Maria Lima
Ferreira e Maria Assunção Flores, do CIEC (Centro de Investigação em Estudos da
Criança) da Universidade do Minho, deram
corpo a um estudo que, segundo o site
“educare”, “auscultou e analisou as perceções de liderança escolar e
desenvolvimento profissional em contexto de trabalho” e que, assim, constitui relevante
ponto de partida “para compreender melhor a liderança dos professores quer na
sua dimensão formal, quer na sua dimensão informal”. O
estudo foi vertido num trabalho sob o título “Perceções dos
professores sobre cultura e liderança escolar: implicações para o
desenvolvimento profissional dos professores”, que venceu o prémio de melhor
póster no 17.º Congresso Bienal da Associação Internacional de Estudo dos
Professores e do Ensino, que decorreu na Universidade de Auckland, na Nova
Zelândia, no ano de 2015.
O póster, selecionado pela comissão científica do congresso de
entre mais de 30 trabalhos além de cerca de cem comunicações orais, apresentou
os principais resultados duma tese de doutoramento. São resultados testemunham “a
influência das lideranças no desenvolvimento profissional dos professores,
relativamente à promoção e desenvolvimento de projetos e ao reconhecimento do
trabalho dos docentes”, bem como “as tensões e constrangimentos associados à
implementação de medidas políticas, relacionadas sobretudo com a avaliação dos
professores e a existência de diferentes subculturas nas escolas”.
O trabalho daquelas investigadoras portuguesas tornou-se
notável pela “qualidade, originalidade e relevância para o estudo dos
professores e do ensino”. Na sua perspetiva, os professores inquiridos salientaram a liderança exercida de modo participativo,
que lhes dá o ensejo de se envolverem na tomada de decisões. Não obstante,
registam-se bastantes constrangimentos que se traduzem uma como que espécie de pedras
no sapato. De entre eles, destacam: a burocracia, a falta de tempo e a não
valorização do seu trabalho por parte da tutela.
***
Na primeira fase do estudo, participaram 152 diretores de
escolas do norte do país e 170 professores que também desempenhavam a função de
coordenadores TIC/PTE, a quem foi aplicado um inquérito por questionário, ao qual
responderam. Na segunda fase, foram organizados grupos focais, tendo-se
conseguido a participação, no total, 10 professores e 10 alunos, e tendo sido
desenvolvido um projeto de intervenção/formação com 10 docentes ao longo dum
ano letivo.
Se efetivamente se reconhece que muitos docentes “sentem que
o diretor os ouve e tem em consideração as suas perspetivas sobre as decisões a
tomar”, também é certo que outros docentes receiam que a liderança distribuída ou
partilhada corra o risco de progressivo enfraquecimento, mercê do aparecimento
da figura do diretor da escola. Com efeito, o novo regime de autonomia, administração
e gestão de escolas/agrupamentos (vd Dl
n.º 75/2008, de 22 de abril na sua atual redação) confere aos diretores uma
panóplia de competências (vd art.º 20.º) que muitos
entendem ao pé da letra, esquecendo os critérios à luz dos quais a maior parte
delas deve ser exercida. Por outro lado, por motivos conexos com a precariedade
laboral que se instalou na sociedade, incluindo a administração pública, alguns
docentes perderam a capacidade crítica e esperam o pensamento e a orientação do
diretor para quase tudo e os órgãos colegiais deixam de apresentar propostas e
tomar decisões – reduzindo ao mínimo as suas competências efetivas e passando a
funcionar como correias de transmissão do diretor.
Se assim for, é natural que o diretor concentre a liderança
apenas na sua ação e tente influenciar a constituição e o funcionamento dos
demais órgãos. Esta situação é potenciada, em grande parte, pelas orientações
do Ministério da Educação, em virtude de as diretivas centrais poderem delegar
no diretor a gestão escolar no seu todo, a qual passa a ficar “dependente da
personalidade do diretor, podendo conduzir a um modelo de liderança menos
democrática e menos distribuída”.
Para os alunos, a linha da liderança na escola aponta para
duas tendências: alguns têm uma visão hierárquica de liderança “assente numa
estrutura piramidal, em que, em última instância, o poder de decisão está
sempre no topo, nas mãos do diretor”; outros encaram-na como “uma liderança
distribuída, em que todos os atores da escola participam nos processos de
decisão”.
No entanto e no geral, professores e diretores reconhecem
o papel da “liderança no exercício das suas funções e, por conseguinte, no seu
desenvolvimento profissional”. Os professores sublinham como fator potenciador
de liderança a existência duma cultura escolar com caraterísticas de colaboração,
sendo esta a forma de os atores escolares poderem resolver os problemas com que
se deparam. Assim, os professores participantes no mencionado projeto de
intervenção “destacam espaços ou situações concretas em que podem praticar e
até potenciar o exercício de liderança, nomeadamente o espaço da sala de aula,
onde tentam ser líderes para os seus alunos” – o que é pouco, do meu ponto de
vista. Porém, não é de somenos enfatizar “a importância da liderança no
processo de ensino e aprendizagem.
Por sua vez, os diretores valorizam “o sentido prático de
liderança dos professores, a nível de iniciativas ou tomadas de decisão em
tarefas espontâneas, como, por exemplo, recuperação e transformação de espaços
e recursos físicos e desenvolvimento de projetos”. Não sei se isto é suficiente para que eles
se sintam implicados na direção estratégica da escola ou se gostam de circunscrever
a sua participação a algumas táticas.
***
Apesar do reconhecimento da sua importância no
exercício da liderança, os professores evidenciam um conjunto de
constrangimentos conexos com as políticas educativas, concluindo que menos autonomia
origina mais burocracia e mais trabalho. As oportunidades de exercer a sua
liderança circunscrevem-se aos contextos de sala de aula – local por excelência
para o exercício da liderança do professor, mas não o único. Se assim fosse, poderíamos
perguntar o porquê do Plano Anual de Atividades, das visitas de estudo ou das
relações com a família e com o meio em geral. É claro que o enredamento
burocrático deixa pouca margem para a autonomia.
Os constrangimentos relativos ao desenvolvimento profissional
estão associados às políticas educativas (e à política
geral de restrições), enfatizando-se “o problema do congelamento da progressão
na carreira e o facto de a oferta da formação contínua começar a não ser
gratuita”.
Quanto à formação, “os professores reforçam a pouca oferta e
a não gratuitidade da formação contínua” que, “se é um fator apreensivo”, pode também
“constituir-se num fator potenciador do seu desenvolvimento profissional”,
apelando à interajuda e colaboração entre pares.
Por outro lado, os professores evidenciam como
constrangimento “a crescente burocracia no seu trabalho”, pois, “cada vez mais
têm menos tempo para se dedicarem ao ensino propriamente dito, sentindo que uma
parte significativa do seu tempo é dedicado a ‘preencher papéis’”.
Por seu turno, os diretores referem também a gratuidade, ou
não, da formação contínua, já que o facto da progressiva redução de verbas para
a formação “aumenta o receio de que a oferta comece a escassear”.
Os professores apontam ainda como fator potenciador de
desenvolvimento profissional “a participação em alguns projetos de caráter
inovador e a partilha de informação/resultados que estes proporcionam”. Porém,
verificam a existência de bastantes fatores que inibem a liderança e o
desenvolvimento profissional. Neste aspeto, focam a desmotivação, fruto das
políticas educativas e do próprio desprestígio da profissão. Sentem-se lesados
na perda de alguns dos seus direitos adquiridos e sobrecarregados com o aumento
dos deveres profissionais, assim como frustrados pela perda de estatuto a que a
carreira docente vem sendo sujeita:
“Esta desmotivação e insatisfação dos professores são
corroboradas pelos diretores, pois sentem que as sucessivas medidas políticas
educativas, num curto espaço de tempo, têm tido um impacto negativo no trabalho
dos professores, levando a uma maior insegurança, referindo ainda como
restrição ao exercício da liderança e ao desenvolvimento profissional outros
fatores, nomeadamente a burocracia, a falta de tempo e a não valorização do
trabalho dos professores por parte da tutela”.
Ainda que sintam, na realidade, uma certa desmotivação e
insatisfação, “os professores garantem” que, mesmo assim, “continuam a exercer
o seu papel com empenho, envolvendo-se na vida da escola e disponibilizando-se
nas várias atividades escolares, o que só é possível porque gostam da sua
profissão e, por isso, mostram-se sempre disponíveis para a sua escola, levando-os, por vezes, a ter
de esquecer o relógio”.
***
Saliente-se que as motivações docentes para a frequência de ações
de formação contínua e de oportunidades de desenvolvimento profissional são predominantemente
de natureza prática e emancipatória, em detrimento das de natureza política e
instrumentais. Em geral, os docentes associam a natureza do seu trabalho a
valores éticos, morais e a uma crescente complexidade; e muitos estão plenamente
conscientes da necessidade de afirmar a dignidade profissional e a autonomia científica
e técnica da função docente. Concordam que, na formação contínua, têm
oportunidades para aprender algo novo, para desenvolver projetos e para aumentar
a sua capacitação pessoal e profissional. Além disso, mostram uma atenção peculiar
no contexto de sala de aula e encaram as oportunidades de formação e de
desenvolvimento profissional como resposta às mudanças que ocorrem na escola e
no sistema educativo.
Relativamente às perceções de liderança que prevalecem numa
escola básica dos 2.º e do 3.º ciclo – da segunda fase do predito estudo, que
incluiu diretor, professores, alunos – os resultados testemunham um processo
não autoritário, participativo e bastante autónomo. Assim, a par das lideranças
formais previstas na lei, é sentida uma liderança informal atinente ao trabalho
dos professores, tanto na sala de aula como fora dela. Estão neste caso, por
exemplo, a liderança inerente à realização de atividades, de projetos, de
iniciativas, etc. Para este diretor “a liderança é concebida no plural (lideranças)”, ultrapassando a lógica da designação de um papel institucional
ou função nas estruturas de administração e gestão da escola .
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No concernente aos professores que integraram o projeto de
intervenção/formação, na terceira fase do estudo, alguns veem o desenvolvimento
profissional como algo redutor, relacionando-o com a formação contínua, mas não
introduzindo os seus resultados na dinâmica do trabalho e não os relacionando
com a experiência que vão adquirindo no exercício da profissão, bem como da
partilha profissional. Outros perspetivam o desenvolvimento profissional num
sentido mais abrangente, ou seja, além da constante atualização de competências,
assumem-no como aprendizagem permanente sobre como lecionar, levando-os “a uma
pesquisa constante, sendo esta espoletada por uma nova envolvência dos alunos
no seu processo de aprendizagem”.
Já o diretor encara o desenvolvimento profissional em conexão
com a formação contínua, dado que esta se torna “imprescindível ao desenvolvimento
profissional”. E aponta o dedo a um passado em que a formação contínua não era
bem aproveitada, visto que “os professores a procuravam, independentemente de
esta contribuir, ou não, para a melhoria do seu trabalho.” Era a caça aos créditos!
Os intervenientes destacam como estratégias de
desenvolvimento profissional a aprendizagem através do desenvolvimento de
projetos e a procura constante de novas estratégias de ensino em resposta aos
novos desafios. Relevam o papel das parcerias, da coadjuvação dos professores e
do processo de avaliação de desempenho adequado. Destacam ainda o papel e a
importância das competências ao nível das novas tecnologias, tanto ao nível de
ensino-aprendizagem como no aspeto burocrático do trabalho. O diretor, por sua
vez, dá especial ênfase à formação contínua “como estratégia de desenvolvimento
profissional, mas num sentido contextualizado”, ou seja, potenciando o desenvolvimento
do professor e da escola.
***
Nada que os peritos em ciências da educação não tenham já propalado;
e, em termos das contrafações da liderança e autonomia, que não tenhamos já
abordado.
Resta lamentar que o exercício de análise numa escola básica
do 2.º e do 3.º ciclo não tenha sidos confrontado com outro em que se esperasse
que os resultados fossem diferentes. Mesmo assim, o estudo deve ser tido em
linha de conta pela sua potencial utilidade.
2016.02.21
– Louro de Carvalho
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