O debate decorreu
em Lisboa, no auditório Camões, da Escola Secundária Camões, a 10 de fevereiro,
com um programa que constou de uma intervenção, pelas 10 horas, de Andreas Schleicher, Diretor de Educação e Competências da OCDE e de uma
mesa redonda, a partir das 11 horas, e foi promovido pela Fundação Francisco
Manuel dos Santos (FFMS).
A
mesa-redonda foi moderada por Eduardo Marçal Grilo, membro do Conselho de Curadores da FFMS e
Presidente do Conselho Geral da Universidade de Aveiro, e nela participaram os
seguintes componentes: David Justino, Professor na Universidade Nova de Lisboa,
Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) e Ministro da Educação (2002‑2004); Isabel
Alçada, escritora, consultora do Presidente da República para a educação e
Ministra da Educação (2009‑2011); Maria do Carmo Seabra, Professora
de Economia na Universidade Nova de Lisboa e Ministra da Educação (2004‑2005); Maria de Lurdes Rodrigues,
Professora no ISCTE‑IUL e Ministra da Educação (2005‑2009); e Nuno Crato Professor de Matemática e Estatística no
ISEG, Universidade de Lisboa, e Ministro da Educação e Ciência (2011‑2015).
O Diretor
de Educação e Competências da OCDE juntou-se assim a anteriores responsáveis
governamentais em matéria educativa para debater os resultados do PISA nos
vários domínios e, em especial, o progresso dos alunos portugueses nestes
testes desde 2000.
***
Aquele
especialista da OCDE para a educação, na sua intervenção, avisou que Portugal
não está a fazer o suficiente para valorizar e dar visibilidade aos bons
exemplos da classe docente. Ora, os professores que têm mais visibilidade estão
“mais satisfeitos com as suas carreiras”; e o grau de satisfação é um
“importante preditor” do sucesso que os seus alunos terão no futuro.
O
interveniente alemão avançou com o exemplo de Xangai, onde os professores
colocam as aulas online, como um
exemplo de prática que ajuda a partilhar as boas experiências e a dar uma
sensação de reconhecimento aos docentes. Sustentou que os três pilares do
sucesso no trabalho dos professores são a preparação, a autonomia e a cultura
colaborativa – caraterísticas, sobretudo as duas últimas, que devem ser mais
trabalhadas. E, evocando os inquéritos do PISA, Schleicher disse que,
embora a esmagadora maioria dos professores portugueses afirme preparar os
alunos para que eles consigam trabalhar por si próprios, na prática o trabalho
em sala de aula é muito focado em exercícios de repetição e memorização.
Não
obstante, aquela destacada figura na OCDE, no debate dedicado à evolução do
país nos testes do PISA, não poupou elogios aos progressos nacionais desde 2000.
Todavia, é incisivo a apontar as fragilidades que o país tem de ultrapassar, a
começar pelas elevadas taxas de retenção e tendo em conta que a retenção afeta
sobretudo alunos oriundos de contextos mais carenciados, pelo que defende a
mobilização dos professores em torno da promoção do sucesso.
Sobre o facto de nos últimos testes PISA, pela
1.ª vez, os alunos portugueses terem ficado acima da média da OCDE, reconheceu
ter sido “um longo progresso que Portugal
fez” e que “é a maior história de sucesso na Europa”. Mas não pode ser
associada a um período específico. Começou em 2000 e muitas coisas contribuíram
para isso. E apontou algumas reformas estruturais, como a complexa e difícil de
consolidar a rede escolar, que no passado tinha escolas antigas, muito pequenas
e com poucos alunos, sem as oportunidades de hoje. Depois, sublinhou o enfoque
na qualidade do ensino. Na verdade, “Portugal deu mais atenção a formas de
atrair pessoas talentosas para a profissão, a apoiá-las melhor”. Por isso, há “mais
enfoque, mais rigor e coerência nos currículos escolares, tornando mais claro o
que significa uma boa prestação”.
Mais adiantou que Portugal tomou decisões difíceis a que outros países
se esquivaram. E reiterou o caso da “consolidação da rede escolar”, que “é
necessária em muitos países, mas poucos têm a coragem e a liderança para a
levar avante”.
Quanto à postura dos governos na crítica à
política educativa dos antecessores e à necessidade dum pretenso pacto na
educação, o especialista pensa que “houve
algumas diferenças nas orientações, mas muito menos do que em muitos outros
países”, tendo Portugal sido “bastante mais coerente nesta evolução”. Países
como França e Espanha “foram muito mais voláteis em termos de politizar a
educação”. Em Portugal, “houve coisas na margem – exame sim, exame não –, mas
não houve mudanças que afetassem os pilares da educação”. É óbvio que faltam mudanças
importantes, mas tem havido bastante coerência.
No atinente
à retenção, constata que “a percentagem de alunos com insucesso ainda é muito
elevada” e que “a resposta passa por conseguir que os professores percebam
melhor que os alunos aprendem de forma diferente e que consigam apoiar os alunos
de forma mais individualizada”. Depois, a “retenção é um sintoma de que o
professor não consegue ajudar o aluno, deixando-o fazer a mesma coisa outra vez”
e torna-se cara, ineficaz e estigmatizante. E, em Portugal, os que repetem o
ano nem são os que têm mais dificuldades de aprendizagem, mas os mais desfavorecidos.
Por isso, há que implantar “um sistema que diagnostica precocemente as
fraquezas dos alunos”. E deu o exemplo do Vietname, em que os 10% de alunos
mais pobres, vindos de contextos muito difíceis, obtêm resultados tão bons como
os alunos médios.
Relativamente
à massificação do nosso sistema educativo após a revolução abrilina, disse que isso
aconteceu em muitos países. Por exemplo, a Coreia, nos anos 1960, e o Vietname,
que nos últimos 20 anos triplicou a participação, tiveram a capacidade de alcançar
sucesso com alunos carenciados. Em Portugal, a influência dos fatores de
contexto ainda é muito forte, sendo esta uma área em que não se veem muitos
progressos.
Relativamente
ao facto de haver filosofias antagónicas e procedimentos diferentes em matéria
educativa (mais e menos horas de trabalho, mais e menos liberdade para os alunos) nos diversos países que o PISA avalia, disse haver “muito
mais pontos em comum do que diferenças”. Assim, em todos a sociedade atribui imenso
valor à educação, ninguém questionando o investimento nesta área; há a crença enraizada
de que “todos os alunos podem ter sucesso”; e os sistemas educativos revelam
capacidades “para tornarem o ensino atrativo”.
Lateralmente,
comentou a nomeação de Betsy DeVos, ativista da livre escolha de escola, para a
pasta da educação nos EUA, admitindo que é muito difícil de prever o resultado.
Confessou que “a Educação dos Estados Unidos já está em muito má forma”. Embora
tenham “todo o dinheiro que se imagine”, contudo “os resultados em Matemática
são piores do que os portugueses”. Dificilmente a livre escolha “será a
resposta para todos os problemas” e “o sistema de escolas dos Estados Unidos
precisa de uma reforma significativa”.
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Na referida
mesa-redonda moderada por Marçal Grilo e composta pelos elementos acima
referenciados houve concordância no balanço positivo da evolução dos resultados
dos alunos portugueses nos testes do PISA.
Registou-se
também um consenso em torno do problema da retenção. David Justino e Maria de
Lurdes Rodrigues identificaram a retenção como o principal problema do país.
Isabel Alçada defendeu que a obrigatoriedade de reprovar alunos perante
determinados resultados (três negativas ou duas, quando a Português e
Matemática) deveria ser substituída pela
conversão da reprovação numa “possibilidade, entre outras”. E, segundo Nuno
Crato, as reprovações baixaram bastante, considerando “residuais” as mais de 2%
que ainda existem no 4.º ano e repetindo a máxima de que os jovens devem
“passar todos, mas sabendo”.
Lurdes
Rodrigues deixou críticas a uma medida de Crato – os cursos vocacionais duais
do 3.º ciclo –, lembrando que a OCDE critica o encaminhamento precoce dos
alunos para estas vias.
Nuno Crato
defendeu as provas finais do 4.º ano e do 6.º, que introduziu e que, entretanto,
o atual Governo suprimiu, defendendo que “não fizeram mal a ninguém” e que nem
eram “bem exames”. Se não eram bem exames, o que eram? – pergunto eu.
Maria de
Lurdes Rodrigues deu por perdida a guerra que ela e outros antigos governantes
travaram pela avaliação dos professores, quer à entrada, quer no decurso das
carreiras, dada a forte contestação de que foi alvo, e defendeu que o país tem
“o desafio intelectual” e o “dever” de encontrar outras formas de garantir a
qualidade do ensino.
De facto, a
prova de acesso à profissão e o modelo de avaliação de desempenho foram dois
dos temas mais controversos da passagem de Lurdes Rodrigues pela pasta da
Educação, entre 2005 e 2009, contribuindo para greves e as duas maiores
manifestações de sempre no país.
Nuno Crato,
que tentou reiterar a introdução a prova de acesso à carreira (que Maria do
Carmo Seabra também defende),
enfrentando uma greve que coincidiu com alguns exames nacionais do secundário e
a rejeição do diploma pelo Tribunal Constitucional, defende ser “extremamente
grave que não se dê maior atenção àqueles que vão educar os nossos filhos” no
futuro, adiantando que o rejuvenescimento do corpo docente será a “questão central”.
O certo é
que os alunos portugueses tiveram o melhor desempenho de sempre nos testes
internacionais. Só não somos dos primeiros porque estamos nos três países, de
72, que mais retêm os seus alunos. Em 15 anos de testes do PISA, os nossos alunos
passaram dos últimos lugares, em 2000, para classificações acima da média nas
três áreas analisadas – Literacia Científica (501 pontos), Leitura (498) e Matemática (492).
Para
chegarmos mais longe, é preciso baixar a retenção, de forma consolidada,
garantindo que mais alunos passam de ano aprendendo e não por mecanismos meramente
administrativos.
Ao mesmo
tempo, há que encarar o abandono escolar precoce, que subiu de 13,7% para 14%
em 2016 por culpa do mercado de trabalho barato e, segunda Alçada, mercê da suspensão
do programa de formação para adultos na XII legislatura.
***
Porém, não
se pense isso depende apenas dos professores. Têm de se envolver rumo a tal
objetivo todos os intervenientes na educação – professores, pais, agentes
sociais e estruturas do poder – cuidando-se da sua formação contínua de acordo
com as necessidades reais de formação e promovendo a autoridade do Estado e de
seus agentes, bem como a disciplina na escola (deixando esta de ser uma espécie de
tribunal dos pequenos) e a
formação cívica em toda a linha.
Há muito que
fazer ainda na melhoria da escola e do ensino e prol do sucesso real!
2017.02.11 – Louro de Carvalho
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