quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Comandante Supremo despede-se das Forças Armadas

O Presidente da República Aníbal Cavaco Silva presidiu hoje, dia 17 de fevereiro, na qualidade de Comandante Supremo das Forças Armadas, na sede do IUM (Instituto Universitário Militar), em Lisboa, à cerimónia de despedida que as FA (forças armadas) organizaram.
A página web da Presidência sublinha que, “na cerimónia, que contou com a presença de numerosas entidades militares e civis, estiveram presentes o Ministro da Defesa Nacional, o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e os Chefes dos Estados-Maiores da Marinha, Exército e Força Aérea”.
Durante a mesma cerimónia, o Presidente foi distinguido com uma lembrança oferecida pelos Chefes Militares: uma espada de cada um dos Ramos das FA, símbolos do Comando, da Autoridade e da Honra. E, após o desfile militar, o ainda Comandante Supremo participou num almoço que contou com a presença dos altos comandos dos três Ramos das FA.
Na cerimónia militar, usaram da palavra o CEMGFA (Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas), General Artur Pina Monteiro, e o Presidente da República, Professor Aníbal Cavaco Silva, que se dirigiu pela última vez, na qualidade de Comandante Supremo das Forças Armadas, aos homens e mulheres que servem na Instituição Militar.
A oferta da tríplice espada surgiu no fim do discurso do CEMGFA, em que foi destacada a decisão de Cavaco Silva de associar as FA às comemorações do Dia de Portugal. E a justificação assenta no “reconhecimento” e em “todo o apreço no momento de render da guarda do Comandante Supremo das Forças Armadas Portuguesas”.
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No seu discurso, Cavaco Silva, frisou ser esta a última vez que se dirige como Comandante Supremo das Forças Armadas “aos homens e mulheres que servem na Instituição Militar”.
A seguir, relevou o “papel único e insubstituível” das FA “na defesa de Portugal e dos Portugueses” – papel evidenciado na sua História, missão e capacidades, que se materializa em os militares terem sabido “sempre interpretar a vontade e o sentir do seu Povo, assumindo, nos momentos mais relevantes da nossa vida coletiva, um contributo decisivo para a edificação e preservação de um Portugal livre e independente”.
Referindo-se à sua postura de associar, desde o início do duplo mandato, os militares “às cerimónias de celebração do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, sustenta que tem levado “ao conhecimento dos cidadãos o seu notável desempenho ao serviço do País”. Por outro lado, deixou a expressa referência àqueles que usualmente são agraciados, nesse dia, com os galardões que a República tem disponíveis, declarando:
“Nesse dia maior da Portugalidade, celebram-se os nossos melhores, a excelência e a grandeza dos seus feitos, a nobreza e a dignidade do seu caráter, razão pela qual nele têm ocupado lugar de merecido destaque os antigos combatentes” – “um preito de justiça a todos aqueles que, com notável coragem e amor pátrio, tudo se dispuseram a dar pela Nação, incluindo a própria vida”.

Dissertando sobre a especificidade das funções de comandante supremo das FA, “sem paralelo nas outras áreas” da ação política presidencial, em articulação com o estatuto constitucional do Presidente, relevou “as competências específicas definidas na lei ordinária”, mormente na “Lei de Defesa Nacional”. Neste âmbito, destacou o seu caráter eminentemente nacional e suprapartidário (do Presidente e das FA); a índole de “última reserva da soberania e pilar estruturante da afirmação da identidade nacional”; a necessidade de elas serem “objeto de uma cultura de compromisso e consenso institucional entre as forças políticas e os diferentes órgãos de soberania”; e ainda a capacidade em prontidão e em nível de resposta adequados para o cumprimento das missões”.
Além disso, o Presidente considerou que a instituição militar se tem constituído “como uma notável escola de cidadania” e, como “fiel depositária de nobres tradições, tem transmitido e cultivado, ao longo da sua existência, valores fundamentais como a abnegação e o sacrifício, a coesão e a disciplina, mas também a coragem e o patriotismo”.
Disse ainda Cavaco Silva que do consenso político existente e indispensável tem resultado a garantia do “apoio eficaz à ação de comando das chefias” e às “condições de estabilidade, coesão e disciplina essenciais para o normal funcionamento da Instituição Militar”. Mais referiu que, ao longo da sua existência, a instituição soube “adaptar-se às novas realidades e exigências decorrentes da natureza das ameaças, das alterações ocorridas na cena internacional”, da situação político-económica do País e evolução em matéria de tecnologias e emprego de forças.
Porém, depois, afirmou precisamente o contrário do que tem acontecido:
“Nas sucessivas reformas de que foi objeto, imperou sempre a prudência relativamente a soluções que pudessem descaraterizar as Forças Armadas e enfraquecer a sua capacidade de intervenção”.

Falando da intervenção presidencial no decurso do decénio do seu mandato, declarou ter acompanhado de perto os assuntos referentes à Defesa Nacional e às FA, designadamente os respetivos processos de reforma, tendo identificado, neste âmbito, duas prioridades: “as pessoas”, como o recurso mais valioso, sobre que se deve centrar a ação de comando, sem esquecer as que, afastadas das fileiras, se encontram em situação fragilizada; e “a capacidade operacional”, enquanto “requisito essencial à aplicação do vetor militar”.
Orgulhando-se de ter servido o País nas FA sob o lema Servir Portugal, confessou que aí partilhara o “sentimento de pertença e de união”, conhecera “gente de bem, profissional e solidária” e testemunhara “a elevada dedicação e sentido de serviço”, bem como “a importância do exercício do dever de tutela dos chefes sobre os seus subordinados”.
Ao relevar “a lealdade, o alto sentido do interesse nacional e o espírito de serviço das Chefias” e o prestígio e consideração de que os militares usufruem, asseverou que sempre as FA, “mesmo num quadro de complexa situação social e financeira”, vêm cumprindo “exemplarmente as suas missões no plano interno e externo, com competência e dedicação, revelando elevados padrões de desempenho e colocando sempre em primeiro lugar os interesses do País e dos Portugueses”. E garantiu que “um tal desempenho só é possível porque se alicerça numa sólida formação ética e moral dos militares e assenta numa estrutura coesa, disciplinada e bem preparada, timbres intemporais da condição militar”.
E ousou afirmar que “lesar ou desvalorizar a condição militar é enfraquecer a Nação” e que “a preservação e a dignificação” da condição militar “são obrigações que devem ser claramente assumidas pelo Estado e cultivadas com honra e sobriedade pelos militares”.
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O discurso presidencial levanta algumas dúvidas e enferma de algumas inverdades.
No respeitante às dúvidas, resta saber se a isenção e o suprapartidarismo das FA decorrem do estatuto do Presidente ou da índole intrínseca das mesmas FA, consagrada constitucionalmente, como refere o n.º 4 do art.º 275.º da CRP, que estabelece:
“As Forças Armadas estão ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política”.

Quanto ao alegado empenho presidencial no acompanhamento das FA, da reforma do seu estatuto e orgânica e da legislação a elas atinente, há que tomar em linha de conta que esse acompanhamento ativo não terá passado das intenções, já que o Presidente se limitou a promulgar os diplomas que o Parlamento e o Governo prepararam, aliás os que os antecessores grosso modo fizeram. O sentimento generalizado da insatisfação nas FA, o desinvestimento e a magreza de recursos, mesmo recursos humanos, têm sido fenómenos em crescendo que desmentem o acompanhamento ativo do atual presidente na matéria. Por outro lado, os líderes das associações de militares, que nem para este dia foram convidados, têm mostrado bem o seu desencanto para com o Presidente da República sobre a sua postura em assuntos militares, apontando-lhe a falta de diálogo e mesmo o silêncio.  
As preditas associações vieram à liça a dizer que Cavaco Silva não deixa saudades, sendo que a relação com o Chefe Supremo das Forças Armadas é cada vez mais desconfortável, a ponto de as associações de militares não terem sido convidadas para a cerimónia de despedida oficial do Presidente da República.
Porém, dando como certo que o Presidente se tenha empenhado excecionalmente pela situação militar fazendo valer a sua magistratura de influência, era caso para dizer que se trataria de se redimir pelos seus 10 anos de capultamento das FA para a penumbra do Estado, enquanto Primeiro-Ministro, bastante bem continuado, neste aspeto, pelos seus sucessores no executivo. Quem, não se lembra da famigerada lei dos coronéis ou de que foi no tempo de Cavaco, chefe do executivo, que se desenhou a rarefação das FA em pessoas e recursos, bem como se iniciou a caminhada irreversível para a abolição do serviço militar obrigatório?
Assim, como é que o Presidente ainda afirma a instituição militar como escola de cidadania? Escola de cidadania para quem? Era o que faltava as FA descurarem a cidadania quando ela tem sido tema recorrente em todas as escolas do país!
E qual foi o Presidente que deixou de associar as FA às comemorações do 10 de junho? A visibilidade por elas adquirida nos últimos anos significa, antes, uma tática de oportunidade sem reflexos significativos na vida militar. E resta saber se esta ação tática teve iniciativa em Belém ou no edifício do CEMGFA.
É que é de notar que, durante a presidência de Cavaco, as Chefias militares se colaram ao Presidente numa espécie de síndrome de insatisfação reativamente ao Governo. Esquecidos dos tempos de Eanes e sabendo da não vivência militar anterior de Soares e Sampaio, agarraram-se a Cavaco, mais conservador, mas com o estatuto de antigo combatente, o “antigo alferes”. 
Neste aspeto, diga-se que tanto veio a despropósito a referência de Cavaco ao seu tempo de alferes como a do CEMGFA. Não foi esse tempo que o tornou melhor ou pior comandante supremo (Que dirá a isto Marcelo?).
Alguns noticiários de hoje informaram: “as Forças Armadas despediram-se esta quarta-feira do antigo alferes Aníbal Cavaco Silva, numa cerimónia onde foi lembrada a sua permanente preocupação com as condições do exercício do comando dos chefes militares”. E o CEMGFA referiu no seu discurso:
“Como é apanágio da nossa tradição, os comandantes não se despedem, simplesmente terminam o exercício do seu cargo, mantendo-se na memória individual e coletiva dos seus subordinados”.

Discursando perante as altas patentes e 600 militares em parada, apontou como um dos aspetos mais relevantes do mandato do Chefe de Estado em relação às FA a “permanente preocupação com as condições para o exercício do comando pelos chefes militares”, defendendo:
“É justo reconhecer publicamente nesta cerimónia que as Forças Armadas sempre contaram com a especial atenção do Comandante Supremo, em prol da preservação da estabilidade e prestígio de um pilar incontornável para a nossa afirmação soberana”.

Destacou o especial interesse e preocupação de Cavaco com a manutenção das condições indispensáveis ao exercício do comando da parte dos chefes militares e, por conseguinte, “da cadeia de comando, valorizando a carreira militar e o respeito pela sua especificidade.
Recordou, depois, a carreira do antigo alferes, recuando a 5 de agosto de 1962, quando foi incorporado no exército português, para embarcar, no ano seguinte, para Lourenço Marques, até 1965, o momento em que passou à disponibilidade:
“Serviu, durante dois anos, no Conselho Administrativo e na Chefia do Serviço de Contabilidade e Administração (…), onde lhe foram reconhecidas, em público louvor, a sua capacidade de trabalho, correção, inteligência e dotes de caráter”.

E explicitou:
Quarenta anos depois, mais concretamente em 9 de março de 2006, o antigo alferes, professor doutor Aníbal Cavaco Silva, toma posse como Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, ocupando, por inerência, o primeiro lugar na sua hierarquia”.
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Panegírico maior não era possível. Contrasta mesmo com o apagamento inexorável que a opinião pública está a fazer do imperium de Cavaco, apagamento em que é solidário o Presidente eleito, que vem recebendo a todos no Palácio da Ajuda, sem estar legitimado pelo exercício.
Quem diria que Presidente em exercício e Presidente eleito não seriam figuras institucionais!

2016.02.17 – Louro de Carvalho

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