sábado, 11 de fevereiro de 2017

O debate “PISA – Avaliação, Resultados, Desafios”

O debate decorreu em Lisboa, no auditório Camões, da Escola Secundária Camões, a 10 de fevereiro, com um programa que constou de uma intervenção, pelas 10 horas, de Andreas Schleicher, Diretor de Educação e Competências da OCDE e de uma mesa redonda, a partir das 11 horas, e foi promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS).

A mesa-redonda foi moderada por Eduardo Marçal Grilo, membro do Conselho de Curadores da FFMS e Presidente do Conselho Geral da Universidade de Aveiro, e nela participaram os seguintes componentes: David Justino, Professor na Universidade Nova de Lisboa, Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) e Ministro da Educação (2002‑2004); Isabel Alçada, escritora, consultora do Presidente da República para a educação e Ministra da Educação (2009‑2011); Maria do Carmo Seabra, Professora de Economia na Universidade Nova de Lisboa e Ministra da Educação (2004‑2005); Maria de Lurdes Rodrigues, Professora no ISCTE‑IUL e Ministra da Educação (2005‑2009); e Nuno Crato Professor de Matemática e Estatística no ISEG, Universidade de Lisboa, e Ministro da Educação e Ciência (2011‑2015).

O Diretor de Educação e Competências da OCDE juntou-se assim a anteriores responsáveis governamentais em matéria educativa para debater os resultados do PISA nos vários domínios e, em especial, o progresso dos alunos portugueses nestes testes desde 2000.

***
Aquele especialista da OCDE para a educação, na sua intervenção, avisou que Portugal não está a fazer o suficiente para valorizar e dar visibilidade aos bons exemplos da classe docente. Ora, os professores que têm mais visibilidade estão “mais satisfeitos com as suas carreiras”; e o grau de satisfação é um “importante preditor” do sucesso que os seus alunos terão no futuro.
O interveniente alemão avançou com o exemplo de Xangai, onde os professores colocam as aulas online, como um exemplo de prática que ajuda a partilhar as boas experiências e a dar uma sensação de reconhecimento aos docentes. Sustentou que os três pilares do sucesso no trabalho dos professores são a preparação, a autonomia e a cultura colaborativa – caraterísticas, sobretudo as duas últimas, que devem ser mais trabalhadas. E, evocando os inquéritos do PISA, Schleicher disse que, embora a esmagadora maioria dos professores portugueses afirme preparar os alunos para que eles consigam trabalhar por si próprios, na prática o trabalho em sala de aula é muito focado em exercícios de repetição e memorização.
Não obstante, aquela destacada figura na OCDE, no debate dedicado à evolução do país nos testes do PISA, não poupou elogios aos progressos nacionais desde 2000. Todavia, é incisivo a apontar as fragilidades que o país tem de ultrapassar, a começar pelas elevadas taxas de retenção e tendo em conta que a retenção afeta sobretudo alunos oriundos de contextos mais carenciados, pelo que defende a mobilização dos professores em torno da promoção do sucesso.
Sobre o facto de nos últimos testes PISA, pela 1.ª vez, os alunos portugueses terem ficado acima da média da OCDE, reconheceu ter sido “um longo progresso que Portugal fez” e que “é a maior história de sucesso na Europa”. Mas não pode ser associada a um período específico. Começou em 2000 e muitas coisas contribuíram para isso. E apontou algumas reformas estruturais, como a complexa e difícil de consolidar a rede escolar, que no passado tinha escolas antigas, muito pequenas e com poucos alunos, sem as oportunidades de hoje. Depois, sublinhou o enfoque na qualidade do ensino. Na verdade, “Portugal deu mais atenção a formas de atrair pessoas talentosas para a profissão, a apoiá-las melhor”. Por isso, há “mais enfoque, mais rigor e coerência nos currículos escolares, tornando mais claro o que significa uma boa prestação”.
Mais adiantou que Portugal tomou decisões difíceis a que outros países se esquivaram. E reiterou o caso da “consolidação da rede escolar”, que “é necessária em muitos países, mas poucos têm a coragem e a liderança para a levar avante”.
Quanto à postura dos governos na crítica à política educativa dos antecessores e à necessidade dum pretenso pacto na educação, o especialista pensa que “houve algumas diferenças nas orientações, mas muito menos do que em muitos outros países”, tendo Portugal sido “bastante mais coerente nesta evolução”. Países como França e Espanha “foram muito mais voláteis em termos de politizar a educação”. Em Portugal, “houve coisas na margem – exame sim, exame não –, mas não houve mudanças que afetassem os pilares da educação”. É óbvio que faltam mudanças importantes, mas tem havido bastante coerência.
No atinente à retenção, constata que “a percentagem de alunos com insucesso ainda é muito elevada” e que “a resposta passa por conseguir que os professores percebam melhor que os alunos aprendem de forma diferente e que consigam apoiar os alunos de forma mais individualizada”. Depois, a “retenção é um sintoma de que o professor não consegue ajudar o aluno, deixando-o fazer a mesma coisa outra vez” e torna-se cara, ineficaz e estigmatizante. E, em Portugal, os que repetem o ano nem são os que têm mais dificuldades de aprendizagem, mas os mais desfavorecidos. Por isso, há que implantar “um sistema que diagnostica precocemente as fraquezas dos alunos”. E deu o exemplo do Vietname, em que os 10% de alunos mais pobres, vindos de contextos muito difíceis, obtêm resultados tão bons como os alunos médios.
Relativamente à massificação do nosso sistema educativo após a revolução abrilina, disse que isso aconteceu em muitos países. Por exemplo, a Coreia, nos anos 1960, e o Vietname, que nos últimos 20 anos triplicou a participação, tiveram a capacidade de alcançar sucesso com alunos carenciados. Em Portugal, a influência dos fatores de contexto ainda é muito forte, sendo esta uma área em que não se veem muitos progressos.
Relativamente ao facto de haver filosofias antagónicas e procedimentos diferentes em matéria educativa (mais e menos horas de trabalho, mais e menos liberdade para os alunos) nos diversos países que o PISA avalia, disse haver “muito mais pontos em comum do que diferenças”. Assim, em todos a sociedade atribui imenso valor à educação, ninguém questionando o investimento nesta área; há a crença enraizada de que “todos os alunos podem ter sucesso”; e os sistemas educativos revelam capacidades “para tornarem o ensino atrativo”.
Lateralmente, comentou a nomeação de Betsy DeVos, ativista da livre escolha de escola, para a pasta da educação nos EUA, admitindo que é muito difícil de prever o resultado. Confessou que “a Educação dos Estados Unidos já está em muito má forma”. Embora tenham “todo o dinheiro que se imagine”, contudo “os resultados em Matemática são piores do que os portugueses”. Dificilmente a livre escolha “será a resposta para todos os problemas” e “o sistema de escolas dos Estados Unidos precisa de uma reforma significativa”.
***
Na referida mesa-redonda moderada por Marçal Grilo e composta pelos elementos acima referenciados houve concordância no balanço positivo da evolução dos resultados dos alunos portugueses nos testes do PISA.
Registou-se também um consenso em torno do problema da retenção. David Justino e Maria de Lurdes Rodrigues identificaram a retenção como o principal problema do país. Isabel Alçada defendeu que a obrigatoriedade de reprovar alunos perante determinados resultados (três negativas ou duas, quando a Português e Matemática) deveria ser substituída pela conversão da reprovação numa “possibilidade, entre outras”. E, segundo Nuno Crato, as reprovações baixaram bastante, considerando “residuais” as mais de 2% que ainda existem no 4.º ano e repetindo a máxima de que os jovens devem “passar todos, mas sabendo”.
Lurdes Rodrigues deixou críticas a uma medida de Crato – os cursos vocacionais duais do 3.º ciclo –, lembrando que a OCDE critica o encaminhamento precoce dos alunos para estas vias.
Nuno Crato defendeu as provas finais do 4.º ano e do 6.º, que introduziu e que, entretanto, o atual Governo suprimiu, defendendo que “não fizeram mal a ninguém” e que nem eram “bem exames”. Se não eram bem exames, o que eram? – pergunto eu.
Maria de Lurdes Rodrigues deu por perdida a guerra que ela e outros antigos governantes travaram pela avaliação dos professores, quer à entrada, quer no decurso das carreiras, dada a forte contestação de que foi alvo, e defendeu que o país tem “o desafio intelectual” e o “dever” de encontrar outras formas de garantir a qualidade do ensino.
De facto, a prova de acesso à profissão e o modelo de avaliação de desempenho foram dois dos temas mais controversos da passagem de Lurdes Rodrigues pela pasta da Educação, entre 2005 e 2009, contribuindo para greves e as duas maiores manifestações de sempre no país.
Nuno Crato, que tentou reiterar a introdução a prova de acesso à carreira (que Maria do Carmo Seabra também defende), enfrentando uma greve que coincidiu com alguns exames nacionais do secundário e a rejeição do diploma pelo Tribunal Constitucional, defende ser “extremamente grave que não se dê maior atenção àqueles que vão educar os nossos filhos” no futuro, adiantando que o rejuvenescimento do corpo docente será a “questão central”.
O certo é que os alunos portugueses tiveram o melhor desempenho de sempre nos testes internacionais. Só não somos dos primeiros porque estamos nos três países, de 72, que mais retêm os seus alunos. Em 15 anos de testes do PISA, os nossos alunos passaram dos últimos lugares, em 2000, para classificações acima da média nas três áreas analisadas – Literacia Científica (501 pontos), Leitura (498) e Matemática (492).
Para chegarmos mais longe, é preciso baixar a retenção, de forma consolidada, garantindo que mais alunos passam de ano aprendendo e não por mecanismos meramente administrativos.
Ao mesmo tempo, há que encarar o abandono escolar precoce, que subiu de 13,7% para 14% em 2016 por culpa do mercado de trabalho barato e, segunda Alçada, mercê da suspensão do programa de formação para adultos na XII legislatura.
***
Porém, não se pense isso depende apenas dos professores. Têm de se envolver rumo a tal objetivo todos os intervenientes na educação – professores, pais, agentes sociais e estruturas do poder – cuidando-se da sua formação contínua de acordo com as necessidades reais de formação e promovendo a autoridade do Estado e de seus agentes, bem como a disciplina na escola (deixando esta de ser uma espécie de tribunal dos pequenos) e a formação cívica em toda a linha.
Há muito que fazer ainda na melhoria da escola e do ensino e prol do sucesso real!

2017.02.11 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário