Conforme
informação de 21 de fevereiro da Rádio Vaticano, os Museus Vaticanos e a
comunidade judaica de Roma oferecerão, pela primeira vez, uma exposição
conjunta dedicada à história da Menorah,
o tradicional candelabro judaico de sete braços, presente em inumeráveis obras
de artes judaicas, católicas, de outras confissões cristãs e de quadrantes aconfessionais.
A exposição foi apresentada no
passado dia 20 de fevereiro no Museu Judaico de Roma, na presença da nova
Diretora dos Museus Vaticanos, Bárbara Jatta (antes subdiretora
daqueles museus, que trabalhou durante 20 anos na Biblioteca Apostólica
Vaticana, onde era responsável pelo Setor de Impressões), e da responsável pelo Museu
Judaico, Alessandra Di Castro, que adiantaram que a concretização deste projeto
foi possível graças às boas relações existentes entre judeus e católicos.
Devido às pequenas dimensões do Museu Judaico, ali estarão
expostas apenas 10 peças, enquanto outras 120 poderão ser contempladas no
espaço do Braço Carlos Magno na Praça São Pedro, no Vaticano (lado esquerdo das Colunatas de Bernini). Uma das peças que mais chama a
atenção é um baixo-relevo de uma Menorah
da região da Galileia, do século I.
O Museu Judaico localiza-se ao lado da Sinagoga de Roma,
visitada por João Paulo II em 1986, Bento XVI em 2010 e Francisco em
2016. Entre os Museus que emprestam peças à exposição – aberta de 15 de maio a
27 de junho – estão o Louvre e a Galeria Nacional de Londres.
Na sua primeira conferência de imprensa como nova Diretora dos Museus
Vaticanos, Barbara Jatta (sucedeu
a Antonio Paolucci a partir do passado 1 de
janeiro) havia
antecipado, em dezembro passado, alguns projetos para 2017, referindo em
especial:
”Temos
previsto uma grande mostra em colaboração com o Museu Judaico de Roma sobre a
Menorah, no Braço de Carlos Magno: nós seremos os anfitriões nesta sede e
haverá uma sede também no Museu Judaico. E, depois, tantas outras mostras: uma
mostra em Lisboa por ocasião da viagem do Papa a Fátima e tantos, tantos outros
projetos nas diversas áreas”.
A Menorah é um candelabro de 7 braços,
originalmente projetado em ouro martelado e puro, feito por Moisés para
ser colocado dentro do Santo Lugar (área intermédia do Tabernáculo,
entre o Átrio Exterior e o Santo dos Santos) juntamente com o Altar do Incenso e
a Mesa dos Pães da Proposição. É o principal dos símbolos judaicos e o
mais difundido graças à sua origem verdadeiramente bíblica, tendo Moisés seguiu
o modelo indicado pelo próprio Deus: “Atenta, pois, que o faças
conforme ao seu modelo, que te foi mostrado no monte”(Ex 25,40). Existe a crença de que simboliza os arbustos em
chamas que Moisés viu no Monte Sinai (Ex 3). Vemos na Bíblia (Zc 4,1-6; Is 11, 1-4; Ap 1,4-13) que a Menorah
é uma representação física do Espírito de Deus.
A Menorah existia
no Tabernáculo e tornou-se presença permanente no primeiro e no segundo
Templo de Jerusalém. No ano 70 dC, com a invasão romana a Jerusalém e
a destruição do Templo, foi levada pelo exército de Tito Vespasiano
para Roma. Este episódio é retratado em forma de relevo no Arco de
Tito. Alguns pesquisadores argumentam que teria sido levado para os porões do
Vaticano, estando hoje sob a posse da Igreja Católica Romana, mas não
existem provas que sustentem tal suposição.
***
Passa-se a uma
resenha do fabrico e sentido do notável candelabro, que persistiu em conceção,
fabrico e uso de um objeto que, de certo modo, o replicava em catedrais,
igrejas colegiadas e mosteiros, incluindo a existência de 7 castiçais e
respetivas velas em banquetas de altar-mor.
A Menorah é o símbolo judaico mais antigo
e mais imponente de que se tem memória, representando, desde os tempos mosaicos,
Israel e o povo judeu. Todavia, o que realmente este maravilhoso símbolo
milenar representa, ou seja, o seu verdadeiro significado, infere-se já do
primeiro texto da Torá (Lei) em que este candelabro, feito por ordem de Javé é
descrito:
“Farás também um candelabro de ouro puro. Fá-lo-ás de ouro martelado; a sua
base e a sua haste serão feitas de uma só peça; os cálices, os botões e as flores
formarão uma única peça com ele. Seis braços partirão dos lados, três de
um lado e três do outro. Num braço, haverá três cálices em forma de flor
de amendoeira, com botão e flor, e três cálices em forma de flor de amendoeira,
com botão e flor, no outro braço; e assim hão de ser os restantes braços que
saiam do candelabro. Na haste central do candelabro, haverá quatro taças
em forma de flor de amendoeira, com os seus botões e flores; haverá um
botão sob os dois primeiros braços que saírem do candelabro, um botão sob os
dois braços seguintes, e um botão sob os dois últimos: será assim para os seis
braços do candelabro. Estes botões e estes braços formarão uma única peça
com o candelabro, e todo o conjunto será feito de uma só barra de ouro puro. Depois,
farás sete lâmpadas, que hão de ser colocadas de maneira a iluminarem a parte
da frente. Os espevitadores e os vasos para os morrões serão de ouro
puro. Empregar-se-á um talento de ouro puro na execução do candelabro e de
todos estes acessórios. Toma todas as providências para que o trabalho
seja executado segundo o modelo que te mostrei neste monte.” (Ex 25,31-40, cf 37,17-24; Lv 24,2-4).
É o próprio Deus quem instrui Moisés sobre a construção do grande castiçal de
1,50 metros de altura e 43 quilos, que devia ter 7 hastes ou pontas. Em cada
ponta haveria uma lâmpada, a qual queimaria óleo de oliva e iluminaria o
interior do Tabernáculo e, posteriormente, o Templo em Jerusalém, os quais não
possuíam janelas. Nota-se também que a Menorah
deveria ser feita a partir de uma peça de ouro martelado, não podendo ter
emendas ou rejuntes. Teria uma base e uma haste central, donde sairiam 6 outras
hastes (3 para cada
lado). Cada haste seria decorada com 3 cálices
de ouro em formato de amêndoas, uma maçaneta (espécie de suporte para a lâmpada) e uma base estrelada em forma de flor, que serviria
como lâmpada. Todas as hastes deveriam iluminar em direção ao centro e não em todas
as direções como é comum nos demais candelabros. Assim, as hastes da Menorah brilhariam como se fossem uma
grande e única chama, realçando a haste central: “todos juntos como se
fossem um”. Este facto mostra que a Menorah
não foi idealizada por Deus para mero objeto de iluminação, mas que representa um
objeto criado pelo próprio Deus com um mistério contido na sua arquitetura e
forma para nos revelar o grande plano de Deus para o homem. Sábios judeus da Idade Média viram neste candelabro a
representação da Árvore da Vida (vd Gn 2,9) e nas suas 7 hastes a representação das 7 palavras
que fazem o 1.º versículo do Livro do Génesis: berê’shiyth bârâ’ ‘elohiym ‘êth hashâmayim ve’êth hâ’ârets (No
princípio, criou Deus o céu e a terra). Entretanto,
deparamos com uma outra descrição da Menorah
em Zacarias (vd Zc 4,1-10), em que o
profeta tem a visão dum candelabro de 7 pontas, abastecido por duas oliveiras,
que estão ao lado duma grande bacia de azeite. O profeta identifica as 7 pontas
com “os olhos do Senhor que percorrem toda a terra” (v.10).
Temos ainda
a considerar a seguinte passagem do Apocalipse:
“Então, vi, no meio do trono e dos
quatro seres viventes e entre os anciãos, de pé, um Cordeiro como tendo sido
morto. Ele tinha sete chifres, bem como sete olhos, que são os sete espíritos
de Deus enviados por toda a terra.” (Ap 5,6).
Os 7 olhos
são os 7 espíritos de Deus, que percorrem toda a terra. Porém, o profeta Isaías
vai mais longe ao profetizar que os 7 espíritos de Deus representam o próprio
Ungido, que manifestaria em carne as sete caraterísticas do servo do Senhor,
como se vê a seguir (Is 11,1-2):
“Do tronco de Jessé sairá um
rebento e de suas raízes um renovo. Repousará sobre ele o Espírito do SENHOR, o
Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza,
o Espírito de conhecimento e de temor do SENHOR”.
Todavia, é o
Apocalipse que nos dá o verdadeiro significado da Menorah e das suas 7 hastes:
“Voltei-me para ver quem falava
comigo e, voltado, vi 7 candeeiros de ouro e, no meio dos candeeiros,
alguém com aparência humana, com vestes talares e cingido, à altura do peito,
com uma cinta de ouro. (…) Escreve, pois, as coisas que viste, as que são e as
que hão de acontecer depois destas. (…) Os 7 candeeiros são as 7 igrejas.”
(Ap 1,12-20).
Ora, então
os castiçais (ou a Menorah) representam a Kehilat
Adonai (Igreja do Senhor), composta
de judeus e gentios, sobre a qual as portas do inferno não prevalecem. As sete
igrejas (ou seja, a
totalidade das Igrejas, a Igreja)
representadas na Menorah devem, pois,
fazer resplandecer a Luz da Palavra de Deus, testemunhando ao mundo os seus
caminhos. Com efeito, Jesus é apresentado por Simeão como Luz para se revelar
às nações (cf Lc 2,32) e Ele
próprio se afirmou com a Luz do mundo (Jo 8,12). Mas não quer que a luz se cinja à sua pessoa
singular, quer, antes, projetar-se nos seus seguidores. Por isso, disse aos
seus discípulos:
“Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre
um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no
velador, e alumia a todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também
a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e
glorifiquem o vosso Pai que está nos céus.” (Mt 5,14-16).
Sendo assim,
a Menorah simboliza o relacionamento
entre Deus e o seu povo, representa a Igreja (judeus e gentios), que brilha unida iluminando o centro: o próprio
Jesus e o espaço onde a sua força tem de agir. Devemos fazer brilhar a nossa
luz diante dos homens e em direção ao Messias, isto é, glorificando a Jesus,
para que os homens vejam a nossas boas obras e glorifiquem o Pai. Já o
Rei David considerava a luz da Menorah
como sendo a própria Torá, a lei
eterna de Adonai. Lá diz o salmo: “A tua Lei (Torá) é lâmpada para os meus pés
e luz para o meu caminhar” (Sl 119,105). Por isso, ao representar a Palavra de Deus, a Menorah também representa o próprio
Jesus, “o LOGOS que se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). E ao mesmo tempo, ao representar a Palavra de Deus,
assemelha-se à Árvore da Vida, pois aquele que guarda os mandamentos do Eterno
resplandecerá vida como uma árvore que produz vida e vida em abundância. A Menorah representa, portanto, a essência
de Israel e o dever de todo crente em Jesus: resplandecer a Torá (palavra) do Eterno sobre toda a terra através de Jesus,
fazendo com que os povos glorifiquem o Pai, o Deus único de Israel.
***
Outro gesto
marcante do diálogo judeo-católico é a oferta da nova edição da Torá, no
passado dia 23 ao Papa, no Vaticano, por um grupo editorial, liderado pelo rabino
Abraham Skorka, seu amigo. O Pontífice referiu-se ao evento nos termos seguintes:
“O diálogo
fraterno e institucional entre judeus e cristãos já está consolidado e é
eficaz, através de um confronto contínuo e colaborativo. Este vosso presente
insere-se plenamente neste diálogo, que não se exprime só mediante as palavras,
mas também nos gestos.”.
Após citar
as palavras de São João Paulo II, que em 1990 definiu a Torá como o
“ensinamento vivo do Deus vivo”, Francisco recordou que Deus chamou Abraão para
formar um povo que “se transformasse em bênção para todos os povos da terra”. E
sublinhou:
“No meio de
tantas palavras humanas, que infelizmente impelem à divisão e à competição,
estas palavras divinas de aliança abrem-nos a todos nós caminhos de bem a ser
percorridos juntos”.
O Papa
referiu que a parte introdutória e a nota do editor desta versão da Torá
“destacam este diálogo, expressando uma visão cultural aberta, no respeito
recíproco e na paz, em sintonia com a mensagem espiritual da Torá”. E concluiu:
“Qualquer
edição da Sagrada Escritura contém um valor espiritual que supera infinitamente
o material”.
***
Eis a fé
abraâmica partilhada e em ação nos tempos que correm.
2017.02.24 – Louro de Carvalho
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