No quadro da
sua visita apostólica ao México, o Papa deslocou-se de papamóvel, no passado
sábado dia 13 de fevereiro, ao Palácio Nacional da capital mexicana, para a
cerimónia de boas-vindas e visita de cortesia ao Presidente Enrique Peña Nieto.
Francisco foi
o primeiro Pontífice a ser lá recebido, sendo assim ultrapassado o rigorismo do
secularismo do Estado, preconizado pelo PRI (Partido Revolucionário Institucional). Foi
um gesto simbólico num país devoto, mas com uma larga tradição laica e que,
apenas em 1992, restabeleceu relações diplomáticas com a Santa Sé.
Ao chegar ao país na véspera, já tinha cumprimentado o
Presidente da República e a esposa, que o esperavam no Aeroporto
Internacional Benito Juárez da
Cidade do México, onde
milhares de pessoas o receberam calorosamente, realizando um espetáculo com coreografias
e folclore. Daí o Santo Padre foi para a Nunciatura Apostólica, onde descansou.
Na manhã do dia 13, deixou a embaixada da Santa Sé na
capital asteca e percorreu uma distância considerável no veículo descoberto
pelas avenidas da Cidade do México, onde milhares de pessoas aguardavam a sua
passagem acenando com lenços, bandeiras e cartazes, até à sua chegada ao Palácio
Nacional, em cuja entrada o Pontífice latino-americano foi recebido pelo Presidente
da República e pela primeira-dama, que o acompanharam até ao Pátio de Honra.
Depois dos hinos do México e do Vaticano, houve a apresentação das duas
delegações, numa cerimónia protocolar.
Em seguida, o Papa dirigiu-se, com o Presidente Peña
Nieto ao departamento presidencial para o encontro privado, que terminou com a
apresentação dos familiares e das delegações. Ao mesmo tempo, realizou-se um
encontro bilateral entre alguns membros da delegação da Santa Sé com
autoridades do Governo da República.
***
Depois,
ainda no Palácio
Nacional, ocorreu o previsto Encontro com as Autoridades, com a Sociedade
Civil e com o Corpo Diplomático.
Após as
palavras de saudação e boas-vindas proferidas pelo Presidente da República, o
Papa Francisco pronunciou o seu discurso emblemático. Falou de si mesmo, da posição
geográfico-histórica do México, das caraterísticas que devem enformar as
preocupações dos responsáveis pela vida social, cultural e política e da
postura da Igreja Católica.
De
si,
Francisco disse sentir alegria em poder pisar a “terra mexicana que ocupa um
lugar especial no coração das Américas”. Apresentou-se como missionário de misericórdia e
de paz, como declarara na videomensagem que enviara previamente ao povo
mexicano, e como filho que deseja “prestar homenagem” à Virgem Mãe de Guadalupe
e “deixar-se olhar por Ela”.
E
é na situação da procura de ser um bom filho, que segue os passos da mãe, que
pretende “prestar homenagem a este povo e a esta terra tão rica de cultura,
história e diversidade”, saudando e abraçando, na pessoa do Presidente, “o povo
mexicano nas suas múltiplas expressões e nas mais diversas situações em que vive”.
Do México, salienta as riquezas naturais
abundantes e a enorme biodiversidade que se estende ao longo de todo o vasto
território. Se a “localização geográfica privilegiada” faz do país “uma
encruzilhada das Américas”, as culturas “indígenas, mestiças e crioulas dão-lhe
uma identidade própria”, que aprendeu a tomar forma na diversidade e que é geradora
de uma riqueza cultural nem sempre fácil de encontrar e de valorizar. Trata-se
de “um rico património que deve ser valorizado, incentivado e cuidado”. Este é o primeiro aviso.
Depois, acentua
como principal riqueza do México o seu rosto jovem, já que “um pouco mais de
metade da população é composta por jovens”, o que “permite pensar e projetar um
futuro”.
É neste fenómeno
que radica a esperança humana e a abertura ao futuro, pois, “um povo rico de
juventude é um povo capaz de se renovar”. Este rosto jovem da riqueza mexicana
é “um convite a levantar o olhar com confiança para o futuro” e um desafio positivo
ao presente.
A seguir, o
Papa tira consequências:
- Obrigação
de refletir sobre a responsabilidade de cada um na construção do país que se
deseja transmitir às gerações futuras;
- Necessidade
de assumir a convicção de que “um futuro rico de esperança se forja num
presente feito de homens e mulheres justos, honestos, capazes de comprometer-se
com o bem comum, aquele “bem comum” que neste século XXI não é muito apreciado.
E faz um segundo aviso, sério e dramático:
“A experiência demonstra-nos que, quando se busca o caminho do privilégio
ou do benefício para poucos em detrimento do bem de todos, mais cedo ou mais
tarde, a vida em sociedade transforma-se num terreno fértil para a corrupção, o
tráfico de drogas, a exclusão das culturas diferentes, a violência e até o
tráfico humano, o sequestro e a morte, que causam sofrimento e travam o
desenvolvimento”.
A História
revela que o povo mexicano cedo descobriu a vantagem de estabelecer pontes:
entre o passado e o presente, entres os diversos setores geográficos e sociais
e para o exterior.
O México adquiriu
e reforçou “a sua experiência com uma identidade forjada, em momentos árduos e
difíceis da sua história, por grandes testemunhos de cidadãos que compreenderam
que, para se poder superar as situações nascidas do fechamento do
individualismo, era necessário o acordo das instituições políticas, sociais e
de mercado, e de todos os homens e mulheres comprometidos na busca do bem comum
e na promoção da dignidade da pessoa”.
Neste sentido,
a nação detém “uma cultura ancestral e um capital humano aberto à esperança”, que
“deve ser uma fonte de estímulo para encontrar novas formas de diálogo, de
negociação, de pontes capazes de nos guiar ao longo do percurso dum empenho de
solidariedade”, um empenho no qual todos se devem envolver.
Os responsáveis pela
vida social, cultural e política têm o especial dever de “trabalhar para oferecer a todos os
cidadãos a oportunidade de serem dignos protagonistas do seu destino na família
e em todos os âmbitos onde se desenvolve a socialidade humana, ajudando-os a
ter acesso efetivo aos bens materiais e espirituais indispensáveis: moradia adequada, trabalho digno,
alimentação, justiça real, uma segurança eficaz, um ambiente são e pacífico.
É tudo isto, que não é pouco, mas a que todos têm direito. É a cartilha dos direitos humanos fundamentais.
Este desiderato
consegue-se, não só pela elaboração e promulgação de leis, “que requerem
atualizações e melhorias – sempre necessárias” –, mas sobretudo pela “formação
urgente da responsabilidade pessoal de cada um no pleno respeito pelo outro
como corresponsável na causa comum de promover o desenvolvimento da nação”. É “um
dever que envolve todo o povo mexicano nas suas várias instâncias: públicas e
privadas, coletivas e individuais”.
Quanto à Igreja, o Papa afirma o dever de todos, “a
começar por aqueles que se definem como cristãos”, de se dedicarem “à
construção de uma política
verdadeiramente humana (Gaudium et Spes, 73) e de uma sociedade onde ninguém se sinta vítima da
cultura do descarte”. É o já mencionado percurso dum empenho de solidariedade resultante
cultura ancestral e do capital humano aberto à esperança, referidos. Os cristãos não são do mundo, mas estão no
mundo.
Por outro
lado, o Pontífice assegura ao esforço do governo mexicano “a colaboração da
Igreja Católica, que acompanhou a vida desta nação e hoje renova o seu empenho
e vontade de se pôr ao serviço da nobre causa da edificação da civilização do
amor”. É a Igreja encarnada na cultura e
na ação política, que não na direção do poder nem na subserviência ao poder.
Por fim, o
Papa reafirmou o propósito de “percorrer este belo e grande país como
missionário e peregrino, que deseja renovar convosco a experiência da
misericórdia qual novo horizonte de possibilidades inevitavelmente portador de
justiça e de paz”. E colocou-se “sob o olhar de Maria, a Virgem de Guadalupe,
para que, por sua intercessão, o Pai misericordioso conceda que estes dias e o
futuro desta terra sejam uma oportunidade de encontro, de comunhão e de paz”.
***
O discurso papal, enroupado de simpatia por quem
recebe Pontífice e de apreço pela posição geoestratégica do país, apela, sem dúvida,
à responsabilidade de cada um, mas não deixa de pedir, com toda a clareza,
força e vigor, aos políticos o que é muito difícil de cumprir e até de escutar:
que abandonem os privilégios e garantam a “justiça real” e a segurança aos seus
cidadãos, apontando as consequências nefastas da opção pelo estatuto de
privilegiado ou do benefício público em proveito próprio: a corrupção, o
tráfico de droga, a exclusão das diferentes culturas, a violência, o tráfico de
seres humanos, a morte.
A escritora e jornalista mexicana Guadalupe Loaeza denominou,
segundo o jornal El País, o discurso de Francisco de “uma lufada de
ar fresco para a tristeza perene do México”. E a “lufada de ar fresco”, na
pessoa do Papa Francisco, tem pontos ainda mais “quentes” no seu roteiro mexicano
para visitar, como Chiapas ou a mártir Ciudad Juárez, cemitério de milhares de
inocentes e palco de inomináveis crimes. Se mais nada valer, que impere a ideia
de uma “coragem profética” onde já tudo falhou, mas onde não pode continuar o falhanço.
2016.02.14 –
Louro de Carvalho
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