domingo, 21 de fevereiro de 2016

As lideranças partilhadas no sistema educativo

Maria Lima Ferreira e Maria Assunção Flores, do CIEC (Centro de Investigação em Estudos da Criança) da Universidade do Minho, deram corpo a um estudo que, segundo o site “educare”, “auscultou e analisou as perceções de liderança escolar e desenvolvimento profissional em contexto de trabalho” e que, assim, constitui relevante ponto de partida “para compreender melhor a liderança dos professores quer na sua dimensão formal, quer na sua dimensão informal”. O estudo foi vertido num trabalho sob o título “Perceções dos professores sobre cultura e liderança escolar: implicações para o desenvolvimento profissional dos professores”, que venceu o prémio de melhor póster no 17.º Congresso Bienal da Associação Internacional de Estudo dos Professores e do Ensino, que decorreu na Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, no ano de 2015. 
O póster, selecionado pela comissão científica do congresso de entre mais de 30 trabalhos além de cerca de cem comunicações orais, apresentou os principais resultados duma tese de doutoramento. São resultados testemunham “a influência das lideranças no desenvolvimento profissional dos professores, relativamente à promoção e desenvolvimento de projetos e ao reconhecimento do trabalho dos docentes”, bem como “as tensões e constrangimentos associados à implementação de medidas políticas, relacionadas sobretudo com a avaliação dos professores e a existência de diferentes subculturas nas escolas”.
O trabalho daquelas investigadoras portuguesas tornou-se notável pela “qualidade, originalidade e relevância para o estudo dos professores e do ensino”. Na sua perspetiva, os professores inquiridos salientaram a liderança exercida de modo participativo, que lhes dá o ensejo de se envolverem na tomada de decisões. Não obstante, registam-se bastantes constrangimentos que se traduzem uma como que espécie de pedras no sapato. De entre eles, destacam: a burocracia, a falta de tempo e a não valorização do seu trabalho por parte da tutela.
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Na primeira fase do estudo, participaram 152 diretores de escolas do norte do país e 170 professores que também desempenhavam a função de coordenadores TIC/PTE, a quem foi aplicado um inquérito por questionário, ao qual responderam. Na segunda fase, foram organizados grupos focais, tendo-se conseguido a participação, no total, 10 professores e 10 alunos, e tendo sido desenvolvido um projeto de intervenção/formação com 10 docentes ao longo dum ano letivo.
Se efetivamente se reconhece que muitos docentes “sentem que o diretor os ouve e tem em consideração as suas perspetivas sobre as decisões a tomar”, também é certo que outros docentes receiam que a liderança distribuída ou partilhada corra o risco de progressivo enfraquecimento, mercê do aparecimento da figura do diretor da escola. Com efeito, o novo regime de autonomia, administração e gestão de escolas/agrupamentos (vd Dl n.º 75/2008, de 22 de abril na sua atual redação) confere aos diretores uma panóplia de competências (vd art.º 20.º) que muitos entendem ao pé da letra, esquecendo os critérios à luz dos quais a maior parte delas deve ser exercida. Por outro lado, por motivos conexos com a precariedade laboral que se instalou na sociedade, incluindo a administração pública, alguns docentes perderam a capacidade crítica e esperam o pensamento e a orientação do diretor para quase tudo e os órgãos colegiais deixam de apresentar propostas e tomar decisões – reduzindo ao mínimo as suas competências efetivas e passando a funcionar como correias de transmissão do diretor.
Se assim for, é natural que o diretor concentre a liderança apenas na sua ação e tente influenciar a constituição e o funcionamento dos demais órgãos. Esta situação é potenciada, em grande parte, pelas orientações do Ministério da Educação, em virtude de as diretivas centrais poderem delegar no diretor a gestão escolar no seu todo, a qual passa a ficar “dependente da personalidade do diretor, podendo conduzir a um modelo de liderança menos democrática e menos distribuída”.
Para os alunos, a linha da liderança na escola aponta para duas tendências: alguns têm uma visão hierárquica de liderança “assente numa estrutura piramidal, em que, em última instância, o poder de decisão está sempre no topo, nas mãos do diretor”; outros encaram-na como “uma liderança distribuída, em que todos os atores da escola participam nos processos de decisão”. 
No entanto e no geral, professores e diretores reconhecem o papel da “liderança no exercício das suas funções e, por conseguinte, no seu desenvolvimento profissional”. Os professores sublinham como fator potenciador de liderança a existência duma cultura escolar com caraterísticas de colaboração, sendo esta a forma de os atores escolares poderem resolver os problemas com que se deparam. Assim, os professores participantes no mencionado projeto de intervenção “destacam espaços ou situações concretas em que podem praticar e até potenciar o exercício de liderança, nomeadamente o espaço da sala de aula, onde tentam ser líderes para os seus alunos” – o que é pouco, do meu ponto de vista. Porém, não é de somenos enfatizar “a importância da liderança no processo de ensino e aprendizagem.
Por sua vez, os diretores valorizam “o sentido prático de liderança dos professores, a nível de iniciativas ou tomadas de decisão em tarefas espontâneas, como, por exemplo, recuperação e transformação de espaços e recursos físicos e desenvolvimento de projetos”.  Não sei se isto é suficiente para que eles se sintam implicados na direção estratégica da escola ou se gostam de circunscrever a sua participação a algumas táticas.
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Apesar do reconhecimento da sua importância no exercício da liderança, os professores evidenciam um conjunto de constrangimentos conexos com as políticas educativas, concluindo que menos autonomia origina mais burocracia e mais trabalho. As oportunidades de exercer a sua liderança circunscrevem-se aos contextos de sala de aula – local por excelência para o exercício da liderança do professor, mas não o único. Se assim fosse, poderíamos perguntar o porquê do Plano Anual de Atividades, das visitas de estudo ou das relações com a família e com o meio em geral. É claro que o enredamento burocrático deixa pouca margem para a autonomia.
Os constrangimentos relativos ao desenvolvimento profissional estão associados às políticas educativas (e à política geral de restrições), enfatizando-se “o problema do congelamento da progressão na carreira e o facto de a oferta da formação contínua começar a não ser gratuita”.
Quanto à formação, “os professores reforçam a pouca oferta e a não gratuitidade da formação contínua” que, “se é um fator apreensivo”, pode também “constituir-se num fator potenciador do seu desenvolvimento profissional”, apelando à interajuda e colaboração entre pares.
Por outro lado, os professores evidenciam como constrangimento “a crescente burocracia no seu trabalho”, pois, “cada vez mais têm menos tempo para se dedicarem ao ensino propriamente dito, sentindo que uma parte significativa do seu tempo é dedicado a ‘preencher papéis’”.
Por seu turno, os diretores referem também a gratuidade, ou não, da formação contínua, já que o facto da progressiva redução de verbas para a formação “aumenta o receio de que a oferta comece a escassear”.
Os professores apontam ainda como fator potenciador de desenvolvimento profissional “a participação em alguns projetos de caráter inovador e a partilha de informação/resultados que estes proporcionam”. Porém, verificam a existência de bastantes fatores que inibem a liderança e o desenvolvimento profissional. Neste aspeto, focam a desmotivação, fruto das políticas educativas e do próprio desprestígio da profissão. Sentem-se lesados na perda de alguns dos seus direitos adquiridos e sobrecarregados com o aumento dos deveres profissionais, assim como frustrados pela perda de estatuto a que a carreira docente vem sendo sujeita:
“Esta desmotivação e insatisfação dos professores são corroboradas pelos diretores, pois sentem que as sucessivas medidas políticas educativas, num curto espaço de tempo, têm tido um impacto negativo no trabalho dos professores, levando a uma maior insegurança, referindo ainda como restrição ao exercício da liderança e ao desenvolvimento profissional outros fatores, nomeadamente a burocracia, a falta de tempo e a não valorização do trabalho dos professores por parte da tutela”.
Ainda que sintam, na realidade, uma certa desmotivação e insatisfação, “os professores garantem” que, mesmo assim, “continuam a exercer o seu papel com empenho, envolvendo-se na vida da escola e disponibilizando-se nas várias atividades escolares, o que só é possível porque gostam da sua profissão e, por isso, mostram-se sempre disponíveis para a sua escola, levando-os, por vezes, a ter de esquecer o relógio”.
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Saliente-se que as motivações docentes para a frequência de ações de formação contínua e de oportunidades de desenvolvimento profissional são predominantemente de natureza prática e emancipatória, em detrimento das de natureza política e instrumentais. Em geral, os docentes associam a natureza do seu trabalho a valores éticos, morais e a uma crescente complexidade; e muitos estão plenamente conscientes da necessidade de afirmar a dignidade profissional e a autonomia científica e técnica da função docente. Concordam que, na formação contínua, têm oportunidades para aprender algo novo, para desenvolver projetos e para aumentar a sua capacitação pessoal e profissional. Além disso, mostram uma atenção peculiar no contexto de sala de aula e encaram as oportunidades de formação e de desenvolvimento profissional como resposta às mudanças que ocorrem na escola e no sistema educativo.
Relativamente às perceções de liderança que prevalecem numa escola básica dos 2.º e do 3.º ciclo – da segunda fase do predito estudo, que incluiu diretor, professores, alunos – os resultados testemunham um processo não autoritário, participativo e bastante autónomo. Assim, a par das lideranças formais previstas na lei, é sentida uma liderança informal atinente ao trabalho dos professores, tanto na sala de aula como fora dela. Estão neste caso, por exemplo, a liderança inerente à realização de atividades, de projetos, de iniciativas, etc. Para este diretor “a liderança é concebida no plural (lideranças)”, ultrapassando a lógica da designação de um papel institucional ou função nas estruturas de administração e gestão da escola . 
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No concernente aos professores que integraram o projeto de intervenção/formação, na terceira fase do estudo, alguns veem o desenvolvimento profissional como algo redutor, relacionando-o com a formação contínua, mas não introduzindo os seus resultados na dinâmica do trabalho e não os relacionando com a experiência que vão adquirindo no exercício da profissão, bem como da partilha profissional. Outros perspetivam o desenvolvimento profissional num sentido mais abrangente, ou seja, além da constante atualização de competências, assumem-no como aprendizagem permanente sobre como lecionar, levando-os “a uma pesquisa constante, sendo esta espoletada por uma nova envolvência dos alunos no seu processo de aprendizagem”. 
Já o diretor encara o desenvolvimento profissional em conexão com a formação contínua, dado que esta se torna “imprescindível ao desenvolvimento profissional”. E aponta o dedo a um passado em que a formação contínua não era bem aproveitada, visto que “os professores a procuravam, independentemente de esta contribuir, ou não, para a melhoria do seu trabalho.” Era a caça aos créditos!
Os intervenientes destacam como estratégias de desenvolvimento profissional a aprendizagem através do desenvolvimento de projetos e a procura constante de novas estratégias de ensino em resposta aos novos desafios. Relevam o papel das parcerias, da coadjuvação dos professores e do processo de avaliação de desempenho adequado. Destacam ainda o papel e a importância das competências ao nível das novas tecnologias, tanto ao nível de ensino-aprendizagem como no aspeto burocrático do trabalho. O diretor, por sua vez, dá especial ênfase à formação contínua “como estratégia de desenvolvimento profissional, mas num sentido contextualizado”, ou seja, potenciando o desenvolvimento do professor e da escola.
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Nada que os peritos em ciências da educação não tenham já propalado; e, em termos das contrafações da liderança e autonomia, que não tenhamos já abordado.
Resta lamentar que o exercício de análise numa escola básica do 2.º e do 3.º ciclo não tenha sidos confrontado com outro em que se esperasse que os resultados fossem diferentes. Mesmo assim, o estudo deve ser tido em linha de conta pela sua potencial utilidade.

2016.02.21 – Louro de Carvalho

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