sábado, 6 de fevereiro de 2016

Sobre a reversão da TAP alcançada pelo Governo

O programa eleitoral do PS e o programa do Governo previam a reversão da TAP e ela fez-se. Porém, importa saber de que reversão se trata. Assim, temos de perceber se a que foi conseguida corresponde à que estava em programa. Costa chegou a dizer que a reversão iria dar-se ou por acordo ou sem acordo, mas também declarou esperar que se chegaria a acordo.
Na verdade, um dos governos anteriores, o XIX Governo, na esteira da intenção do Estado de privatizar a empresa e no seguimento do inscrito no memorando de entendimento (o programa de resgate), decidiu-se, em segunda tentativa, pela alienação de 61% do capital da empresa, com a possibilidade de futura alienação de mais uma fatia de capital, reservando uma porção de 5% para os trabalhadores. O caderno de encargos e as garantias propaladas pelo referido Governo e a sua viabilidade de correspondência com a realidade são aquilo que já foi comentado à saciedade. E a formalização do contrato de privatização ocorreu quando o XX Governo já tinha tombado por via da rejeição parlamentar do seu programa.
O Primeiro-Ministro argumentava, em relação a esta matéria, que os governos do PS nunca pretenderam a alienação da maioria do capital da TAP, mas sim o encontro de um parceiro estratégico; que, apesar de a privatização estar inscrita no memorando de entendimento, como outras privatizações, o Estado já tinha feito o encaixe de verbas superior ao que estava previsto pela via das privatizações; e, que o PS – agora o Governo – não pondo em causa a privatização parcial, entendia que o interesse nacional e a estratégia da empresa ficariam mais bem salvaguardados com a detenção da maioria o capital pelo Estado. Portanto, as negociações com os compradores tinham como objetivo a detenção de 51% do capital por parte do Estado.
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Porém, o que se passou é diferente. O Governo vai pagar 1,9 milhões de euros para que o Estado fique com 50% da TAP (em vez dos atuais 34%), em resultado das negociações com o consórcio Gateway, que tinha 61% do capital da companhia e que agora fica com 45%, podendo vir a chegar aos 50%, com a aquisição do capital à disposição dos trabalhadores.
Este novo acordo vem alterar a decisão tomada pelo anterior executivo que, em novembro do ano passado, assinou um acordo de venda direta de 61% do capital da TAP para os empresários Humbero Pedrosa e o norte-americano David Neelman, que ficam, por agora, com 45% do capital da companhia aérea nacional.
O Primeiro-Ministro reconheceu que as negociações entre o Governo e o consórcio Gateway (de Humberto Pedrosa, do grupo “Barraqueiro”, e David Neeleman, da “Azul Linhas Aéreas Brasileiras”) sobre a TAP “não foram fáceis”, mas redundaram “numa boa parceria”, declarando que o Estado não pensa intervir na gestão diária da empresa.
O memorando de entendimento entre o Governo e o consórcio, que devolve ao Estado 50% do capital da transportadora aérea nacional foi assinado hoje, dia 6 de fevereiro, tendo Costa, na cerimónia de assinatura, endereçado os parabéns “a quem negociou a alteração da titularidade do capital” e declarando: “É com muita satisfação que iremos ser sócios”.
A isto o empresário Humberto Pedrosa, líder do consórcio Gateway, afirmou-se confortável com o acordo assinado com o Governo, pelo qual se devolve ao Estado 50% da TAP, referindo que, apesar de inicialmente ter dito que “o nosso projeto e o do Governo não casavam”, a “boa vontade e diálogo permitiram o casamento”. E concluiu: “Chegámos a um acordo de 50%-50% de participação social, pelo que a empresa será privada”.
Já o PCP reagiu, em comunicado, acusando o executivo de “salvação da privatização” da transportadora aérea nacional, num negócio de contornos pouco claros, e prometendo insistir nas suas iniciativas legislativas no Parlamento, para lá de apelar à luta dos trabalhadores pelo controlo público da empresa. Ao assumir a detenção de apenas 50% do capital nas suas mãos e abdicando da gestão para o grupo económico em causa, o Estado não acautela, na perspetiva do PCP, as necessidades do país nem o futuro da TAP e da soberania nacional. Por isso, o que se exigia, na ótica dos comunistas, “era a pura e simples anulação do que era nulo, expulsando da TAP o grupo monopolista que tomou conta da empresa e que o Governo PSD/CDS lá meteu ilegalmente”.
Por seu turno, o BE, outro dos componentes da maioria parlamentar que apoia o Governo, classificou a reversão para o Estado do controlo de metade da transportadora aérea TAP como um mero formalismo, uma vez que “não defende completamente o interesse público, em termos de decisões estratégicas e de investimento futuros”.
Nas palavras do deputado Heitor de Sousa, o Bloco de Esquerda sustenta que “esta notícia da quase recuperação do controlo público da TAP é um mero formalismo. Devia ser 51%”. Se as partes privadas têm a possibilidade de vir a ter a mesma participação social maioritária na empresa, não se “defende completamente o interesse público, em termos de decisões estratégicas e de investimento futuros”.
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É certo que o Governo tem o direito de escolher metade dos membros (seis) do Conselho de Administração, podendo de entre eles escolher o presidente, que passa a ter voto de qualidade. Porém, segundo o deputado bloquista, “mesmo essa espécie de cláusula de salvaguarda está ainda por saber que contorno vai tomar”, por exemplo, “em que condições poderá ser exercida”. Por isso, o grupo parlamentar do BE acompanhará os pedidos de esclarecimento assumidos por outros partidos visando que o ministro da tutela venha a esclarecer o negócio na Assembleia da República. Para Heitor de Sousa, face aos dados conhecidos, conclui-se que, sem dúvida, “todos os direitos e poderes de decisão permanecem nas mãos do capital privado”, havendo apenas “uma recuperação aparente do controlo público” sobre a companhia aérea nacional.
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O voto de qualidade só é utilizável em caso de empate. Por outro lado, o Presidente do Conselho de Administração, uma vez que se trata de órgão não executivo, não terá peso algum na gestão executiva ou na gestão operacional.
Efetivamente, “todos os direitos e poderes de decisão permanecem nas mãos do capital privado e há apenas uma recuperação aparente do controlo público”, como diz o BE. É mesmo aparente a recuperação do controlo público. Os 50% do capital tornam o Estado fiador responsável, mas sem poder. O PCA não gere coisíssima nenhuma: quem gere são os gestores (comissão executiva e diretor geral ou equivalente, diretor financeiro, diretor de operações).
No entanto, um voto de qualidade significa sempre que estará nas mãos de quem o pode utilizar a capacidade de influenciar uma decisão final em caso de hesitação estratégica. Por isso, o escolhido dever ser pessoa que saiba colocar acima de tudo os superiores interesses do Estado.
As posições do PCP e do BE correspondem àquilo que era de esperar destes partidos, no alinhamento com o que vêm defendendo sobre a necessidade do controlo do Estado sobre os meios estratégicos do país.
O tal memorando de entendimento entre o Governo e os privados deixa a sorte da companhia aérea nacional como o tolo no meio da ponte, que não sabe para que margem do rio há de ir, ou como o rapaz da cidade espanhola de Toledo, portador de deficiência, que estava na rua e chorava, pois, como a mãe lhe tinha vestido as calças com a parte de trás colocada para a frente e vice-versa, o rapaz não sabia se ia ou se vinha. Isto é, os privados não têm a certeza se conseguirão controlar a empresa, pois não é certo que venham a deter mais capital, embora a gestão corrente e a proposta de direção estratégica esteja do lado deles, sendo difícil ao Estado intervir, na prática, nos negócios da empresa; e o Estado só em casos extremos terá do seu lado o voto de qualidade no Conselho de Administração, órgão de supervisão, mas não executivo.
A estratégia da transportadora aérea nacional, dado que a sua definição ou redefinição costuma ser objeto de aprovação por maioria qualificada determinada estatutariamente com base no código das sociedades comerciais e demais legislação aplicável, fica sujeita ao mecanismo da negociação e do diálogo.
Esperemos pelo bom senso, já que não poderemos esperar pelo patriotismo!

2016.02.06 – Louro de Carvalho

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