O
Gabinete de Dom Jorge Ortiga, Arcebispo de Braga e Primaz das Espanhas
divulgou, em nota assinada ontem, dia 9 de fevereiro, uma mensagem por ocasião do
anúncio da dispensa do milagre do Beato Bartolomeu dos Mártires em que informa
que o Papa Francisco autorizou a canonização de Frei Bartolomeu dos Mártires
(1514-1590), sem necessidade de um novo milagre atribuído à intercessão do futuro
(do
ponto de vista técnico-teológico)
santo português.
Com
efeito, segundo a predita nota, Francisco, na audiência, em 20 de Janeiro de
2016, à Congregação para a Causa dos Santos, concedeu a necessária autorização à
dispensa do milagre formalmente demonstrado para a declaração de santidade de
Frei Bartolomeu.
O
arcebispo Dom Jorge Ortiga designa este gesto papal como passo decisivo para a
declaração pública da santidade do arcebispo quinhentista pela via da canonização
equipolente. Já são poucos os procedimentos a corporizar para alcançar tal
desígnio.
Por
outro lado, o atual arcebispo bracarense declara o acolhimento desta feliz
notícia como “um novo estímulo para a caminhada arquidiocesana de conversão
pessoal e pastoral”, de que esta Quaresma constitui uma etapa importante. Nesta
ótica espiritual e apostólica, roga a poderosa intercessão do beato Bartolomeu “por
todos os cristãos de Braga” e a continuidade da sublime inspiração para a
Arquidiocese “no caminho da nova evangelização”.
***
Dom Frei Bartolomeu nasceu em Lisboa, em maio de 1514, e ingressou na Ordem Dominicana em 1548. Dez anos mais
tarde, concluiu os estudos e ordenou-se sacerdote. Até à sua eleição como
arcebispo de Braga (1558) dedicou-se ao ensino.
No exercício do múnus de professor teve como
aluno, entre outras figuras coevas, Dom António Prior do Crato, que ficou na
História de Portugal como o malogrado pretendente ao trono no contexto da crise
dinástica de 1578-1580, que iria dar origem a 60 anos do regime de uma coroa
sobre dois reinos na península ibérica.
A arquidiocese de Braga do seu tempo abrangia os territórios pastorais das
atuais dioceses de Viana do Castelo, Braga, Vila Real e Bragança-Miranda, tendo
o arcebispo cumprido um fatigante plano de visitas pastorais em que estabeleceu
contacto com a indigência material e cultural das populações.
Legou à
posteridade mais de 30 escritos, de que se
destacam: Stimulus Pastorum (21 edições); Catecismo da Doutrina Cristã (15 edições) e Compendium Spiritualis Doctrinae (10 edições).
Participou ativamente no Concílio de Trento, nos anos de 1562 e 1563, de que foi uma figura conciliar de
referência e onde sobressaiu pela sua simplicidade pessoal, pela defesa do primado
peninsular da arquidiocese bracarense e, sobretudo, pela afirmação de uma
reforma da Igreja urgente, permanente e eficaz – à luz do princípio Ecclesia semper est reformanda. Neste sentido,
criticou as excessivas prerrogativas e honrarias dos cardeais, que integram uma
instituição de direito eclesiástico, em confronto com o pouco relevo
reconhecido aos bispos, instituídos por direito divino. Ficou famosa a sua
frase sentenciosa Eminentissimi
cardinales indigent eminentissima reformatione, como a proverbial a admiração
que manifestou pelos tesouros das Casas Pontifícias, mas a que sobrepôs a sede
de almas.
Relativamente às consequências do debate da reforma conciliar, o
metropolita bracarense foi o primeiro prelado a promulgar os decretos tridentinos,
aquando do sínodo arquidiocesano de Braga de 1564. Dois anos depois, organizou
o 4.º Concílio Provincial Bracarense, onde se redefiniram e ajustaram os
decretos tridentinos segundo as necessidades existentes na província a que
presidia a sua arquidiocese.
Não obstante as várias oposições que teve de
enfrentar, instaurou a reforma na Igreja, ao nível da arquidiocese, vindo a influenciar
muitas outras dioceses nesse ímpeto reformista.
Como linhas-força da sua ação, pretendia
formar um clero zeloso e culto, que moralizasse os fiéis e administrasse os
bens e os partilhasse com o povo mais carenciado. Num tempo em que a peste
arrasava de uma forma avassaladora o povo, levou a sua caridade ao extremo,
chegando a dar as suas vestes e até mesmo a ceder a própria cama.
Como prelado empenhado na formação clerical
e nas suas reformas de disciplina, costumes e vida eclesiástica, reperspetivou
o Colégio de São Paulo em Braga, redefinindo os seus programas de ensino em
consonância com os princípios emanados de Trento relativos à instrução do
clero. Ainda neste âmbito, introduziu e fundou a disciplina de Casos da Consciência em Braga, em Viana
do Castelo e no Seminário Conciliar Bracarense, com o fim de formar o clero
segundo as ideias de reforma que defendia.
Participou nas cortes de Tomar de 1580, com
os Arcebispos de Lisboa e Évora (a diocese de Lisboa ainda não estava
instituída como patriarcado). A 20 de fevereiro de 1582, retirou-se das suas
funções eclesiásticas, renunciando assim também à mitra primacial de Braga.
Faleceu a 16 de julho de 1590, no convento
dominicano de Santa Cruz, que fundara em Viana do Castelo. O seu último suspiro
foi o culminar de uma vida regrada e indesmentivelmente cristã; o povo da
cidade do Lima guardou ciosamente o seu corpo, com armas até, para que os
bracarenses não o levassem para Braga, a sede da arquidiocese.
Bartolomeu dos Mártires foi declarado venerável a 23 de março
de 1845, pelo Papa Gregório XVI, e Beato a 4 de novembro de 2001, pelo Papa
João Paulo II.
Foi objeto de uma
biografia, em 1619, intitulada a Vida de Frei Bartolomeu dos
Mártires, da autoria de Frei Luís de Sousa (fidalgo de nome
Manuel de Sousa Coutinho que professara na Ordem Dominicana, após resignação ao
casamento com D. Madalena de Vilhena, anteriormente casada com D. João de
Portugal).
Também Aquilino Ribeiro escreveu uma
biografia romanceada do arcebispo, a que deu o título Dom Frei Bertolameu. Nela, Aquilino denomina-o de “perfeito pastor
de almas, mais que príncipe da Igreja” e “homem extraordinário, aparentemente
compósito, imperioso e humilde, democrata e absoluto, a quem a mitra pesava como os montes Apeninos.
No tridentino beato arcebispo de Braga, Dom José
Manuel Cordeiro, Bispo de Bragança e Miranda, viu os seguintes predicados de
Pastor: em termos de perfil, “pureza de intenção, conversação santa e irrepreensível,
humildade interior e sincera”; em termos de atitude, “coragem da esperança”; e
em termos de programa, “a caridade, a sabedoria, a retidão e a justiça” (cf Ecclesia, 2014/02/22).
A 1 de maio de 2014, a Conferência Episcopal Portuguesa
publicou uma nota pastoral a assinalar
o V centenário do nascimento do
insigne arcebispo de Braga, que se encontra sepultado em Viana do Castelo, no
Convento de São Domingos por ele próprio mandado construir, como se referiu, e
onde se recolheu até à sua morte, em 16 de julho de 1590.
A 5 de fevereiro de 2015, Dom Jorge Ortiga entregou, em mãos,
ao Papa Francisco um dossiê sobre a vida do beato prelado e formulou o pedido
de canonização equipolente.
***
Assumindo-o como “um companheiro
de viagem que nos abre novos horizontes” desde sempre, o atual metropolita
bracarense diz que o testemunho de São Bartolomeu dos Mártires “é eloquente”. Ao
reler o lema episcopal do seu antecessor quinhentista, Ardere et Lucere, vê nele a convicção de que “o Evangelho é luz que
arde nos corações de todas as pessoas de boa vontade”. Evoca, a este respeito, “a
imagem dos discípulos de Emaús, que reconheceram arder-lhes o coração enquanto
Jesus lhes falava pelo caminho e lhes explicava as Escrituras” (cf
Lc 24,32), para
afirmar o fervor apostólico, a docilidade discipular e a índole testemunhal de Bartolomeu
dos Mártires. Apresenta-o ainda como o modelo do evangelizador ex corde ad mundum, pois dirigiu-se ao mundo
a partir do coração, ou seja, quis a partir da transformação espiritual do ser
e atuação de sacerdotes e leigos chegar à transformação do mundo, tentando
assim realizar a evangelização com frutos já neste mundo, mas com vista à
eternidade feliz.
Em
homenagem ao insigne prelado, Dom Jorge Ortiga informou que, em parceria com a
Câmara de Braga e num gesto de reconhecimento público, a Igreja bracarense procederá
à colocação de uma estátua no lugar mais caro ao Beato Bartolomeu, isto é, na
proximidade do antigo Colégio de São Paulo, atual Seminário Conciliar de São
Pedro e São Paulo – estabelecimento de ensino que foi, para muitos, uma escola
de vida, de fé e de debate cultural.
***
A ‘canonização equipolente’, que produzirá a declaração
formal de santidade de São Bartolomeu de Braga, e a que o Papa Francisco tem
recorridos em diversas ocasiões, é um processo instituído no século XVIII por
Bento XIV, através do qual o Papa “vincula a Igreja como um todo para que
observe a veneração de um Servo de Deus ainda não canonizado pela inserção da
sua festividade no calendário litúrgico da Igreja universal, com Missa e Ofício
Divino” próprios.
Dois desses processos levaram à
canonização de figuras ligadas à missionação portuguesa: o padre José Vaz,
nascido em Goa, então território português, a 21 de abril de 1651, que foi
declarado santo no Sri Lanka; e José de Anchieta (1534-1597), religioso espanhol que passou por
Portugal e se empenhou na evangelização do Brasil juntamente com o Padre Manel
da Nóbrega.
2016.02.10 –
Louro de Carvalho
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