado; a sua base e a sua haste serão feitas de uma só peça; os cálices, os botões e as flores formarão uma única peça com ele. Seis braços partirão dos lados, três de um lado e três do outro. Num braço, haverá três cálices em forma de flor de amendoeira, com botão e flor, e três cálices em forma de flor de amendoeira, com botão e flor, no outro braço; e assim hão de ser os restantes braços que saiam do candelabro. Na haste central do candelabro, haverá quatro taças em forma de flor de amendoeira, com os seus botões e flores; haverá um botão sob os dois primeiros braços que saírem do candelabro, um botão sob os dois braços seguintes, e um botão sob os dois últimos: será assim para os seis braços do candelabro. Estes botões e estes braços formarão uma única peça com o candelabro, e todo o conjunto será feito de uma só barra de ouro puro. Depois, farás sete lâmpadas, que hão de ser colocadas de maneira a iluminarem a parte da frente. Os espevitadores e os vasos para os morrões serão de ouro puro. Empregar-se-á um talento de ouro puro na execução do candelabro e de todos estes acessórios. Toma todas as providências para que o trabalho seja executado segundo o modelo que te mostrei neste monte.” (Ex 25,31-40, cf 37,17-24; Lv 24,2-4).
É o próprio Deus quem instrui Moisés sobre a construção do grande castiçal de 1,50 metros de altura e 43 quilos, que devia ter 7 hastes ou pontas. Em cada ponta haveria uma lâmpada, a qual queimaria óleo de oliva e iluminaria o interior do Tabernáculo e, posteriormente, o Templo em Jerusalém, os quais não possuíam janelas. Nota-se também que a Menorah deveria ser feita a partir de uma peça de ouro martelado, não podendo ter emendas ou rejuntes. Teria uma base e uma haste central, donde sairiam 6 outras hastes (3 para cada lado). Cada haste seria decorada com 3 cálices de ouro em formato de amêndoas, uma maçaneta (espécie de suporte para a lâmpada) e uma base estrelada em forma de flor, que serviria como lâmpada. Todas as hastes deveriam iluminar em direção ao centro e não em todas as direções como é comum nos demais candelabros. Assim, as hastes da Menorah brilhariam como se fossem uma grande e única chama, realçando a haste central: “todos juntos como se fossem um”. Este facto mostra que a Menorah não foi idealizada por Deus para mero objeto de iluminação, mas que representa um objeto criado pelo próprio Deus com um mistério contido na sua arquitetura e forma para nos revelar o grande plano de Deus para o homem. Sábios judeus da Idade Média viram neste candelabro a representação da Árvore da Vida (vd Gn 2,9) e nas suas 7 hastes a representação das 7 palavras que fazem o 1.º versículo do Livro do Génesis: berê’shiyth bârâ’ ‘elohiym ‘êth hashâmayim ve’êth hâ’ârets (No princípio, criou Deus o céu e a terra). Entretanto, deparamos com uma outra descrição da Menorah em Zacarias (vd Zc 4,1-10), em que o profeta tem a visão dum candelabro de 7 pontas, abastecido por duas oliveiras, que estão ao lado duma grande bacia de azeite. O profeta identifica as 7 pontas com “os olhos do Senhor que percorrem toda a terra” (v.10).
Temos ainda a considerar a seguinte passagem do Apocalipse:
“Então, vi, no meio do trono e dos quatro seres viventes e entre os anciãos, de pé, um Cordeiro como tendo sido morto. Ele tinha sete chifres, bem como sete olhos, que são os sete espíritos de Deus  enviados por toda a terra.” (Ap 5,6).
Os 7 olhos são os 7 espíritos de Deus, que percorrem toda a terra. Porém, o profeta Isaías vai mais longe ao profetizar que os 7 espíritos de Deus representam o próprio Ungido, que manifestaria em carne as sete caraterísticas do servo do Senhor, como se vê a seguir (Is 11,1-2):
“Do tronco de Jessé sairá um rebento e de suas raízes um renovo. Repousará sobre ele o Espírito do SENHOR, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do SENHOR”.
Todavia, é o Apocalipse que nos dá o verdadeiro significado da Menorah e das suas 7 hastes:
“Voltei-me para ver quem falava comigo e, voltado, vi 7 candeeiros de ouro e, no meio dos candeeiros, alguém com aparência humana, com vestes talares e cingido, à altura do peito, com uma cinta de ouro. (…) Escreve, pois, as coisas que viste, as que são e as que hão de acontecer depois destas. (…) Os 7 candeeiros são as 7 igrejas.” (Ap 1,12-20).
Ora, então os castiçais (ou a Menorah) representam a Kehilat Adonai (Igreja do Senhor), composta de judeus e gentios, sobre a qual as portas do inferno não prevalecem. As sete igrejas (ou seja, a totalidade das Igrejas, a Igreja) representadas na Menorah devem, pois, fazer resplandecer a Luz da Palavra de Deus, testemunhando ao mundo os seus caminhos. Com efeito, Jesus é apresentado por Simeão como Luz para se revelar às nações (cf Lc 2,32) e Ele próprio se afirmou com a Luz do mundo (Jo 8,12). Mas não quer que a luz se cinja à sua pessoa singular, quer, antes, projetar-se nos seus seguidores. Por isso, disse aos seus discípulos:
Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus.” (Mt 5,14-16).
Sendo assim, a Menorah simboliza o relacionamento entre Deus e o seu povo, representa a Igreja (judeus e gentios), que brilha unida iluminando o centro: o próprio Jesus e o espaço onde a sua força tem de agir. Devemos fazer brilhar a nossa luz diante dos homens e em direção ao Messias, isto é, glorificando a Jesus, para que os homens vejam a nossas boas obras e glorifiquem o Pai.  Já o Rei David considerava a luz da Menorah como sendo a própria Torá, a lei eterna de Adonai. Lá diz o salmo: “A tua Lei (Torá) é lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminhar” (Sl 119,105). Por isso, ao representar a Palavra de Deus, a Menorah também representa o próprio Jesus, “o LOGOS que se fez carne  e habitou entre nós” (Jo 1,14). E ao mesmo tempo, ao representar a Palavra de Deus, assemelha-se à Árvore da Vida, pois aquele que guarda os mandamentos do Eterno resplandecerá vida como uma árvore que produz vida e vida em abundância. A Menorah representa, portanto, a essência de Israel e o dever de todo crente em Jesus: resplandecer a Torá (palavra) do Eterno sobre toda a terra através de Jesus, fazendo com que os povos glorifiquem o Pai, o Deus único de Israel.
***
Outro gesto marcante do diálogo judeo-católico é a oferta da nova edição da Torá, no passado dia 23 ao Papa, no Vaticano, por um grupo editorial, liderado pelo rabino Abraham Skorka, seu amigo. O Pontífice referiu-se ao evento nos termos seguintes:
“O diálogo fraterno e institucional entre judeus e cristãos já está consolidado e é eficaz, através de um confronto contínuo e colaborativo. Este vosso presente insere-se plenamente neste diálogo, que não se exprime só mediante as palavras, mas também nos gestos.”.
Após citar as palavras de São João Paulo II, que em 1990 definiu a Torá como o “ensinamento vivo do Deus vivo”, Francisco recordou que Deus chamou Abraão para formar um povo que “se transformasse em bênção para todos os povos da terra”. E sublinhou:
“No meio de tantas palavras humanas, que infelizmente impelem à divisão e à competição, estas palavras divinas de aliança abrem-nos a todos nós caminhos de bem a ser percorridos juntos”.
O Papa referiu que a parte introdutória e a nota do editor desta versão da Torá “destacam este diálogo, expressando uma visão cultural aberta, no respeito recíproco e na paz, em sintonia com a mensagem espiritual da Torá”. E concluiu:
“Qualquer edição da Sagrada Escritura contém um valor espiritual que supera infinitamente o material”.
***
Eis a fé abraâmica partilhada e em ação nos tempos que correm.

2017.02.24 – Louro de Carvalho


Sem comentários:

Enviar um comentário