Foi
apresentado, no passado dia 11 de fevereiro, o documento com o título enunciado
em epígrafe, à luz do “Perfil dos alunos para o século XXI”, elaborado pelo
Grupo de Trabalho criado nos termos do Despacho n.º 9311/2016, de 21 de julho,
coordenado pelo doutor Guilherme d’Oliveira
Martins, Administrador da Fundação Calouste Gulbenkian.
O documento está em discussão pública até ao próximo dia 13
de março, devendo os interessados em participar no debate enviar, até essa
data, os seus contributos
através do formulário eletrónico apresentado no site:
http://area.dge.mec.pt/perfil/.
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Na
introdução, o grupo de trabalho denuncia as marcas do século XXI no âmbito das
incertezas psicossociais, dos debates sobre identidade e segurança e da maior
proximidade dos riscos da sustentabilidade do planeta e da humanidade apesar
dos avanços científicos e tecnológicos.
Num
quadro em que a educação estabelece necessariamente conexões entre passado e
futuro, indivíduo e sociedade, desenvolvimento de competências e formação de
identidades, a escola emerge como “lugar privilegiado para os jovens adquirirem
as aprendizagens essenciais, equacionadas em função da evolução do conhecimento
e dos contextos histórico-sociais”.
Face
ao espectro atomizado e setorial do currículo escolar a sacrificar a visão
integrada dos instrumentos curriculares e das aprendizagens a desenvolver
durante a escolaridade, o documento explicita “princípios, visão, valores,
competências e as decorrentes aprendizagens dos alunos ao longo de 12 anos de
escolaridade”, constituindo um referencial convocador
dos esforços e convergência da sociedade para o desenvolvimento de iniciativas
e ações orientadas para assegurar o acesso a uma educação de qualidade para
todas as crianças e jovens.
Estabelece-se
uma visão e um compromisso de escola que se constitui para a sociedade “como um
guia que enuncia os princípios fundamentais em que assenta uma educação que se
quer inclusiva”. É a visão do que se deseja que os jovens alcancem, sendo, para
isso, necessário o compromisso da escola, a ação dos professores e o empenho
das famílias e encarregados de educação. Assim, todos os que, direta ou
indiretamente, têm responsabilidades na educação encontram aqui a matriz da
tomada de decisão sobre opções de desenvolvimento curricular, consistentes com uma
visão de futuro relevante para os jovens do nosso tempo.
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Os oito princípios
subjacentes à natureza curricular do perfil dos alunos são:
1. Um perfil de base humanista, devendo escola dotar os jovens de conhecimento (para uma sociedade centrada na pessoa e na dignidade humana
como valores inestimáveis) para a construção de
uma sociedade mais justa e para agirem sobre o mundo enquanto bem a preservar.
2. Educar ensinando para a consecução efetiva das aprendizagens, que são o centro do processo educativo e induzem o domínio
de competências e saberes que sustentem o desenvolvimento da capacidade de
aprender e valorizar a educação ao longo da sua vida.
3. Incluir como requisito de educação, ou seja, tornar a escolaridade obrigatória de todos e para
todos, agregando “uma diversidade de alunos tanto do ponto de vista
socioeconómico e cultural” como “do ponto de vista cognitivo e motivacional”,
de modo que “todos possam entender que a exclusão é incompatível com o conceito
de equidade e democracia”.
4. Contribuir para o
desenvolvimento sustentável, anulando “os riscos de sustentabilidade
que afetam o planeta e o ser humano” e ganhando perspetiva globalizante que
assente na ação local.
5. Educar ensinando
com coerência e flexibilidade, ou seja, apostando na flexibilidade do
currículo, do trabalho conjunto dos professores sobre o currículo, do acesso e
participação dos alunos no seu processo de formação e construção de vida, para “explorar
temas diferenciados” e “trazer a realidade para o centro das aprendizagens
visadas”.
6. Agir com
adaptabilidade e ousadia, pois a incerteza do século implica a perceção
de que é fundamental moldar-se a novos contextos e novas estruturas, mobilizando
as competências-chave, mas preparando-se “para atualizar conhecimento e
desempenhar novas funções”.
7. Garantir a
estabilidade, educando
para um perfil de competências alargado, com recurso a tempo e persistência,
que permita fazer face a uma revolução numa qualquer área do saber e ter
estabilidade para que o sistema se adeqúe e as orientações introduzidas
produzam efeito.
8. Valorizar o saber,
pois toda a ação, de forma reflexiva, deve ser sustentada num efetivo conhecimento,
tendo a escola como missão “despertar e promover a curiosidade intelectual e
criar cidadãos que, ao longo da sua vida, valorizam o saber”.
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A visão que perpassa o documento visando o termo da escolaridade é a
de um jovem cidadão:
. Dotado de literacia que lhe permita
analisar e questionar criticamente a realidade, avaliar e selecionar a
informação, formular hipóteses e tomar decisões fundamentadas no quotidiano;
. Livre, autónomo, responsável
e consciente de si e do mundo;
. Capaz de lidar com a
mudança e a incerteza;
. Ciente da importância e desafio
oferecidos conjuntamente pelas Artes, Humanidades, Ciência e Tecnologia para a sustentabilidade
social, cultural, económica e ambiental;
. Capaz de pensar critica e
autonomamente, criativo, com competência de trabalho colaborativo e capacidade
de comunicação;
. Apto a continuar aprendizagem
ao longo da vida, como fator decisivo do desenvolvimento pessoal e da
intervenção social;
. Conhecedor e respeitador dos
princípios fundamentais da sociedade democrática e dos
direitos, garantias e liberdades em que assenta;
. Que valorize o respeito pela dignidade
humana, pelo exercício da cidadania plena, pela solidariedade para com
os outros, pela diversidade cultural e pelo debate democrático;
. Que rejeite todas as formas de discriminação
e de exclusão social.
São desígnios que se
complementam, interpenetram e reforçam num modelo de escolaridade orientado para
a aprendizagem com vista à qualificação individual e à cidadania democrática.
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O quadro de 5 grupos de valores que
o documento perfilha diz respeito a todas
as crianças e jovens, que devem ser encorajados a pô-los em prática, nas suas
atividades de aprendizagem, como parâmetros a “pautar a cultura de escola, mais
ainda o ethos da escola”. São eles:
1. Responsabilidade e integridade.
Cada um deve respeitar-se a si e aos outros; agir consciente do dever de
responder pelas suas ações; e ponderar as ações segundo o bem comum.
2. Excelência e exigência, aspirando
ao trabalho bem feito, ao rigor e superação; sendo perseverante face às
dificuldades; tendo consciência de si e dos outros; e sendo sensível e solidário
para com os outros.
3. Curiosidade, reflexão e inovação, querendo sempre aprender mais, desenvolver o pensamento
reflexivo, crítico e criativo e procurar novas soluções e aplicações.
4. Cidadania e participação, respeitando
a diversidade humana e cultural e agindo conforme os princípios dos direitos
humanos; negociando a solução de conflitos em prol da solidariedade e da
sustentabilidade ecológica; sendo cidadão de iniciativa, interventivo e empreendedor.
5. Liberdade, com
autonomia pessoal centrada nos direitos humanos, na democracia, na cidadania,
na equidade, no respeito mútuo, na livre escolha e no bem comum.
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E as 10 competências-chave que o documento
elenca, para as quais define especificadores e descritores operativos e de que
infere consequências práticas, são:
Linguagens
e textos;
Informação
e comunicação;
Raciocínio
e resolução de problemas;
Pensamento
crítico e pensamento criativo;
Relacionamento
interpessoal;
Autonomia
e desenvolvimento pessoal;
Bem-estar
e saúde;
Sensibilidade
estética e artística;
Saber
técnico e tecnologias;
Consciência
e domínio do corpo.
Mas vem a advertência clara:
“Estas competências são
complementares e a sua enumeração não pressupõe qualquer hierarquia interna
entre as mesmas. Nenhuma delas, por outro lado, corresponde a uma área
curricular específica, sendo que em cada área curricular estão necessariamente
envolvidas múltiplas competências, teóricas e práticas. Pressupõem o
desenvolvimento de literacias múltiplas, tais como a leitura e a escrita, a
numeracia e a utilização das tecnologias de informação e comunicação, que são
alicerces para aprender e continuar a aprender ao longo da vida.”
***
A capacidade
de comunicação é uma dos vectores a valorizar nas aprendizagens dos alunos, de
modo que se rejeita o sistema de monólogo e se privilegia a interação,
sendo esta uma das consequências práticas em sala de aula que o ME (Ministério
da Educação) espera
alcançar com o novo perfil de competências de alunos. É um perfil que implica
alterações que passam em muito por recentrar o lugar do aluno na aprendizagem.
Com efeito, antes de se proceder a uma revisão curricular, é preciso saber que
estudante se quer.
Depois, é
preciso que se criem na escola “espaços e tempos para que os alunos intervenham
livre e responsavelmente” e se promovam, “de forma sistemática, na sala de aula
e fora dela, atividades que permitam ao aluno fazer escolhas, confrontar pontos
de vista, resolver problemas e tomar decisões com base em valores”. E os
professores deverão “abordar os conteúdos de cada área de saber em associação a
situações e problemas presentes no quotidiano da vida do aluno ou presentes no
meio sociocultural em que insere”. E
também a avaliação muda. Com efeito, se o alargamento da escolaridade
obrigatória até aos 18 anos [aprovado em 2009 e concretizado a partir de 2012/2013] foi um ato legislativo e administrativo, doravante
passa a ser também um ato educativo a responder à questão: “Porquê estar na escola
até aos 18 anos?”. Daí, será necessário
aferir se os alunos têm os conhecimentos que são apontados como
essenciais.
No âmbito da
consulta pública do documento, o ME quer ouvir os alunos e os conselhos gerais
das escolas/agrupamentos e saber o que eles têm a dizer. Por outro lado, no
quadro da organização curricular, pretende-se que as escolas definam 25% do
currículo. Com efeito, o documento apresentado no dia 11 é o pontapé de saída
para “um puzzle maior”, segundo o Secretário de Estado da Educação João Costa.
E deste puzzle farão parte, entre outras peças, a definição de quais serão as
aprendizagens essenciais a integrar no currículo e também que partes deste
serão de decisão das escolas. E o Secretário de Estado adiantou que, “se tudo
correr bem, no próximo ano letivo, nos anos iniciais de ciclo, já se estará a
trabalhar nesta base”.
E o Ministro
advertiu, no final da sessão de apresentação do perfil de competências:
“Não há mais – e há muito que não as há – ciências ditas “duras” e ciências
ditas “moles”, saberes essenciais e saberes dispensáveis; conhecimento material
útil e cultura acessória e inútil”.
O Ministro
demarca-se, uma vez mais, das opções adotadas pelo anterior titular da pasta,
que elegeu um número reduzido de disciplinas como sendo “estruturantes”, entre
elas o Português e Matemática e baniu o ensino por competências.
O perfil de
competências, que o ME assumirá como um referencial para todos, mas longe de
ser um instrumento de uniformidade, está agora em consulta pública, que o ME
pretende transformar num “processo proativo”, desafiando por exemplo os
conselhos gerais das escolas a pronunciarem-se. Na verdade, os conselhos gerais
são os órgãos máximos das escolas, onde têm assento representantes dos
professores, dos pais, dos alunos e das comunidades locais.
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Só era de desejar que os conselhos gerais se
assumissem sempre como verdadeiros órgãos de direção estratégica (e não serventuários de diretor, autarquia, interesses, etc.), a sua eleição funcionasse mesmo dentro dos princípios da verdadeira
democraticidade e representatividade e o desempenho fosse exemplar, bem longe
da pobreza franciscana que por aí se vê.
Por
outro lado, o documento em causa, ao menos funciona como um belo complexo de
utopia a puxar pela escola e pelos educadores. Mas o ME tem de calendarizar um
megaprocesso de formação para todo os operadores educativos. Caso contrário,
nada feito!
2017.02.15 – Louro de Carvalho
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