domingo, 14 de fevereiro de 2016

Um capital humano aberto à esperança

No quadro da sua visita apostólica ao México, o Papa deslocou-se de papamóvel, no passado sábado dia 13 de fevereiro, ao Palácio Nacional da capital mexicana, para a cerimónia de boas-vindas e visita de cortesia ao Presidente Enrique Peña Nieto.
Francisco foi o primeiro Pontífice a ser lá recebido, sendo assim ultrapassado o rigorismo do secularismo do Estado, preconizado pelo PRI (Partido Revolucionário Institucional). Foi um gesto simbólico num país devoto, mas com uma larga tradição laica e que, apenas em 1992, restabeleceu relações diplomáticas com a Santa Sé.
Ao chegar ao país na véspera, já tinha cumprimentado o Presidente da República e a esposa, que o esperavam no Aeroporto Internacional  Benito Juárez da Cidade do México, onde milhares de pessoas o receberam calorosamente, realizando um espetáculo com coreografias e folclore. Daí o Santo Padre foi para a Nunciatura Apostólica, onde descansou.
Na manhã do dia 13, deixou a embaixada da Santa Sé na capital asteca e percorreu uma distância considerável no veículo descoberto pelas avenidas da Cidade do México, onde milhares de pessoas aguardavam a sua passagem acenando com lenços, bandeiras e cartazes, até à sua chegada ao Palácio Nacional, em cuja entrada o Pontífice latino-americano foi recebido pelo Presidente da República e pela primeira-dama, que o acompanharam até ao Pátio de Honra. Depois dos hinos do México e do Vaticano, houve a apresentação das duas delegações, numa cerimónia protocolar.
Em seguida, o Papa dirigiu-se, com o Presidente Peña Nieto ao departamento presidencial para o encontro privado, que terminou com a apresentação dos familiares e das delegações. Ao mesmo tempo, realizou-se um encontro bilateral entre alguns membros da delegação da Santa Sé com autoridades do Governo da República.
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Depois, ainda no Palácio Nacional, ocorreu o previsto Encontro com as Autoridades, com a Sociedade Civil e com o Corpo Diplomático.
Após as palavras de saudação e boas-vindas proferidas pelo Presidente da República, o Papa Francisco pronunciou o seu discurso emblemático. Falou de si mesmo, da posição geográfico-histórica do México, das caraterísticas que devem enformar as preocupações dos responsáveis pela vida social, cultural e política e da postura da Igreja Católica.
De si, Francisco disse sentir alegria em poder pisar a “terra mexicana que ocupa um lugar especial no coração das Américas”. Apresentou-se como missionário de misericórdia e de paz, como declarara na videomensagem que enviara previamente ao povo mexicano, e como filho que deseja “prestar homenagem” à Virgem Mãe de Guadalupe e “deixar-se olhar por Ela”.
E é na situação da procura de ser um bom filho, que segue os passos da mãe, que pretende “prestar homenagem a este povo e a esta terra tão rica de cultura, história e diversidade”, saudando e abraçando, na pessoa do Presidente, “o povo mexicano nas suas múltiplas expressões e nas mais diversas situações em que vive”.
Do México, salienta as riquezas naturais abundantes e a enorme biodiversidade que se estende ao longo de todo o vasto território. Se a “localização geográfica privilegiada” faz do país “uma encruzilhada das Américas”, as culturas “indígenas, mestiças e crioulas dão-lhe uma identidade própria”, que aprendeu a tomar forma na diversidade e que é geradora de uma riqueza cultural nem sempre fácil de encontrar e de valorizar. Trata-se de “um rico património que deve ser valorizado, incentivado e cuidado”. Este é o primeiro aviso.
Depois, acentua como principal riqueza do México o seu rosto jovem, já que “um pouco mais de metade da população é composta por jovens”, o que “permite pensar e projetar um futuro”.
É neste fenómeno que radica a esperança humana e a abertura ao futuro, pois, “um povo rico de juventude é um povo capaz de se renovar”. Este rosto jovem da riqueza mexicana é “um convite a levantar o olhar com confiança para o futuro” e um desafio positivo ao presente.
A seguir, o Papa tira consequências:
- Obrigação de refletir sobre a responsabilidade de cada um na construção do país que se deseja transmitir às gerações futuras;
- Necessidade de assumir a convicção de que “um futuro rico de esperança se forja num presente feito de homens e mulheres justos, honestos, capazes de comprometer-se com o bem comum, aquele “bem comum” que neste século XXI não é muito apreciado.
E faz um segundo aviso, sério e dramático:
“A experiência demonstra-nos que, quando se busca o caminho do privilégio ou do benefício para poucos em detrimento do bem de todos, mais cedo ou mais tarde, a vida em sociedade transforma-se num terreno fértil para a corrupção, o tráfico de drogas, a exclusão das culturas diferentes, a violência e até o tráfico humano, o sequestro e a morte, que causam sofrimento e travam o desenvolvimento”.
A História revela que o povo mexicano cedo descobriu a vantagem de estabelecer pontes: entre o passado e o presente, entres os diversos setores geográficos e sociais e para o exterior.
O México adquiriu e reforçou “a sua experiência com uma identidade forjada, em momentos árduos e difíceis da sua história, por grandes testemunhos de cidadãos que compreenderam que, para se poder superar as situações nascidas do fechamento do individualismo, era necessário o acordo das instituições políticas, sociais e de mercado, e de todos os homens e mulheres comprometidos na busca do bem comum e na promoção da dignidade da pessoa”.
Neste sentido, a nação detém “uma cultura ancestral e um capital humano aberto à esperança”, que “deve ser uma fonte de estímulo para encontrar novas formas de diálogo, de negociação, de pontes capazes de nos guiar ao longo do percurso dum empenho de solidariedade”, um empenho no qual todos se devem envolver.
Os responsáveis pela vida social, cultural e política têm o especial dever de “trabalhar para oferecer a todos os cidadãos a oportunidade de serem dignos protagonistas do seu destino na família e em todos os âmbitos onde se desenvolve a socialidade humana, ajudando-os a ter acesso efetivo aos bens materiais e espirituais indispensáveis: moradia adequada, trabalho digno, alimentação, justiça real, uma segurança eficaz, um ambiente são e pacífico. É tudo isto, que não é pouco, mas a que todos têm direito. É a cartilha dos direitos humanos fundamentais.
Este desiderato consegue-se, não só pela elaboração e promulgação de leis, “que requerem atualizações e melhorias – sempre necessárias” –, mas sobretudo pela “formação urgente da responsabilidade pessoal de cada um no pleno respeito pelo outro como corresponsável na causa comum de promover o desenvolvimento da nação”. É “um dever que envolve todo o povo mexicano nas suas várias instâncias: públicas e privadas, coletivas e individuais”.
Quanto à Igreja, o Papa afirma o dever de todos, “a começar por aqueles que se definem como cristãos”, de se dedicarem “à construção de uma política verdadeiramente humana (Gaudium et Spes, 73) e de uma sociedade onde ninguém se sinta vítima da cultura do descarte”. É o já mencionado percurso dum empenho de solidariedade resultante cultura ancestral e do capital humano aberto à esperança, referidos. Os cristãos não são do mundo, mas estão no mundo.
Por outro lado, o Pontífice assegura ao esforço do governo mexicano “a colaboração da Igreja Católica, que acompanhou a vida desta nação e hoje renova o seu empenho e vontade de se pôr ao serviço da nobre causa da edificação da civilização do amor”. É a Igreja encarnada na cultura e na ação política, que não na direção do poder nem na subserviência ao poder.
Por fim, o Papa reafirmou o propósito de “percorrer este belo e grande país como missionário e peregrino, que deseja renovar convosco a experiência da misericórdia qual novo horizonte de possibilidades inevitavelmente portador de justiça e de paz”. E colocou-se “sob o olhar de Maria, a Virgem de Guadalupe, para que, por sua intercessão, o Pai misericordioso conceda que estes dias e o futuro desta terra sejam uma oportunidade de encontro, de comunhão e de paz”.
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O discurso papal, enroupado de simpatia por quem recebe Pontífice e de apreço pela posição geoestratégica do país, apela, sem dúvida, à responsabilidade de cada um, mas não deixa de pedir, com toda a clareza, força e vigor, aos políticos o que é muito difícil de cumprir e até de escutar: que abandonem os privilégios e garantam a “justiça real” e a segurança aos seus cidadãos, apontando as consequências nefastas da opção pelo estatuto de privilegiado ou do benefício público em proveito próprio: a corrupção, o tráfico de droga, a exclusão das diferentes culturas, a violência, o tráfico de seres humanos, a morte.
A escritora e jornalista mexicana Guadalupe Loaeza denominou, segundo o jornal El País, o discurso de Francisco de “uma lufada de ar fresco para a tristeza perene do México”. E a “lufada de ar fresco”, na pessoa do Papa Francisco, tem pontos ainda mais “quentes” no seu roteiro mexicano para visitar, como Chiapas ou a mártir Ciudad Juárez, cemitério de milhares de inocentes e palco de inomináveis crimes. Se mais nada valer, que impere a ideia de uma “coragem profética” onde já tudo falhou, mas onde não pode continuar o falhanço.

2016.02.14 – Louro de Carvalho

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