quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória

Foi apresentado, no passado dia 11 de fevereiro, o documento com o título enunciado em epígrafe, à luz do “Perfil dos alunos para o século XXI”, elaborado pelo Grupo de Trabalho criado nos termos do Despacho n.º 9311/2016, de 21 de julho, coordenado pelo doutor Guilherme d’Oliveira Martins, Administrador da Fundação Calouste Gulbenkian.
O documento está em discussão pública até ao próximo dia 13 de março, devendo os interessados em participar no debate enviar, até essa data, os seus contributos através do formulário eletrónico apresentado no site: http://area.dge.mec.pt/perfil/.
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Na introdução, o grupo de trabalho denuncia as marcas do século XXI no âmbito das incertezas psicossociais, dos debates sobre identidade e segurança e da maior proximidade dos riscos da sustentabilidade do planeta e da humanidade apesar dos avanços científicos e tecnológicos.
Num quadro em que a educação estabelece necessariamente conexões entre passado e futuro, indivíduo e sociedade, desenvolvimento de competências e formação de identidades, a escola emerge como “lugar privilegiado para os jovens adquirirem as aprendizagens essenciais, equacionadas em função da evolução do conhecimento e dos contextos histórico-sociais”.
Face ao espectro atomizado e setorial do currículo escolar a sacrificar a visão integrada dos instrumentos curriculares e das aprendizagens a desenvolver durante a escolaridade, o documento explicita “princípios, visão, valores, competências e as decorrentes aprendizagens dos alunos ao longo de 12 anos de escolaridade”, constituindo um referencial convocador dos esforços e convergência da sociedade para o desenvolvimento de iniciativas e ações orientadas para assegurar o acesso a uma educação de qualidade para todas as crianças e jovens.
Estabelece-se uma visão e um compromisso de escola que se constitui para a sociedade “como um guia que enuncia os princípios fundamentais em que assenta uma educação que se quer inclusiva”. É a visão do que se deseja que os jovens alcancem, sendo, para isso, necessário o compromisso da escola, a ação dos professores e o empenho das famílias e encarregados de educação. Assim, todos os que, direta ou indiretamente, têm responsabilidades na educação encontram aqui a matriz da tomada de decisão sobre opções de desenvolvimento curricular, consistentes com uma visão de futuro relevante para os jovens do nosso tempo.
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Os oito princípios subjacentes à natureza curricular do perfil dos alunos são:
1. Um perfil de base humanista, devendo escola dotar os jovens de conhecimento (para uma sociedade centrada na pessoa e na dignidade humana como valores inestimáveis) para a construção de uma sociedade mais justa e para agirem sobre o mundo enquanto bem a preservar.
2. Educar ensinando para a consecução efetiva das aprendizagens, que são o centro do processo educativo e induzem o domínio de competências e saberes que sustentem o desenvolvimento da capacidade de aprender e valorizar a educação ao longo da sua vida.
3. Incluir como requisito de educação, ou seja, tornar a escolaridade obrigatória de todos e para todos, agregando “uma diversidade de alunos tanto do ponto de vista socioeconómico e cultural” como “do ponto de vista cognitivo e motivacional”, de modo que “todos possam entender que a exclusão é incompatível com o conceito de equidade e democracia”.
4. Contribuir para o desenvolvimento sustentável, anulando “os riscos de sustentabilidade que afetam o planeta e o ser humano” e ganhando perspetiva globalizante que assente na ação local.
5. Educar ensinando com coerência e flexibilidade, ou seja, apostando na flexibilidade do currículo, do trabalho conjunto dos professores sobre o currículo, do acesso e participação dos alunos no seu processo de formação e construção de vida, para “explorar temas diferenciados” e “trazer a realidade para o centro das aprendizagens visadas”.
6. Agir com adaptabilidade e ousadia, pois a incerteza do século implica a perceção de que é fundamental moldar-se a novos contextos e novas estruturas, mobilizando as competências-chave, mas preparando-se “para atualizar conhecimento e desempenhar novas funções”.
7. Garantir a estabilidade, educando para um perfil de competências alargado, com recurso a tempo e persistência, que permita fazer face a uma revolução numa qualquer área do saber e ter estabilidade para que o sistema se adeqúe e as orientações introduzidas produzam efeito.
8. Valorizar o saber, pois toda a ação, de forma reflexiva, deve ser sustentada num efetivo conhecimento, tendo a escola como missão “despertar e promover a curiosidade intelectual e criar cidadãos que, ao longo da sua vida, valorizam o saber”.  
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A visão que perpassa o documento visando o termo da escolaridade é a de um jovem cidadão:
. Dotado de literacia que lhe permita analisar e questionar criticamente a realidade, avaliar e selecionar a informação, formular hipóteses e tomar decisões fundamentadas no quotidiano;
. Livre, autónomo, responsável e consciente de si e do mundo;
. Capaz de lidar com a mudança e a incerteza;
. Ciente da importância e desafio oferecidos conjuntamente pelas Artes, Humanidades, Ciência e Tecnologia para a sustentabilidade social, cultural, económica e ambiental;
. Capaz de pensar critica e autonomamente, criativo, com competência de trabalho colaborativo e capacidade de comunicação;
. Apto a continuar aprendizagem ao longo da vida, como fator decisivo do desenvolvimento pessoal e da intervenção social;
. Conhecedor e respeitador dos princípios fundamentais da sociedade democrática e dos direitos, garantias e liberdades em que assenta;
. Que valorize o respeito pela dignidade humana, pelo exercício da cidadania plena, pela solidariedade para com os outros, pela diversidade cultural e pelo debate democrático;
. Que rejeite todas as formas de discriminação e de exclusão social.
São desígnios que se complementam, interpenetram e reforçam num modelo de escolaridade orientado para a aprendizagem com vista à qualificação individual e à cidadania democrática.
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O quadro de 5 grupos de valores que o documento perfilha diz respeito a todas as crianças e jovens, que devem ser encorajados a pô-los em prática, nas suas atividades de aprendizagem, como parâmetros a “pautar a cultura de escola, mais ainda o ethos da escola”. São eles:
1. Responsabilidade e integridade. Cada um deve respeitar-se a si e aos outros; agir consciente do dever de responder pelas suas ações; e ponderar as ações segundo o bem comum.
2. Excelência e exigência, aspirando ao trabalho bem feito, ao rigor e superação; sendo perseverante face às dificuldades; tendo consciência de si e dos outros; e sendo sensível e solidário para com os outros.
3. Curiosidade, reflexão e inovação, querendo sempre aprender mais, desenvolver o pensamento reflexivo, crítico e criativo e procurar novas soluções e aplicações.
4. Cidadania e participação, respeitando a diversidade humana e cultural e agindo conforme os princípios dos direitos humanos; negociando a solução de conflitos em prol da solidariedade e da sustentabilidade ecológica; sendo cidadão de iniciativa, interventivo e empreendedor.
5. Liberdade, com autonomia pessoal centrada nos direitos humanos, na democracia, na cidadania, na equidade, no respeito mútuo, na livre escolha e no bem comum.
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E as 10 competências-chave que o documento elenca, para as quais define especificadores e descritores operativos e de que infere consequências práticas, são:
Linguagens e textos;
Informação e comunicação;
Raciocínio e resolução de problemas;
Pensamento crítico e pensamento criativo;
Relacionamento interpessoal;
Autonomia e desenvolvimento pessoal;
Bem-estar e saúde;
Sensibilidade estética e artística;
Saber técnico e tecnologias;
Consciência e domínio do corpo.
Mas vem a advertência clara:
Estas competências são complementares e a sua enumeração não pressupõe qualquer hierarquia interna entre as mesmas. Nenhuma delas, por outro lado, corresponde a uma área curricular específica, sendo que em cada área curricular estão necessariamente envolvidas múltiplas competências, teóricas e práticas. Pressupõem o desenvolvimento de literacias múltiplas, tais como a leitura e a escrita, a numeracia e a utilização das tecnologias de informação e comunicação, que são alicerces para aprender e continuar a aprender ao longo da vida.”
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A capacidade de comunicação é uma dos vectores a valorizar nas aprendizagens dos alunos, de modo que se rejeita o sistema de monólogo e se privilegia a interação, sendo esta uma das consequências práticas em sala de aula que o ME (Ministério da Educação) espera alcançar com o novo perfil de competências de alunos. É um perfil que implica alterações que passam em muito por recentrar o lugar do aluno na aprendizagem. Com efeito, antes de se proceder a uma revisão curricular, é preciso saber que estudante se quer.
Depois, é preciso que se criem na escola “espaços e tempos para que os alunos intervenham livre e responsavelmente” e se promovam, “de forma sistemática, na sala de aula e fora dela, atividades que permitam ao aluno fazer escolhas, confrontar pontos de vista, resolver problemas e tomar decisões com base em valores”. E os professores deverão “abordar os conteúdos de cada área de saber em associação a situações e problemas presentes no quotidiano da vida do aluno ou presentes no meio sociocultural em que insere”. E também a avaliação muda. Com efeito, se o alargamento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos [aprovado em 2009 e concretizado a partir de 2012/2013] foi um ato legislativo e administrativo, doravante passa a ser também um ato educativo a responder à questão: “Porquê estar na escola até aos 18 anos?”. Daí, será necessário aferir se os alunos têm os conhecimentos que são apontados como essenciais.
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No âmbito da consulta pública do documento, o ME quer ouvir os alunos e os conselhos gerais das escolas/agrupamentos e saber o que eles têm a dizer. Por outro lado, no quadro da organização curricular, pretende-se que as escolas definam 25% do currículo. Com efeito, o documento apresentado no dia 11 é o pontapé de saída para “um puzzle maior”, segundo o Secretário de Estado da Educação João Costa. E deste puzzle farão parte, entre outras peças, a definição de quais serão as aprendizagens essenciais a integrar no currículo e também que partes deste serão de decisão das escolas. E o Secretário de Estado adiantou que, “se tudo correr bem, no próximo ano letivo, nos anos iniciais de ciclo, já se estará a trabalhar nesta base”.
E o Ministro advertiu, no final da sessão de apresentação do perfil de competências:
“Não há mais – e há muito que não as há – ciências ditas “duras” e ciências ditas “moles”, saberes essenciais e saberes dispensáveis; conhecimento material útil e cultura acessória e inútil”.
O Ministro demarca-se, uma vez mais, das opções adotadas pelo anterior titular da pasta, que elegeu um número reduzido de disciplinas como sendo “estruturantes”, entre elas o Português e Matemática e baniu o ensino por competências.
O perfil de competências, que o ME assumirá como um referencial para todos, mas longe de ser um instrumento de uniformidade, está agora em consulta pública, que o ME pretende transformar num “processo proativo”, desafiando por exemplo os conselhos gerais das escolas a pronunciarem-se. Na verdade, os conselhos gerais são os órgãos máximos das escolas, onde têm assento representantes dos professores, dos pais, dos alunos e das comunidades locais.
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Só era de desejar que os conselhos gerais se assumissem sempre como verdadeiros órgãos de direção estratégica (e não serventuários de diretor, autarquia, interesses, etc.), a sua eleição funcionasse mesmo dentro dos princípios da verdadeira democraticidade e representatividade e o desempenho fosse exemplar, bem longe da pobreza franciscana que por aí se vê.
Por outro lado, o documento em causa, ao menos funciona como um belo complexo de utopia a puxar pela escola e pelos educadores. Mas o ME tem de calendarizar um megaprocesso de formação para todo os operadores educativos. Caso contrário, nada feito!

2017.02.15 – Louro de Carvalho

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