José
Veiga Simão foi, em 1970, chamado por Marcello Caetano de reitor dos Estudos Gerais
Universitários de Moçambique para integrar o Governo sobraçando a pasta da Educação
Nacional.
Durante
o seu mandato neste cargo governativo afirmou-se como o defensor da democratização
do ensino, estabelecendo em praticamente todos os concelhos a escola do CPES (ciclo
preparatório do ensino secundário),
criando a Universidade Nova de Lisboa, a Universidade do Minho e a Universidade
de Aveiro e lançando as bases da reforma de todo o ensino com a Lei n.º 5/73,
de 25 de julho.
Com
a visita aos concelhos onde era necessário criar escolas do CPES em instalações
próprias ou mediante o arrendamento de instalações dos externatos existentes, o
governante deixava o cheque necessário para o respetivo arranque (Não
foram apenas os governantes pós-abrilinos que gastaram a herança financeira do
homem do Vimieiro!).
Em muitos casos, a constituição do respetivo corpo docente viria a seguir. O que
interessava era arrancar já ou o mais brevemente possível.
Consta
que Viseu terá ficado para trás em termos do ensino universitário, pelo facto
de a Universidade beirã ter sido proposta a Viseu e a Aveiro, tendo Viseu
alegado não dispor de instalações e Aveiro disponibilizando de imediato instalações
provisórias para que o projeto de Universidade se fosse desenvolvendo. Hoje a
cidade universitária de Aveiro é ampla e até pomposa, como é pujante a
Universidade do Minho.
Todo
este dinamismo ministerial valeu ao governante do ainda Estado Novo a
denominação de Simão, o Breve, da
parte de algumas das más-línguas.
Resta
acrescentar que Veiga Simão não fez nada do atinente à sua ação governativa antes
de tomar posse, sendo a sua ação política legitimada pelo exercício.
***
Recordo
o caso para, em termos comparativos, tecer algumas considerações sobre a
presente atuação do Presidente da República eleito a 24 de janeiro passado, que
só vai tomar posse no próximo dia 9 de março, segundo o princípio consensual de
que os mandatos são para cumprir. Devo reconhecer que o Professor Marcelo
Rebelo de Sousa recebeu o voto inquestionável do povo soberano por larga
maioria e tudo se encaminha para uma honrosa e solene cerimónia de tomada de posse
perante a Assembleia da República (vd CRP, art.º 127.º e
art.º 163.º), que a
testemunhará. Porém, ele não é ainda o Presidente, pois ainda não está legitimado
pelo exercício, que se iniciará com o ato de tomada de posse. Não é a eleição
que lhe legitima o exercício, mas a posse. Eu pensava não ter necessidade de chamar
apressadinho ao Presidente eleito, que é academicamente um exímio professor catedrático
de direito público que assenta na ciência política e no direito constitucional.
Pessoalmente,
gostei da sua atitude de, uma vez eleito, ter solicitado audiência ao Presidente
da República, ao Presidente da Assembleia da República e ao Primeiro-Ministro
para efeito de apresentação de cumprimentos – uma atitude de cortesia pessoal e
institucional.
Não
obstante, as notícias vindas a lume dão a entender algumas distorções sistémicas.
O Presidente da República é um órgão de soberania unipessoal. Não pode gerar-se
a ideia pública de que haja dois presidentes, como os ex-presidentes não podem
sobrepor-se ao Presidente em exercício, embora a República lhes possa conferir
funções além das que a Constituição lhes reserva (vd
CRP, art.º 142.º). Por
outro lado, por mais desprestigiado ou impopular que se encontre Cavaco Silva,
ele é o Presidente até 9 de março e ninguém pode fazer de conta que ele não existe
ou tentar eclipsá-lo com elementos objetivos que o possam dar a entender.
Ora,
é já do conhecimento público que o eleito já fez escolhas, por exemplo, a do
chefe da Casa Civil, a do assessor diplomático, a dos cinco elementos que lhe compete
designar para o Conselho de Estado e a dos elementos que vão desempenhar ao
cargo de chanceler das ordens honoríficas portuguesas.
Como
refere o Expresso de hoje, dia 20 de
fevereiro, o eleito “continua a fechar a equipa que levará para Belém e passou
os últimos dias em intensos contactos no gabinete do Palácio de Queluz”. Terá recebido,
entre outros, o Primeiro-Ministro, o Ministro da Defesa Nacional, o Ministro
das Finanças, o Ministro dos Negócios estrangeiros (pastas
em que se inserem as matérias de ação da presidência), o Governador do Banco de Portugal,
o Primeiro-Ministro de Cabo Verde, os parceiros sociais, o Presidente do Governo
Regional da Madeira, Jorge Coelho e Paulo Portas.
António Costa esclareceu, segundo o DN de 17 de fevereiro, que estão a ser
definidas “regras de trabalho em comum”, feitas “com o consentimento” e “sem
desconsideração” de Cavaco Silva. Porém, Joaquim Aguiar, assessor político de
Eanes e de Soares, pensa que poderá haver aqui uma tentativa de encostar Cavaco;
e Pedro Reis, ex-membro da Casa Civil de Soares e de Sampaio diz, que “aquilo
que importa é o pós-9 de março”, deixando claro que atuações destas, com tanto
formalismo e visibilidade, do Presidente eleito são inéditas. Com efeito, todos
os presidentes, depois da respetiva eleição, estabeleceram alguns contactos,
mas remetidos à informalidade e as escolhas, se foram objeto de contacto prévio,
só terão sido publicitadas aquando ou depois da tomada de posse. Ora a designação
dos elementos do Conselho de Estado (Que se diria se a Assembleia
da República elegesse os seus representantes no Conselho de Estado antes de
estar no pleno exercício de funções?)
e as chancelarias bem podiam esperar pelo ato de posse. Não direi o mesmo dos elementos
fundamentais da Casa Civil e da Casa Militar (as efetivas
escolhas, que não a publicitação).
Tanto
mais de estranhar é esta postura num homem que, ao menos aparentemente, fizera
da campanha eleitoral uma descontraída deambulação pelo país do tipo “mete fogaça
no forno e tira fogaça do forno” e “vai à missa onde ela acontece na hora”. E o
perfume da vitória fê-lo preparar tudo ao milímetro para o período subsequente
ao 9 de março. Pedro Reis admite que quem foi eleito é um “heterónimo de
Marcelo, o Marcelo Presidente”, que “parece querer ir buscar ao que de melhor
houve nas outras presidências”. E Alfredo Barroso considera legítimo que Marcelo
queira ser o presidente de todos os portugueses e copie o “bom exemplo” das presidências
abertas de Soares e, como os demais elementos das casas civis de ex-presidentes,
entende que o eleito tem perfil para o tipo de presidências abertas.
***
Joaquim
Aguiar, politólogo já mencionado, sustenta que todas as audições feitas antes
da tomada de posse só terão validade após entrada em funções. E aquelas
audições impostas constitucionalmente têm de ser efetuadas (ou
repetidas) apenas
depois, para se revestirem de eficácia, sendo que agora se trata de “um simples
faz de conta”. Mais: se é para estar mais bem informado sobre dossiês
importantes, pergunta-se como é que um comentador sobre praticamente todos os
assuntos ao longo de anos e anos, tem necessidade de um estudo que facilmente poderia
fazer uma ou duas semanas após a tomada de posse, até porque não lhe compete a
tomada de iniciativas. Mesmo receber o Primeiro-Ministro não tem consequências
políticas, já que nada acontecerá a partir dai, nem o governante tem de lhe
prestar contas agora.
Quanto
ao mais, o politólogo entende que estes factos não passam de uma sombra a eclipsar
Cavaco Silva; não definirão o estilo essencial do novo Presidente, já que a
visibilidade do exercício presidencial depende do equilíbrio das instituições (somente
se as instituições se desequilibrarem, a função presidencial terá maior
visibilidade. E o estilo é sobretudo visibilidade.); e as presidências abertas de Marcelo,
embora semelhantes, serão diferentes porque se trata de pessoas diferentes.
Por
mim, penso que Marcelo para ser Marcelo, o presidente de todos os portugueses,
não precisava desta pressa. Esta visibilidade estilística - concorrência desajustada - não trará à cena
política uma significativa mais-valia. Para isto, o Presidente pode ser este
como poderia ter sido qualquer outro!
2016.02.20 –
Louro de Carvalho
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