O Presidente da República Aníbal Cavaco Silva presidiu
hoje, dia 17 de fevereiro, na qualidade de Comandante Supremo das Forças Armadas,
na sede do IUM (Instituto Universitário Militar), em Lisboa, à cerimónia de
despedida que as FA (forças armadas)
organizaram.
A página web
da Presidência sublinha que, “na cerimónia, que contou com a presença de
numerosas entidades militares e civis, estiveram presentes o Ministro da Defesa
Nacional, o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e os Chefes dos
Estados-Maiores da Marinha, Exército e Força Aérea”.
Durante a mesma cerimónia, o Presidente foi
distinguido com uma lembrança oferecida pelos Chefes Militares: uma espada de
cada um dos Ramos das FA, símbolos do Comando, da Autoridade e da Honra. E, após
o desfile militar, o ainda Comandante Supremo participou num almoço que contou
com a presença dos altos comandos dos três Ramos das FA.
Na cerimónia militar, usaram da palavra o CEMGFA (Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas), General
Artur Pina Monteiro, e o Presidente da República, Professor Aníbal Cavaco
Silva, que se dirigiu pela última vez, na qualidade de Comandante Supremo das
Forças Armadas, aos homens e mulheres que servem na Instituição Militar.
A oferta da tríplice espada surgiu no fim do discurso
do CEMGFA, em que foi
destacada a decisão de Cavaco Silva de associar as FA às comemorações do Dia de
Portugal. E a justificação assenta no “reconhecimento” e em “todo o apreço no momento de render da
guarda do Comandante Supremo das Forças Armadas Portuguesas”.
***
No seu discurso,
Cavaco Silva, frisou ser esta a última vez que se dirige como Comandante
Supremo das Forças Armadas “aos homens e mulheres que servem na Instituição
Militar”.
A seguir,
relevou o “papel único e insubstituível” das FA “na defesa de Portugal e dos
Portugueses” – papel evidenciado na sua História, missão e capacidades, que se
materializa em os militares terem sabido “sempre interpretar a vontade e o
sentir do seu Povo, assumindo, nos momentos mais relevantes da nossa vida
coletiva, um contributo decisivo para a edificação e preservação de um Portugal
livre e independente”.
Referindo-se
à sua postura de associar, desde o início do duplo mandato, os militares “às
cerimónias de celebração do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades
Portuguesas, sustenta que tem levado “ao conhecimento dos cidadãos o seu
notável desempenho ao serviço do País”. Por outro lado, deixou a expressa referência
àqueles que usualmente são agraciados, nesse dia, com os galardões que a
República tem disponíveis, declarando:
“Nesse dia
maior da Portugalidade, celebram-se os nossos melhores, a excelência e a
grandeza dos seus feitos, a nobreza e a dignidade do seu caráter, razão pela
qual nele têm ocupado lugar de merecido destaque os antigos combatentes” – “um preito
de justiça a todos aqueles que, com notável coragem e amor pátrio, tudo se
dispuseram a dar pela Nação, incluindo a própria vida”.
Dissertando sobre
a especificidade das funções de comandante supremo das FA, “sem paralelo nas outras
áreas” da ação política presidencial, em articulação com o estatuto constitucional
do Presidente, relevou “as competências específicas definidas na lei ordinária”,
mormente na “Lei de Defesa Nacional”. Neste âmbito, destacou o seu caráter
eminentemente nacional e suprapartidário (do Presidente e das FA); a índole de “última reserva da soberania e pilar
estruturante da afirmação da identidade nacional”; a necessidade de elas serem “objeto
de uma cultura de compromisso e consenso institucional entre as forças
políticas e os diferentes órgãos de soberania”; e ainda a capacidade em
prontidão e em nível de resposta adequados para o cumprimento das missões”.
Além disso,
o Presidente considerou que a instituição militar se tem constituído “como uma
notável escola de cidadania” e, como “fiel depositária de nobres tradições, tem
transmitido e cultivado, ao longo da sua existência, valores fundamentais como
a abnegação e o sacrifício, a coesão e a disciplina, mas também a coragem e o
patriotismo”.
Disse ainda
Cavaco Silva que do consenso político existente e indispensável tem resultado a
garantia do “apoio eficaz à ação de comando das chefias” e às “condições de
estabilidade, coesão e disciplina essenciais para o normal funcionamento da
Instituição Militar”. Mais referiu que, ao longo da sua existência, a instituição
soube “adaptar-se às novas realidades e exigências decorrentes da natureza das
ameaças, das alterações ocorridas na cena internacional”, da situação político-económica
do País e evolução em matéria de tecnologias e emprego de forças.
Porém,
depois, afirmou precisamente o contrário do que tem acontecido:
“Nas
sucessivas reformas de que foi objeto, imperou sempre a prudência relativamente
a soluções que pudessem descaraterizar as Forças Armadas e enfraquecer a sua
capacidade de intervenção”.
Falando da
intervenção presidencial no decurso do decénio do seu mandato, declarou ter
acompanhado de perto os assuntos referentes à Defesa Nacional e às FA,
designadamente os respetivos processos de reforma, tendo identificado, neste
âmbito, duas prioridades: “as pessoas”, como o recurso mais valioso, sobre que
se deve centrar a ação de comando, sem esquecer as que, afastadas das fileiras,
se encontram em situação fragilizada; e “a capacidade operacional”, enquanto “requisito
essencial à aplicação do vetor militar”.
Orgulhando-se
de ter servido o País nas FA sob o lema Servir
Portugal, confessou que aí partilhara o “sentimento de pertença e de união”,
conhecera “gente de bem, profissional e solidária” e testemunhara “a elevada
dedicação e sentido de serviço”, bem como “a importância do exercício do dever
de tutela dos chefes sobre os seus subordinados”.
Ao relevar “a
lealdade, o alto sentido do interesse nacional e o espírito de serviço das Chefias”
e o prestígio e consideração de que os militares usufruem, asseverou que sempre
as FA, “mesmo num quadro de complexa situação social e financeira”, vêm
cumprindo “exemplarmente as suas missões no plano interno e externo, com
competência e dedicação, revelando elevados padrões de desempenho e colocando
sempre em primeiro lugar os interesses do País e dos Portugueses”. E garantiu
que “um tal desempenho só é possível porque se alicerça numa sólida formação ética
e moral dos militares e assenta numa estrutura coesa, disciplinada e bem
preparada, timbres intemporais da condição militar”.
E ousou afirmar
que “lesar ou desvalorizar a condição militar é enfraquecer a Nação” e que “a preservação
e a dignificação” da condição militar “são obrigações que devem ser claramente
assumidas pelo Estado e cultivadas com honra e sobriedade pelos militares”.
***
O discurso presidencial
levanta algumas dúvidas e enferma de algumas inverdades.
No respeitante
às dúvidas, resta saber se a isenção e o suprapartidarismo das FA decorrem do
estatuto do Presidente ou da índole intrínseca das mesmas FA, consagrada constitucionalmente,
como refere o n.º 4 do art.º 275.º da CRP, que estabelece:
“As Forças Armadas estão ao
serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não
podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer
intervenção política”.
Quanto ao alegado
empenho presidencial no acompanhamento das FA, da reforma do seu estatuto e orgânica
e da legislação a elas atinente, há que tomar em linha de conta que esse
acompanhamento ativo não terá passado das intenções, já que o Presidente se
limitou a promulgar os diplomas que o Parlamento e o Governo prepararam, aliás
os que os antecessores grosso modo
fizeram. O sentimento generalizado da insatisfação nas FA, o desinvestimento e
a magreza de recursos, mesmo recursos humanos, têm sido fenómenos em crescendo
que desmentem o acompanhamento ativo do atual presidente na matéria. Por outro
lado, os líderes das associações de militares, que nem para este dia foram
convidados, têm mostrado bem o seu desencanto para com o Presidente da
República sobre a sua postura em assuntos militares, apontando-lhe a falta de
diálogo e mesmo o silêncio.
As preditas
associações vieram à liça a dizer que Cavaco Silva não deixa saudades, sendo
que a relação com o Chefe Supremo das Forças Armadas é cada vez mais
desconfortável, a ponto de as associações de militares não terem sido
convidadas para a cerimónia de despedida oficial do Presidente da República.
Porém,
dando como certo que o Presidente se tenha empenhado excecionalmente pela
situação militar fazendo valer a sua magistratura de influência, era caso para
dizer que se trataria de se redimir pelos seus 10 anos de capultamento das FA para
a penumbra do Estado, enquanto Primeiro-Ministro, bastante bem continuado,
neste aspeto, pelos seus sucessores no executivo. Quem, não se lembra da
famigerada lei dos coronéis ou de que foi no tempo de Cavaco, chefe do
executivo, que se desenhou a rarefação das FA em pessoas e recursos, bem como
se iniciou a caminhada irreversível para a abolição do serviço militar
obrigatório?
Assim,
como é que o Presidente ainda afirma a instituição militar como escola de cidadania?
Escola de cidadania para quem? Era o que faltava as FA descurarem a cidadania
quando ela tem sido tema recorrente em todas as escolas do país!
E qual foi
o Presidente que deixou de associar as FA às comemorações do 10 de junho? A visibilidade
por elas adquirida nos últimos anos significa, antes, uma tática de
oportunidade sem reflexos significativos na vida militar. E resta saber se esta
ação tática teve iniciativa em Belém ou no edifício do CEMGFA.
É que é de
notar que, durante a presidência de Cavaco, as Chefias militares se colaram ao Presidente
numa espécie de síndrome de insatisfação reativamente ao Governo. Esquecidos
dos tempos de Eanes e sabendo da não vivência militar anterior de Soares e
Sampaio, agarraram-se a Cavaco, mais conservador, mas com o estatuto de antigo combatente,
o “antigo alferes”.
Neste aspeto, diga-se
que tanto veio a despropósito a referência de Cavaco ao seu tempo de alferes
como a do CEMGFA. Não foi esse tempo que o tornou melhor ou pior comandante
supremo (Que dirá a isto
Marcelo?).
Alguns noticiários de
hoje informaram: “as
Forças Armadas despediram-se esta quarta-feira do antigo alferes Aníbal Cavaco Silva, numa cerimónia onde foi
lembrada a sua permanente preocupação com as condições do exercício do comando
dos chefes militares”. E o CEMGFA referiu no seu discurso:
“Como é apanágio da
nossa tradição, os comandantes não se despedem, simplesmente terminam o
exercício do seu cargo, mantendo-se na memória individual e coletiva dos seus
subordinados”.
Discursando perante as altas patentes e 600 militares em parada,
apontou como um dos aspetos mais relevantes do mandato do Chefe de Estado em
relação às FA a “permanente preocupação com as condições para o exercício do
comando pelos chefes militares”, defendendo:
“É justo reconhecer
publicamente nesta cerimónia que as Forças Armadas sempre contaram com a
especial atenção do Comandante Supremo, em prol da preservação da estabilidade
e prestígio de um pilar incontornável para a nossa afirmação soberana”.
Destacou o “especial interesse e preocupação” de Cavaco com a manutenção das
condições indispensáveis ao exercício do comando da parte dos chefes militares
e, por conseguinte, “da cadeia de comando, valorizando a carreira
militar e o respeito pela sua especificidade”.
Recordou, depois, a carreira do antigo alferes, recuando a 5 de agosto de 1962, quando foi
incorporado no exército português, para embarcar, no ano seguinte, para
Lourenço Marques, até 1965, o momento em que passou à disponibilidade:
“Serviu, durante dois
anos, no Conselho Administrativo e na Chefia do Serviço de Contabilidade e
Administração (…), onde lhe foram reconhecidas, em público louvor, a sua
capacidade de trabalho, correção, inteligência e dotes de caráter”.
E explicitou:
“Quarenta anos depois, mais concretamente em 9 de março de 2006, o
antigo alferes, professor doutor Aníbal Cavaco Silva, toma posse como
Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, ocupando, por inerência,
o primeiro lugar na sua hierarquia”.
***
Panegírico maior não era possível. Contrasta mesmo com o apagamento
inexorável que a opinião pública está a fazer do imperium de Cavaco, apagamento em que é solidário o Presidente
eleito, que vem recebendo a todos no Palácio da Ajuda, sem estar legitimado pelo
exercício.
Quem diria que Presidente em exercício e Presidente eleito
não seriam figuras institucionais!
2016.02.17
– Louro de Carvalho
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