sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Da qualidade do trabalho em Portugal

O Expresso on line, de hoje dia 11 de fevereiro, publica um trabalho jornalístico em que se espelham os resultados de uma base de dados sobre a qualidade de trabalho nos países-membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), onde se destaca que a insegurança no mercado de trabalho foi o que mais se agravou nos últimos anos e que põe Portugal nas piores posições entre os 34 países que integram aquela organização internacional.
Esta qualidade do trabalho é aferida com base em três indicadores: a segurança no mercado de trabalho, a qualidade dos ganhos (e a forma como estes se refletem no bem-estar do trabalhador) e o ambiente de trabalho e desgaste que os trabalhadores vivem no seu emprego.
Depois de os diversos relatórios internacionais (da Comissão Europeia, do FMI e da própria OCDE) terem assumido um tom muito crítico e até demolidor para Portugal, no sentido de que não se fizeram as necessárias reformas de fundo, sobretudo no âmbito da flexibilização laboral, somos o terceiro dos 34 países da OCDE onde a qualidade do trabalho é mais crítica.
Portugal é efetivamente o 3.º dos 34 países da OCDE (à sua frente só tem a Espanha e a Grécia) onde os trabalhadores correm maior risco de ficarem desempregados e por mais tempo. O país, sobretudo nos últimos quatro anos, viveu sob o signo da falta de emprego (não aquisição de emprego por parte das pessoas que pretendem ingressar pela primeira vez no mercado de trabalho); da perda do emprego (pela via dos despedimentos e das rescisões por mútuo acordo); e do medo da perda do emprego, provocado por diversos fatores, como a temporariedade dos contratos de trabalho, a síndrome da necessidade de obediência a todo o custo aos dirigentes, a reestruturação dos serviços, a extinção do posto de trabalho, o emagrecimento da empresa ou serviço, etc. É o reino da precariedade que pesa sobre as pessoas que trabalham.  
Quanto a salários, a generalidade os trabalhadores da administração pública foi esbulhada do seu rendimento do trabalho e apertada no congelamento das carreiras e no SIADAP sem sentido e finalidade, os pensionistas sofreram o maior vilipêndio de sempre e trabalhadores do setor público e do setor privado foram massacrados pela via dos impostos e contribuições, taxas, sobretaxas, tabelas e tarifas. No setor privado várias situações houve em que se recorreu à negociação da baixa de salários como condição para evitar despedimentos; no setor público, os cortes foram determinados por lei e prolongaram-se demasiado no tempo.
As prestações sociais foram cada vez tornadas mais magras, seja na generalidade das pensões e subsídios do rendimento social de inserção, seja no tempo e nos montantes dos subsídios de desemprego e nas indemnizações por despedimento, seja nas condições de baixa por doença. Todavia e por contraste, os produtos e serviços sofreram uma notável alta de preços.
Também as condições de trabalho se agravaram, quer pelo aumento da carga horária e redução do número de trabalhadores na empresa ou serviço, quer pela apertada vigilância adveniente do controlo da parte dos chefes e da ameaça (?!) duma não equitativa avaliação de desempenho quer pela postura hipercrítica da parte de utentes e clientes, quer pela penúria de meios, quer ainda pela multiplicação de instrumentos de autocontrolo como fichas, grelhas, relatórios, prazos… O empresário atribui os custos de produção aos salários e não a outros fatores.
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Tem sido dito e repetido, para consumo interno, que os portugueses trabalham pouco em relação aos demais trabalhadores europeus, o que não corresponde à realidade, quando o que falta é: formação de empresários e administradores; falta de investimento na formação contínua de trabalhadores; falta de organização e planeamento; e redução do preço da produção.
De resto, só há mais três países com um mercado de trabalho mais inseguro que o português; e 46% dos trabalhadores estão sob desgaste e mau ambiente no emprego. Por outro lado, regista-se um dos piores agravamentos do apoio económico dado a quem fica desempregado e, entre os trabalhadores, os ganhos estagnaram e são desigualmente distribuídos. Os novos empregos são muitas vezes assumidos sob a forma de estágios profissionais de caráter temporário e mesmo os empregos com esperança de maior estabilidade são contratualizados com salários muito baixos, sendo que, muitas vezes, se trabalha para uma determinada entidade mediante uma empresa que angaria pessoal que põe ao serviço de terceiros sem quaisquer condições de apoio social.
Por tudo isso, muitas muitos emigraram, criando a depauperação da população ativa em Portugal. Se alguém pretender segurança no mercado de trabalho, não escolhe Portugal, já que o nosso é o terceiro país entre os 34 membros da OCDE onde se corre o maior risco de perder o trabalho e ficar mais tempo no desemprego; e é um dos cinco países onde, entre 2007 e 2013, mais pioraram as condições económicas e o apoio dado a quem fica no desemprego.
Sobre os rendimentos do trabalho em Portugal, a OCDE diz que a qualidade dos ganhos estagnou e a segurança no mercado de trabalho decaiu significativamente mercê do aumento do desemprego e da precariedade do emprego. Abundam os trabalhadores pseudoindependentes.
Os dados da OCDE revelam que Portugal apresenta um risco de desemprego de 17,1%, abaixo da Grécia e Espanha. Este indicador abrange duas vertentes: o risco de o trabalhador ficar desempregado e a provável duração dessa situação de desemprego. Entre os 34 países membros da OCDE, o menor risco vive-se na Coreia do Sul, na Noruega, no Japão e na Suíça, vindo a seguir a Alemanha, o país da UE (União Europeia) que ocupa a melhor posição. Em termos globais (conjugando aquelas duas dimensões), Portugal é o quarto país da OCDE com pior nível de segurança no mercado de trabalho.
Segundo explicações de Sandrine Cazes, economista da OCDE e especialista na área do mercado de trabalho, “como a Espanha e a Grécia, também Portugal foi fortemente abalado pela crise financeira global com um aumento rápido e acentuado do desemprego: de 8,6% no início de 2008 para um pico de 17,3% no início de 2013, surgindo a seguir às taxas de desemprego registadas em Espanha e Grécia”. Estes três países caraterizam-se por apresentarem um mercado de trabalho fortemente segmentado, isto é, com uma grande proporção de trabalhadores ditos independentes ou com contratos a termo certo. Quando a crise eclodiu, foram estes trabalhadores com contratos temporários, sobretudo os jovens, que estiveram em situação mais provável de perda do trabalho.
Mais: entre 2007 e 2015, foi na insegurança do mercado de trabalho que Portugal mais piorou, sendo que, se o nível de insegurança era de 5,61% em 2007, passou para 11,68% em 2015.
Segundo a OCDE, a crise não só afetou fortemente o número de empregos disponíveis (no quadro do primeiro indicador), como também a sua qualidade. Assim, a qualidade dos ganhos (segundo indicador), tendo em conta que o número de postos de trabalho destruídos durante a crise eram predominantemente mal pagos, desceu dois terços nos países da OCDE – especialmente na Grécia e no Reino Unido.
Portugal está entre os dez países onde o nível dos ganhos e a sua distribuição entre os trabalhadores é pior, vindo logo a seguir à Espanha e à Grécia. Nas piores posições estão o México, a Turquia e o Chile. E, nas palavras da mencionada economista da OCDE, “a desigualdade dos ganhos em Portugal está acima da média da OCDE, tanto a curto como a longo prazo (por exemplo, tendo em consideração 20 anos de trabalho)”. Os fatores que ajudam a explicar a situação são, entre outros: a segmentação do mercado de trabalho com uma elevada proporção de trabalhadores (pseudo)independentes, temporários ou com contratos a prazo; a heterogeneidade entre empresas, que dá azo a que trabalhadores com as mesmas caraterísticas possam receber salários diferentes se eles trabalharem em empresas melhores, ou seja, mais produtivas, mais organizadas e mais bem geridas.
O terceiro indicador usado para caraterizar a qualidade do trabalho nos vários países é o chamado “desgaste no trabalho”, que tem em linha de conta o clima em que as pessoas trabalham e que abrange “os aspetos não-económicos do trabalho”, como a natureza e conteúdo das funções desempenhadas, as relações com colegas, a duração do trabalho, a existência ou não de riscos de saúde ou físicos e a pressão que as funções envolvem.
Segundo o referido trabalho jornalístico do Expresso, Portugal faz parte do terço de países da OCDE onde mais trabalhadores vivem em condições de desgaste: eram 46% em 2015. Todavia, terá sido em Portugal que se registou a melhor evolução do ambiente de trabalho na última década: de 58,95% em 2005 para 46% em 2015.
Trata-se, na realidade, de uma perceção contraditória: se, no país, a segurança no mercado de trabalho e o risco de desemprego atingem os piores níveis na OCDE, que se agravaram nos últimos anos, a qualidade do ambiente no trabalho não pode ter registado o maior aumento na última década. Quando muito, este indicador pode mostrar a qualidade do ambiente de trabalho entre aqueles que estão ainda empregados, considerando que a qualidade média terá melhorado porque muitos dos piores postos de trabalho foram destruídos durante a crise. No entanto, as condições de trabalho acima referidas relativizam e até desmentem a melhoria neste indicador.
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Por fim, a OCDE diz uma coisa “lapalissiana”: em geral, entre os países-membros da OCDE, as situações variam consoante a idade, o sexo ou as habilitações dos trabalhadores. “Os jovens e os que têm menos habilitações não só tendem a refletir as piores posições em termos de emprego, como também têm ganhos mais baixos, uma insegurança no mercado de trabalho consideravelmente mais alta, assim como pior posição no ambiente de trabalho (especialmente os menos habilitados)”. Por outro lado, “as mulheres sofrem de taxas de emprego substancialmente mais baixas que os homens e assistem a um grande fosso em termos de pagamento. Ao mesmo tempo, é menos provável que estejam em situações de tensão no emprego do que os homens.”
Posto isto, recomenda-se o trabalho em: Austrália, Áustria, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Luxemburgo, Noruega e Suíça. Mas necessitam urgentemente de desenvolvimento: Estónia, Grécia, Hungria, Itália, Polónia, Eslováquia, Espanha e Turquia e Portugal.
Que vamos fazer: engrossar o desenvolvimento dos gordos ou pôr em ordem de marcha o elã nos países que mais precisam? Insistiremos no controlo do défice, custe o que custar, ou no crescimento económico e no bem-estar? Manda o dinheiro ou a escolha política?

2016.02.11 – Louro de Carvalho

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