O
papa Francisco presidiu à celebração eucarística na Basílica de Guadalupe no
passado dia 13 de fevereiro no quadro da sua visita apostólica ao México.
Como
fez questão de o referir no discurso que proferiu perante as Autoridades, a
Sociedade Civil e o Corpo diplomático, o escopo da visita passava pela atitude
do “filho que quer prestar homenagem à sua mãe, a Virgem de
Guadalupe, e deixar-se olhar por Ela”.
Neste sentido, a homilia papal corresponde à
visão lúcida do cristão sobre Maria na vida de cada pessoa e no dinamismo duma
Igreja peregrina, bem como ao sentimento de ternura que Francisco nutre por
Maria, a Mãe de Misericórdia, a Senhora da Paz, que, na esteira do Pai de toda
a Consolação, se vale do mais humilde dos filhos para, na realização do
desígnio divino, zelar pelo “santuário” e apregoar as maravilhas de Deus e a
solicitude de Sua e nossa Mãe.
Comentando a perícopa evangélica do texto de
Lucas (Lc 1,39-48) proclamada na Liturgia da Palavra da Missa, referente
à visita de Maria a Isabel, o Papa acentua que “Maria foi visitar a prima Isabel” e o
fez “sem demora nem hesitação, apressadamente” para “fazer companhia à sua
parente que estava nos últimos meses de gravidez”.
Salientando que Maria não se deixou deslumbrar pelo privilégio de
que fora dotada, segundo a palavra do anjo, e que não se sentiu “no dever de se
afastar dos seus”, assegura que o encontro com o anjo “reavivou e pôs em marcha
uma solicitude pela qual Maria é e será sempre identificada como a mulher do
sim, um sim de entrega a Deus e, ao mesmo tempo, um sim de entrega aos seus
irmãos”. Pela força do “sim” inabalável, a mãe de Jesus pôs-se “em marcha para
dar o melhor de Si mesma, caminhando ao encontro dos outros”.
É o sinal indesmentível, o exemplo admirável de que o favor de
Deus não se guarda ciosamente para si, mas tem de redundar na entrega ao
serviço dos outros, a começar pelos que estão mais próximos. É a consequência
da fé pessoal expressa em obra em prol da comunidade.
***
A
escuta da mencionada perícopa do evangelho lucano no ambiente da Basílica de
Guadalupe, tendo “um sabor especial” na ótica do Pontífice latino-americano,
faz-lhe estabelecer o paralelo entre a visita que a Senhora do Sim fez a Isabel, sua parenta, e a visita que Se dignou
fazer aos “habitantes desta terra da América na pessoa do índio São Juan Diego”.
Como soube viver e agir no estilo do povo da Galileia e da Judeia e percorrer
aquelas estradas, também soube e quis mover-se “pelas estradas que a levaram a
alcançar “Tepeyac, com as suas roupas, usando a sua língua, para servir esta
grande nação”. E, “como acompanhou a gravidez de Isabel”, também “acompanhou e
acompanha a gestação desta abençoada terra mexicana”. É a incarnação de Maria
na cultura e na vida sofrida de cada lugar e de cada tempo histórico, vestindo
as cores do lugar e do tempo sem renunciar às vestes da salvação, à cor
celeste, à profundeza da mensagem e à agilidade da disponibilidade para Deus e
para as pessoas e povos.
Tal
como Deus fez grandes coisas em sua humilde serva (cf Lc 1,48.49), também Maria “Se
apresentou ao humilde Juanito” e, do mesmo modo, “continua a fazer-se presente
junto de todos nós, especialmente daqueles que sentem, como ele, que não valem nada”.
Diz
o Papa que “aquela escolha particular” ou “preferencial de Juanito” não foi uma
escolha “contra ninguém, mas a favor de todos”. Vem na lógica do sentido do
carisma enquanto dom de Deus concedido a uma pessoa para bem de toda a
comunidade.
Numa
atitude de predileção amorosa e misericordiosa de quem sabe que a Deus nada é
impossível (cf
Lc 1,37), a Mulher do Sim fez do índio humilde Juan
Diego (Juanito) – que se considerava
como “mecapal, cacaxtle,
cauda, asa, necessitado ele próprio de ser conduzido” – o seu mensageiro, o “muito
digno de confiança”.
***
Com
aquele primeiro “milagre”, ocorrido “naquela madrugada de Dezembro de 1531” e
“que se tornará depois a memória viva de tudo o que guarda este Santuário”, –
explicita o Papa – “naquele encontro, Deus despertou a esperança de seu filho
Juan, a esperança dum povo”.
Deste
facto, Francisco tira consequências no alinhamento com a convicção de que Deus
está preferencialmente do lado dos mais desfavorecidos. São pertinentes a suas
palavras de implicância social e política, decorrentes do Evangelho:
“Naquele amanhecer, Deus despertou e desperta a esperança dos
mais humildes, dos atribulados, dos deslocados e marginalizados, de quantos
sentem que não têm um lugar digno nestas terras. Naquele amanhecer, Deus
aproximou-Se e aproxima-Se do coração atribulado mas resistente de tantas mães,
pais, avós que viram os seus filhos partir, viram-nos perdidos ou mesmo
arrebatados pela criminalidade.”
Por
outro lado, torna-se necessário que as pessoas que sofrem a marginalização, a
pobreza ou o descarte despertem em si mesmas a consciência crítica da
realidade, acalentem a esperança, confiem na misericórdia de Deus e se
comprometam a testemunhar e a usar de misericórdia solidária para com os
demais.
Apesar
de Juanito ter dito à Virgem que ele não era a pessoa certa, “Maria, decididamente
– com a decisão que nasce do coração misericordioso do Pai –, não aceita”. O
seu propósito é irreversível: “ele seria o seu mensageiro”. Com efeito,
“naquele amanhecer, Juanzito experimenta na sua vida o que é a esperança, o que
é a misericórdia de Deus”. Por conseguinte, “é escolhido para vigiar, cuidar,
proteger e incentivar a construção deste Santuário”. Muito embora tenha
sugerido à Virgem que, “se Ela queria levar por diante aquela obra, deveria
escolher outros – porque ele não tinha instrução, não era formado, nem
pertencia ao grupo daqueles que poderiam realizá-la” – a Mulher do Sim não desiste do filho humilde, tal como Deus nunca
desiste do homem.
Porém,
o discurso pontifical ultrapassa a fisicidade do santuário de pedra para
atingir o santuário de carne e alma:
“Deste modo consegue
manifestar algo difícil de expressar, uma verdadeira e própria imagem
transparente de amor e de justiça: na construção do outro santuário – o
santuário da vida, o das nossas comunidades, sociedades e culturas –, ninguém
pode ser deixado de fora”.
E
este é um santuário de inclusão, tanto do lado dos colaboradores como do dos
destinatários:
“Todos somos necessários,
sobretudo aqueles que normalmente não contam porque não estão à altura das
circunstâncias ou porque não “contribuem com o capital necessário” para a sua
construção. O santuário de Deus é a vida dos seus filhos, de todos e em todas
as condições, especialmente dos jovens sem futuro, expostos a uma infinidade de
situações dolorosas e arriscadas, e dos idosos sem reconhecimento, esquecidos
em tantos cantos. O santuário de Deus são as nossas famílias que precisam do
mínimo necessário para se poderem formar e sustentar. O santuário de Deus é o
rosto de tantos que encontramos no nosso caminho...”
***
Segundo
Francisco, a visita ao santuário mariano pode ser palco do diálogo íntimo do
filho com a Mãe, como aconteceu com Juan Diego, a quem nos dirigimos “a partir
das nossas dores, medos, desesperos, tristezas, e dizer-Lhe: Que posso dar eu, se não sou uma pessoa instruída?”.
Podemos ainda fixá-la com o lamento de que “há tantas situações que nos tiram a
força, que nos fazem sentir que não há espaço para a esperança, para a mudança,
para a transformação”.
Embora
não desdizendo da validade do olhar do lado das dores e lamentos o Papa prefere
a oração de silêncio da parte de quem ama e sugere a seguinte oração de amor
filial, tranquilidade e compromisso:
“Olhar-Te simplesmente –
Mãe –, deixando aberto só o olhar; olhar-Te de cima a baixo, sem Te dizer nada,
e dizer-Te tudo, mudo e reverente.
Não turbar o vento da tua
fronte; só abrigar a minha solidão violada nos teus olhos de Mãe enamorada e no
teu ninho de terra transparente.
As horas precipitam;
fustigados mordem os homens insensatos a imundície da vida e da morte, com os
seus rumores.
Olhar-Te, Mãe;
contemplar-Te apenas, o coração silencioso na tua ternura, no teu casto
silêncio de açucenas”. (Hino litúrgico).
E
Francisco pretende que “no silêncio, enquanto ficamos a contemplá-La, ouvir que
nos repete, Que tens, meu filho, o menor
de todos? O que é que entristece o teu coração?, percebamos que Ela afirma
que está aqui e que tem a honra de ser nossa mãe.
Sentir
o carinho da mãe e a afirmação de que tem a honra e a disponibilidade de ser
nossa mãe – isto “dá-nos a certeza de que as lágrimas daqueles que sofrem, não
são estéreis”, mas “são uma oração silenciosa que sobe até ao céu e que, em
Maria, encontra sempre lugar sob o seu manto”.
***
Por
fim, o Papa assegura que, através da maternidade universal de Maria (Ela é mãe de todos e de cada
um),
perceberemos melhor a paternidade de Deus em relação a todos e cada um de nós e
o seu companheirismo. E, se Maria é Mãe de todos e Deus é Pai de todos, então
fica estabelecida para sempre a fraternidade universal: nós somos irmãos porque
somos filhos de mãe comum e de pai comum. “N’Ela e com Ela, Deus faz-Se irmão e
companheiro de estrada, carrega connosco as cruzes para não deixar as nossas
dores esmagar-nos” – diz o Papa.
Por
conseguinte, se Ela é a nossa mãe, se está aqui, tem força para nos dizer: “Não
te deixes vencer pelas tuas dores, pelas tuas tristezas” e destina-nos para a
missão:
“Hoje, volta a enviar-nos
como a Juanito; hoje repete para nós: Sê o meu mensageiro, sê o meu enviado
para construir muitos santuários novos, acompanhar tantas vidas, consolar
tantas lágrimas. Basta que caminhes pelas estradas do teu bairro, da tua
comunidade, da tua paróquia como meu mensageiro, minha mensageira; levanta
santuários compartilhando a alegria de saber que não estamos sozinhos, que Ela
está connosco.”
E
como seremos seus mensageiros e administradores do seu santuário?
- Dando de comer aos famintos,
de beber aos sedentos; oferecendo um lugar aos necessitados, vestindo os nus e
visitando os doentes; e socorrendo os prisioneiros, não os deixando sozinhos;
- Perdoando a quem nos fez
mal, consolando quem está triste, tendo paciência com os outros;
- Implorando e invocando o
nosso Deus; e, no silêncio, dizendo à Mãe o que vier ao coração.
Construir
o santuário implica “ajudar a erguer” a vida dos filhos de Maria, nossos irmãos;
significa reconhecer que Deus é Pai, mas não só meu Pai ou não é Pai meu e
padrasto dos outros. Ele é nosso Pai!
2016.02.16 – Louro
de Carvalho
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