sábado, 20 de fevereiro de 2016

MRS, o Apressadinho

José Veiga Simão foi, em 1970, chamado por Marcello Caetano de reitor dos Estudos Gerais Universitários de Moçambique para integrar o Governo sobraçando a pasta da Educação Nacional.
Durante o seu mandato neste cargo governativo afirmou-se como o defensor da democratização do ensino, estabelecendo em praticamente todos os concelhos a escola do CPES (ciclo preparatório do ensino secundário), criando a Universidade Nova de Lisboa, a Universidade do Minho e a Universidade de Aveiro e lançando as bases da reforma de todo o ensino com a Lei n.º 5/73, de 25 de julho.
Com a visita aos concelhos onde era necessário criar escolas do CPES em instalações próprias ou mediante o arrendamento de instalações dos externatos existentes, o governante deixava o cheque necessário para o respetivo arranque (Não foram apenas os governantes pós-abrilinos que gastaram a herança financeira do homem do Vimieiro!). Em muitos casos, a constituição do respetivo corpo docente viria a seguir. O que interessava era arrancar já ou o mais brevemente possível.
Consta que Viseu terá ficado para trás em termos do ensino universitário, pelo facto de a Universidade beirã ter sido proposta a Viseu e a Aveiro, tendo Viseu alegado não dispor de instalações e Aveiro disponibilizando de imediato instalações provisórias para que o projeto de Universidade se fosse desenvolvendo. Hoje a cidade universitária de Aveiro é ampla e até pomposa, como é pujante a Universidade do Minho.
Todo este dinamismo ministerial valeu ao governante do ainda Estado Novo a denominação de Simão, o Breve, da parte de algumas das más-línguas.  
Resta acrescentar que Veiga Simão não fez nada do atinente à sua ação governativa antes de tomar posse, sendo a sua ação política legitimada pelo exercício.
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Recordo o caso para, em termos comparativos, tecer algumas considerações sobre a presente atuação do Presidente da República eleito a 24 de janeiro passado, que só vai tomar posse no próximo dia 9 de março, segundo o princípio consensual de que os mandatos são para cumprir. Devo reconhecer que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa recebeu o voto inquestionável do povo soberano por larga maioria e tudo se encaminha para uma honrosa e solene cerimónia de tomada de posse perante a Assembleia da República (vd CRP, art.º 127.º e art.º 163.º), que a testemunhará. Porém, ele não é ainda o Presidente, pois ainda não está legitimado pelo exercício, que se iniciará com o ato de tomada de posse. Não é a eleição que lhe legitima o exercício, mas a posse. Eu pensava não ter necessidade de chamar apressadinho ao Presidente eleito, que é academicamente um exímio professor catedrático de direito público que assenta na ciência política e no direito constitucional.
Pessoalmente, gostei da sua atitude de, uma vez eleito, ter solicitado audiência ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República e ao Primeiro-Ministro para efeito de apresentação de cumprimentos – uma atitude de cortesia pessoal e institucional.
Não obstante, as notícias vindas a lume dão a entender algumas distorções sistémicas. O Presidente da República é um órgão de soberania unipessoal. Não pode gerar-se a ideia pública de que haja dois presidentes, como os ex-presidentes não podem sobrepor-se ao Presidente em exercício, embora a República lhes possa conferir funções além das que a Constituição lhes reserva (vd CRP, art.º 142.º). Por outro lado, por mais desprestigiado ou impopular que se encontre Cavaco Silva, ele é o Presidente até 9 de março e ninguém pode fazer de conta que ele não existe ou tentar eclipsá-lo com elementos objetivos que o possam dar a entender.
Ora, é já do conhecimento público que o eleito já fez escolhas, por exemplo, a do chefe da Casa Civil, a do assessor diplomático, a dos cinco elementos que lhe compete designar para o Conselho de Estado e a dos elementos que vão desempenhar ao cargo de chanceler das ordens honoríficas portuguesas.
Como refere o Expresso de hoje, dia 20 de fevereiro, o eleito “continua a fechar a equipa que levará para Belém e passou os últimos dias em intensos contactos no gabinete do Palácio de Queluz”. Terá recebido, entre outros, o Primeiro-Ministro, o Ministro da Defesa Nacional, o Ministro das Finanças, o Ministro dos Negócios estrangeiros (pastas em que se inserem as matérias de ação da presidência), o Governador do Banco de Portugal, o Primeiro-Ministro de Cabo Verde, os parceiros sociais, o Presidente do Governo Regional da Madeira, Jorge Coelho e Paulo Portas.
 António Costa esclareceu, segundo o DN de 17 de fevereiro, que estão a ser definidas “regras de trabalho em comum”, feitas “com o consentimento” e “sem desconsideração” de Cavaco Silva. Porém, Joaquim Aguiar, assessor político de Eanes e de Soares, pensa que poderá haver aqui uma tentativa de encostar Cavaco; e Pedro Reis, ex-membro da Casa Civil de Soares e de Sampaio diz, que “aquilo que importa é o pós-9 de março”, deixando claro que atuações destas, com tanto formalismo e visibilidade, do Presidente eleito são inéditas. Com efeito, todos os presidentes, depois da respetiva eleição, estabeleceram alguns contactos, mas remetidos à informalidade e as escolhas, se foram objeto de contacto prévio, só terão sido publicitadas aquando ou depois da tomada de posse. Ora a designação dos elementos do Conselho de Estado (Que se diria se a Assembleia da República elegesse os seus representantes no Conselho de Estado antes de estar no pleno exercício de funções?) e as chancelarias bem podiam esperar pelo ato de posse. Não direi o mesmo dos elementos fundamentais da Casa Civil e da Casa Militar (as efetivas escolhas, que não a publicitação).
Tanto mais de estranhar é esta postura num homem que, ao menos aparentemente, fizera da campanha eleitoral uma descontraída deambulação pelo país do tipo “mete fogaça no forno e tira fogaça do forno” e “vai à missa onde ela acontece na hora”. E o perfume da vitória fê-lo preparar tudo ao milímetro para o período subsequente ao 9 de março. Pedro Reis admite que quem foi eleito é um “heterónimo de Marcelo, o Marcelo Presidente”, que “parece querer ir buscar ao que de melhor houve nas outras presidências”. E Alfredo Barroso considera legítimo que Marcelo queira ser o presidente de todos os portugueses e copie o “bom exemplo” das presidências abertas de Soares e, como os demais elementos das casas civis de ex-presidentes, entende que o eleito tem perfil para o tipo de presidências abertas.
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Joaquim Aguiar, politólogo já mencionado, sustenta que todas as audições feitas antes da tomada de posse só terão validade após entrada em funções. E aquelas audições impostas constitucionalmente têm de ser efetuadas (ou repetidas) apenas depois, para se revestirem de eficácia, sendo que agora se trata de “um simples faz de conta”. Mais: se é para estar mais bem informado sobre dossiês importantes, pergunta-se como é que um comentador sobre praticamente todos os assuntos ao longo de anos e anos, tem necessidade de um estudo que facilmente poderia fazer uma ou duas semanas após a tomada de posse, até porque não lhe compete a tomada de iniciativas. Mesmo receber o Primeiro-Ministro não tem consequências políticas, já que nada acontecerá a partir dai, nem o governante tem de lhe prestar contas agora.
Quanto ao mais, o politólogo entende que estes factos não passam de uma sombra a eclipsar Cavaco Silva; não definirão o estilo essencial do novo Presidente, já que a visibilidade do exercício presidencial depende do equilíbrio das instituições (somente se as instituições se desequilibrarem, a função presidencial terá maior visibilidade. E o estilo é sobretudo visibilidade.); e as presidências abertas de Marcelo, embora semelhantes, serão diferentes porque se trata de pessoas diferentes.
Por mim, penso que Marcelo para ser Marcelo, o presidente de todos os portugueses, não precisava desta pressa. Esta visibilidade estilística - concorrência desajustada - não trará à cena política uma significativa mais-valia. Para isto, o Presidente pode ser este como poderia ter sido qualquer outro!

2016.02.20 – Louro de Carvalho

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