quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Ele foi, ele é o seu mensageiro

O papa Francisco presidiu à celebração eucarística na Basílica de Guadalupe no passado dia 13 de fevereiro no quadro da sua visita apostólica ao México.   
Como fez questão de o referir no discurso que proferiu perante as Autoridades, a Sociedade Civil e o Corpo diplomático, o escopo da visita passava pela atitude do “filho que quer prestar homenagem à sua mãe, a Virgem de Guadalupe, e deixar-se olhar por Ela”.
Neste sentido, a homilia papal corresponde à visão lúcida do cristão sobre Maria na vida de cada pessoa e no dinamismo duma Igreja peregrina, bem como ao sentimento de ternura que Francisco nutre por Maria, a Mãe de Misericórdia, a Senhora da Paz, que, na esteira do Pai de toda a Consolação, se vale do mais humilde dos filhos para, na realização do desígnio divino, zelar pelo “santuário” e apregoar as maravilhas de Deus e a solicitude de Sua e nossa Mãe.
Comentando a perícopa evangélica do texto de Lucas (Lc 1,39-48) proclamada na Liturgia da Palavra da Missa, referente à visita de Maria a Isabel, o Papa acentua que “Maria foi visitar a prima Isabel” e o fez “sem demora nem hesitação, apressadamente” para “fazer companhia à sua parente que estava nos últimos meses de gravidez”.
Salientando que Maria não se deixou deslumbrar pelo privilégio de que fora dotada, segundo a palavra do anjo, e que não se sentiu “no dever de se afastar dos seus”, assegura que o encontro com o anjo “reavivou e pôs em marcha uma solicitude pela qual Maria é e será sempre identificada como a mulher do sim, um sim de entrega a Deus e, ao mesmo tempo, um sim de entrega aos seus irmãos”. Pela força do “sim” inabalável, a mãe de Jesus pôs-se “em marcha para dar o melhor de Si mesma, caminhando ao encontro dos outros”.
É o sinal indesmentível, o exemplo admirável de que o favor de Deus não se guarda ciosamente para si, mas tem de redundar na entrega ao serviço dos outros, a começar pelos que estão mais próximos. É a consequência da fé pessoal expressa em obra em prol da comunidade.
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A escuta da mencionada perícopa do evangelho lucano no ambiente da Basílica de Guadalupe, tendo “um sabor especial” na ótica do Pontífice latino-americano, faz-lhe estabelecer o paralelo entre a visita que a Senhora do Sim fez a Isabel, sua parenta, e a visita que Se dignou fazer aos “habitantes desta terra da América na pessoa do índio São Juan Diego”. Como soube viver e agir no estilo do povo da Galileia e da Judeia e percorrer aquelas estradas, também soube e quis mover-se “pelas estradas que a levaram a alcançar “Tepeyac, com as suas roupas, usando a sua língua, para servir esta grande nação”. E, “como acompanhou a gravidez de Isabel”, também “acompanhou e acompanha a gestação desta abençoada terra mexicana”. É a incarnação de Maria na cultura e na vida sofrida de cada lugar e de cada tempo histórico, vestindo as cores do lugar e do tempo sem renunciar às vestes da salvação, à cor celeste, à profundeza da mensagem e à agilidade da disponibilidade para Deus e para as pessoas e povos.
Tal como Deus fez grandes coisas em sua humilde serva (cf Lc 1,48.49), também Maria “Se apresentou ao humilde Juanito” e, do mesmo modo, “continua a fazer-se presente junto de todos nós, especialmente daqueles que sentem, como ele, que não valem nada”.
Diz o Papa que “aquela escolha particular” ou “preferencial de Juanito” não foi uma escolha “contra ninguém, mas a favor de todos”. Vem na lógica do sentido do carisma enquanto dom de Deus concedido a uma pessoa para bem de toda a comunidade.
Numa atitude de predileção amorosa e misericordiosa de quem sabe que a Deus nada é impossível (cf Lc 1,37), a Mulher do Sim fez do índio humilde Juan Diego (Juanito) – que se considerava como “mecapal, cacaxtle, cauda, asa, necessitado ele próprio de ser conduzido” – o seu mensageiro, o “muito digno de confiança”.
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Com aquele primeiro “milagre”, ocorrido “naquela madrugada de Dezembro de 1531” e “que se tornará depois a memória viva de tudo o que guarda este Santuário”, – explicita o Papa – “naquele encontro, Deus despertou a esperança de seu filho Juan, a esperança dum povo”.
Deste facto, Francisco tira consequências no alinhamento com a convicção de que Deus está preferencialmente do lado dos mais desfavorecidos. São pertinentes a suas palavras de implicância social e política, decorrentes do Evangelho:
“Naquele amanhecer, Deus despertou e desperta a esperança dos mais humildes, dos atribulados, dos deslocados e marginalizados, de quantos sentem que não têm um lugar digno nestas terras. Naquele amanhecer, Deus aproximou-Se e aproxima-Se do coração atribulado mas resistente de tantas mães, pais, avós que viram os seus filhos partir, viram-nos perdidos ou mesmo arrebatados pela criminalidade.”
Por outro lado, torna-se necessário que as pessoas que sofrem a marginalização, a pobreza ou o descarte despertem em si mesmas a consciência crítica da realidade, acalentem a esperança, confiem na misericórdia de Deus e se comprometam a testemunhar e a usar de misericórdia solidária para com os demais. 
Apesar de Juanito ter dito à Virgem que ele não era a pessoa certa, “Maria, decididamente – com a decisão que nasce do coração misericordioso do Pai –, não aceita”. O seu propósito é irreversível: “ele seria o seu mensageiro”. Com efeito, “naquele amanhecer, Juanzito experimenta na sua vida o que é a esperança, o que é a misericórdia de Deus”. Por conseguinte, “é escolhido para vigiar, cuidar, proteger e incentivar a construção deste Santuário”. Muito embora tenha sugerido à Virgem que, “se Ela queria levar por diante aquela obra, deveria escolher outros – porque ele não tinha instrução, não era formado, nem pertencia ao grupo daqueles que poderiam realizá-la” – a Mulher do Sim não desiste do filho humilde, tal como Deus nunca desiste do homem.
Porém, o discurso pontifical ultrapassa a fisicidade do santuário de pedra para atingir o santuário de carne e alma:
“Deste modo consegue manifestar algo difícil de expressar, uma verdadeira e própria imagem transparente de amor e de justiça: na construção do outro santuário – o santuário da vida, o das nossas comunidades, sociedades e culturas –, ninguém pode ser deixado de fora”.
E este é um santuário de inclusão, tanto do lado dos colaboradores como do dos destinatários:
“Todos somos necessários, sobretudo aqueles que normalmente não contam porque não estão à altura das circunstâncias ou porque não “contribuem com o capital necessário” para a sua construção. O santuário de Deus é a vida dos seus filhos, de todos e em todas as condições, especialmente dos jovens sem futuro, expostos a uma infinidade de situações dolorosas e arriscadas, e dos idosos sem reconhecimento, esquecidos em tantos cantos. O santuário de Deus são as nossas famílias que precisam do mínimo necessário para se poderem formar e sustentar. O santuário de Deus é o rosto de tantos que encontramos no nosso caminho...”
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Segundo Francisco, a visita ao santuário mariano pode ser palco do diálogo íntimo do filho com a Mãe, como aconteceu com Juan Diego, a quem nos dirigimos “a partir das nossas dores, medos, desesperos, tristezas, e dizer-Lhe: Que posso dar eu, se não sou uma pessoa instruída?”. Podemos ainda fixá-la com o lamento de que “há tantas situações que nos tiram a força, que nos fazem sentir que não há espaço para a esperança, para a mudança, para a transformação”.
Embora não desdizendo da validade do olhar do lado das dores e lamentos o Papa prefere a oração de silêncio da parte de quem ama e sugere a seguinte oração de amor filial, tranquilidade e compromisso:
“Olhar-Te simplesmente – Mãe –, deixando aberto só o olhar; olhar-Te de cima a baixo, sem Te dizer nada, e dizer-Te tudo, mudo e reverente.
Não turbar o vento da tua fronte; só abrigar a minha solidão violada nos teus olhos de Mãe enamorada e no teu ninho de terra transparente.
As horas precipitam; fustigados mordem os homens insensatos a imundície da vida e da morte, com os seus rumores.
Olhar-Te, Mãe; contemplar-Te apenas, o coração silencioso na tua ternura, no teu casto silêncio de açucenas”. (Hino litúrgico).
E Francisco pretende que “no silêncio, enquanto ficamos a contemplá-La, ouvir que nos repete, Que tens, meu filho, o menor de todos? O que é que entristece o teu coração?, percebamos que Ela afirma que está aqui e que tem a honra de ser nossa mãe.
Sentir o carinho da mãe e a afirmação de que tem a honra e a disponibilidade de ser nossa mãe – isto “dá-nos a certeza de que as lágrimas daqueles que sofrem, não são estéreis”, mas “são uma oração silenciosa que sobe até ao céu e que, em Maria, encontra sempre lugar sob o seu manto”.
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Por fim, o Papa assegura que, através da maternidade universal de Maria (Ela é mãe de todos e de cada um), perceberemos melhor a paternidade de Deus em relação a todos e cada um de nós e o seu companheirismo. E, se Maria é Mãe de todos e Deus é Pai de todos, então fica estabelecida para sempre a fraternidade universal: nós somos irmãos porque somos filhos de mãe comum e de pai comum. “N’Ela e com Ela, Deus faz-Se irmão e companheiro de estrada, carrega connosco as cruzes para não deixar as nossas dores esmagar-nos” – diz o Papa.
Por conseguinte, se Ela é a nossa mãe, se está aqui, tem força para nos dizer: “Não te deixes vencer pelas tuas dores, pelas tuas tristezas” e destina-nos para a missão:
“Hoje, volta a enviar-nos como a Juanito; hoje repete para nós: Sê o meu mensageiro, sê o meu enviado para construir muitos santuários novos, acompanhar tantas vidas, consolar tantas lágrimas. Basta que caminhes pelas estradas do teu bairro, da tua comunidade, da tua paróquia como meu mensageiro, minha mensageira; levanta santuários compartilhando a alegria de saber que não estamos sozinhos, que Ela está connosco.”
E como seremos seus mensageiros e administradores do seu santuário?
- Dando de comer aos famintos, de beber aos sedentos; oferecendo um lugar aos necessitados, vestindo os nus e visitando os doentes; e socorrendo os prisioneiros, não os deixando sozinhos;
- Perdoando a quem nos fez mal, consolando quem está triste, tendo paciência com os outros;
- Implorando e invocando o nosso Deus; e, no silêncio, dizendo à Mãe o que vier ao coração.
Construir o santuário implica “ajudar a erguer” a vida dos filhos de Maria, nossos irmãos; significa reconhecer que Deus é Pai, mas não só meu Pai ou não é Pai meu e padrasto dos outros. Ele é nosso Pai!

2016.02.16 – Louro de Carvalho

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