O
Primeiro-Ministro António Costa incendiou o debate parlamentar quinzenal de
hoje, dia 22 de fevereiro, quando, tendo o titular da pasta das Finanças a seu
lado, denunciou o voo de cerca de dez mil milhões de euros para paraísos
fiscais entre 2011 e 2015 sem que a AT (Autoridade Tributária) os tenha tratado, tanto estatisticamente como do
ponto de vista da receita fiscal.
O habitualmente
frio e contido ex-Chefe do Governo, Pedro Passos Coelho, desta vez, perdeu a
calma no final do debate, enfurecido com António Costa, pelo facto de este haver
utilizado contra o XIX Governo e o XX, do PSD e o CDS, o caso ontem revelado pelo
“Público”.
Postado no
seu lugar na primeira fila da bancada do PSD, Passos falou alto (com os
microfones desligados, pois o seu partido já não dispunha de tempo regimental
para intervir) e de dedo
espetado para António Costa, a quem acusou de “insinuações de baixo nível” e de
não ter “moral” para fazer a denúncia que estava a fazer.
Esta
indignação do líder do PSD, que o Primeiro-Ministro definira como um “pessimista
irritado”, deu azo a um pequeno compasso de espera no decorrer do debate,
levando a interveniente seguinte, Heloísa Apolónia, a esperar alguns momentos
antes de usar a palavra.
O que provocou
esta anormal irritação do líder socialdemocrata, além da denúncia parlamentar do
caso revelado pelo “Público”, foram
as considerações tecidas por Costa sobre o caso. Com efeito, o Chefe do Governo
vincou, por exemplo, como “absolutamente escandaloso” que um Governo [PSD/CDS] “que não acabou com a penhora da casa de família
tenha tido a incapacidade de verificar o que se passou com dez mil milhões”. E,
por outro lado, ironizou ao acusar a anterior maioria de ter permitido com a “maior
tranquilidade” a fuga de capitais sem vigilância fiscal eficaz, enquanto se
mostrava “implacável” com o imposto automóvel ou com as multas das portagens
das antigas SCUT.
Quando a
questão foi abordada pela primeira vez no debate de hoje, Passos Coelho declarou
que desconhecia o caso – mas apresentou a disponibilidade do seu partido para perceber
tudo o que se passou, “até às últimas consequências”. Na mira da maioria de esquerda
está, em primeira linha, Paulo Núncio, o Secretário dos Assuntos Fiscais do
governo PSD/CDS, e, logo a seguir, os ministros das Finanças desses governos, Vítor
Gaspar e Maria Luís Albuquerque.
Depois de
ouvir Pedro Passos Coelho dizer que nada sabia do caso dos dez mil milhões de
euros que voaram sem peias, Jerónimo de Sousa concluiu, ironizando: “Vai-se a ver e a culpa foi das empregadas da
limpeza que desligaram os computadores enquanto faziam as limpezas”.
Porém, já
antes de Passos Coelho se pronunciar, a líder do CDS, Assunção Cristas, tinha
acusado o Governo de, com isto, estar a “plantar notícias” para “fazer uns números”
no debate parlamentar. Esta acusação brejeira surgiu depois de António Costa
ter dito “que os únicos contribuintes poupados [na legislatura 2011-2015] foram os que levaram o dinheiro para as offshores e que a autoridade fiscal não
controlou”. De facto, quase todos os outros foram esbulhados!
O
Primeiro-Ministro tinha respondido, por sua vez, a uma primeira intervenção da
líder do CDS onde esta, a propósito do imposto sobre produto petrolíferos (ISP), disse que a governação do PS se tem caraterizado por
gerar “um grande aumento de impostos indiretos”.
E, no atinente
aos dez mil milhões voadores, Assunção Cristas garantiu: “Nós estamos muito
tranquilos. Não há medo nenhum de descobrir”. E acrescentou de pronto: “Sabemos
o que fizemos, contratamos mais de mil inspetores e os prazos de
prescrição [de ilícitos fiscais relacionados com paraísos fiscais] foram alargados [de quatro] para doze anos”.
A líder do
CDS perguntou ainda porque autorizou o Governo que passasse a ser possível
transferir dinheiro para os paraísos fiscais do Uruguai, Ilha de Man e ilha de
Jersey – 600 milhões em 2016, segundo disse –, questão que António Costa
contornou dizendo que isso foi possível porque a OCDE transformou estas praças
em offshores autorizados e
colaborantes.
Depois,
Cristas quis saber “qual é a dívida pública” em 2016, ao que o Primeiro-Ministro
respondeu que a “dívida líquida” baixou em 2016 e que a dívida bruta, que
aumentou no ano passado, atingindo o seu máximo”, nesta altura “já é inferior”
ao que era a 31 de dezembro.
Na resposta
às críticas da deputada centrista sobre a política fiscal, Costa anotou “que o
que este Governo defendeu foi o desagravamento fiscal” e acusou a agora deputada
e ex-governante de entender então que “era necessário aumentar o custo das
refeições de todos aqueles que têm de fazer refeições fora de casa”, quando a
redução do IVA na restauração acabou por estimular a criação de emprego. Por
outro lado, o Chefe do Governo mostrou-se preocupado muito mais em ter
conseguido aqui a redução do pagamento especial por conta e disse que “a
política fiscal é uma política de opções e poupar nos rendimentos de trabalho é
uma opção correta.
E Cristas aproveitou
o ensejo para anunciar que tinha solicitado uma audiência ao Presidente da
República (que está agendada para o próximo dia 24) para se queixar da esquerda, “que oprime dos direitos” a minoria PSD/CDS,
nomeadamente no caso CGD.
Este anúncio
de Cristas levou o Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, a assegurar,
por seu turno, que a porta do seu gabinete “está sempre aberta” para os
deputados se queixarem e aludiu à Constituição, que estabelece a separação de
poderes, para significar que o Parlamento não responde perante o Presidente da
República.
Nuno
Magalhães, líder parlamentar do CDS, respondeu a Ferro Rodrigues, aduzindo que
a condução dos trabalhos “não permite esse tipo de apartes” da parte do
Presidente do Parlamento. E assegurou que o CDS escolhe com quem fala,
acrescentando que foi o senhor Presidente [da Assembleia da República] quem
fechou a porta na cara ao PSD e ao CDS”, remetendo para decisões de Ferro
Rodrigues contrárias aos interesses do PSD e do CDS no que toca aos inquéritos
parlamentares da CGD.
***
Mas,
voltando à questão do voo multimilionário, é de referir que o debate começou
com Catarina Martins, do Bloco de Esquerda (BE), a fazer, a propósito deste caso, uma exigência ao Primeiro-Ministro: “Queria o seu compromisso de que não se vai
resolver tudo com uma amnistia fiscal”.
Na sua
resposta, António Costa não disse nem que sim nem que não, ignorando a
exigência e evidenciando somente a versão governamental do caso, no sentido de
que se verificou a existência de vinte declarações, que reportam transferências
de capital, “apresentadas sem tratamento pela AT”, num montante que “ascende a
dez mil milhões de euros”.
Catarina
Martins, na contrarresposta, anuncia que o BE voltará a insistir num projeto
proibindo transferências para offshores
não cooperantes, recordando pelo meio que essa proposta foi em tempos chumbada
com os votos do PS. E aproveitou a oportunidade para questionar também Costa
sobre a privatização do Novo Banco.
A este respeito,
Costa garantiu que “o Estado em caso algum perderá 3900 milhões ou qualquer
parcela, sendo que aquele montante é “um empréstimo ao Fundo de Resolução e
será suportado por sistema financeiro”. E enunciou as três condições para um
negócio de venda do Novo Banco à Lone Star: “continuidade duradoura” do banco; inexistência
de “garantias do Estado” ao comprador; e que a solução final seja a do “menor
impacto” no sistema bancário.
Por sua vez,
João Paulo Correia, do PS, diz também, no caso dos dez mil milhões voadores,
que Passos Coelho foi “incapaz de responder sobre o que aconteceu”, preferindo
fazer perguntas. E avançou com outros ataques à anterior maioria PSD/CDS,
dizendo que “deixou uma bomba-relógio no sistema financeiro” com o Banif e a
CGD: “Conhecia os problemas e nada fez”.
António
Costa, na sua resposta, aproveitou para fazer durante largos minutos um discurso
de oposição à oposição, dizendo que “é absolutamente extraordinária a
arrogância com que fazem oposição mantendo a arrogância com que governaram
durante quatro anos” e concluiu que o PSD está “no grau zero da política” e a “chegar
à bisbilhotice”, quando pede as mensagens de telemóvel trocadas entre Mário
Centeno e António Domingues.
***
Não se
percebe como os que governam o país cometem erros por ação ou por omissão, por
ideologia ou por pragmatismo, sem que, ao serem-lhes apontados os erros, saibam
reconhecê-los, explicar-se e pedir desculpa. Se errar é humano, cabe a quem
erra reconhecer o erro e não voltar-se contra quem denuncia o erro. Por seu turno,
o denunciante não tem o direito de cantar vitória porque topou um erro, pois,
como julgar, poderá vir a ser julgado.
Assim,
questiono-me porque se irritou Passos Coelho, acusando Costa de falta de moral,
depois de candidamente dizer que de nada sabia. E pergunto-me por que se
divertiu Cristas a acusar botanicamente o Governo de “plantar notícias” e de aritmeticamente
de “fazer uns números” (Ou serão números de circo, de teatro, de variedades,
etc.?) Mas Costa também se explicou mal
sobre o facto de a OCDE ter transformado as praças do “Uruguai, Ilha de Man e
ilha de Jersey” em “offshores
autorizados e colaborantes” e foi temerário ao garantir que a descida do IVA na
restauração provocou por si o aumento de emprego.
Por outro
lado, sabe-se que o PSD faz a birra de continuar o folhetim da CGD recuperando
as guerras do alecrim e da manjerona do século XVIII, talvez para criar
condições para a privatização, o que parece que o CDS não quer. E, sem assunto,
há que desgastar o Governo com o episódio da Caixa. Já todos percebemos que
houve acordo de cavalheiros entre Domingues e Centeno, que talvez isso tivesse até
sido conveniente para o devir das negociações com a Europa. Porém, como as coisas
acabaram por não correr bem, Centeno tinha uma coisa a fazer: pedir desculpas,
reconhecendo o erro. Reagan, Clinton e Hollande fizeram-no por motivos
diferentes e não lhes caíram os parentes na lama por isso.
Quanto a
debates quinzenais no Parlamento, poupem-nos a este debate democrático de mau
gosto. Se nos queremos divertir, vamos ao futebol ou ao cinema. E temos o
Carnaval, que é quando o homem quiser, pois alguns e algumas andam com a máscara
o ano inteiro!
E essa de um
partido se ir queixar ao pai Presidente não lembrava ao mafarrico…
2017.02.22 – Louro de Carvalho
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