A
comunicação em si mesma, seus lugares e instrumentos facultaram a muitas
pessoas o alargamento dos seus horizontes. Isto é dom de Deus e grande
responsabilidade dos homens. Quem o afirma é o Papa na sua mensagem para o 50.º Dia Mundial
das Comunicações Sociais, datada de 24 de Janeiro, memória litúrgica de São
Francisco de Sales, padroeiro dos jornalistas e escritores católicos.
Este santo é o padroeiro dos
jornalistas e dos escritores, devido à sua intensa produção literária, e dos
surdos, por ter tomado a guarda e o cuidado de um e criado uma linguagem de
símbolos para se comunicar com ele. Bispo da cidade suíça de Genebra viveu no
século XVI, na região da Saboia, atual fronteira franco-ítalo-suíça. Foi
diretor espiritual de São Vicente de Paulo e de Santa Joana de Chantal. Com
esta, criou uma ordem monástica, a Ordem da Visitação. Em homenagem ao santo,
São João Bosco designou a organização que fundou no século XIX de Congregação
dos Salesianos.
Este
50.º Dia
Mundial das Comunicações Sociais celebrar-se-á no próximo dia 8 de maio em
torno do tema “Comunicação e Misericórdia: um encontro
fecundo”.
***
Na sua
mensagem, o Papa estabelece, a propósito do Ano Santo da Misericórdia, “a
relação entre a comunicação e a misericórdia”. Esta relação parecerá estranha a
quem circunscrever o ato da comunicação à mera troca de informação objetiva.
Todavia, a comunicação é um ato verdadeiramente humano e a comunicação social,
para a qual se dirige quer a mensagem papal quer o dia comemorativo, além da
informação objetiva, tem outros múnus, como o da formação, o da promoção, o da
publicidade e propaganda e o do entretenimento lúdico. Depois, há comunicar e
comunicar. Desde o homem-estátua ao comunicador que galvaniza, cativa ou
persuade, e do comunicador frio àquele que se emociona com o que sente, vê e
ouve. E, como dizia, há dias, o Romano Pontífice, quem tem conhecimento duma
boa notícia – venha ela de Deus ou do mundo dos homens – não pode deixar de a acolher,
transmitir e proclamar com entusiasmo e alegria. Por isso é que não poucos se
serviram dos diferentes meios de comunicação que o homem descobriu ao longo do
tempo para exercer o seu apostolado cristão.
Também é
próprio de Deus comunicar, comunicar internamente – Pai, Filho e Espírito Santo
– e com os homens. Com efeito:
“Muitas vezes e de muitos
modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus
falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e
por meio de quem fez o mundo.” (Heb 1,1-2).
E a Igreja como
instrumento de salvação facilita a entrada do homem e dos povos na comunhão com
aquele Deus uno e trino – o Deus comunidade, que Se ama e ama que ama
comunicando e comunicando-Se.
Por seu turno, o Papa Francisco
ensina que “a
Igreja unida a Cristo, encarnação viva de Deus Misericordioso, é chamada a
viver a misericórdia como traço caraterístico de todo o seu ser e agir”, de
modo que “o que dizemos e o modo como o dizemos, cada palavra e cada gesto
deveria poder expressar a compaixão, a ternura e o perdão de Deus para todos”.
Depois,
fundamenta a comunicação no conceito de amor, entendido no sentido mais
profundo:
“O amor, por sua natureza, é comunicação: leva a
abrir-se, não se isolando. E, se o nosso coração e os nossos gestos forem
animados pela caridade, pelo amor divino, a nossa comunicação será portadora da
força de Deus.”
Por
conseguinte, sendo nós filhos de Deus, devemos, em consonância com a condição
de filhos que gera a fraternidade, “comunicar com todos sem exclusão”.
Nesse
sentido, torna-se “próprio da linguagem e ações da Igreja transmitir
misericórdia” – que é aquilo que melhor revela o rosto de Deus – “para tocar o
coração das pessoas e sustentá-las na via do rumo à plenitude daquela vida que
Jesus Cristo, enviado pelo Pai, veio trazer a todos”. É na comunicação
misericordiosa que se revela a face materna da Igreja: acolhendo e irradiando o
calor divino de rosto humano e o calor humano de génese divina, de modo que “Jesus
seja conhecido e amado” e lhe sejam presentes as alegrias e os dramas dos
homens: “aquele calor que dá substância às palavras da fé e acende, na pregação
e no testemunho, a centelha que vivifica”.
***
Comunicação e
comunhão são dois termos de significado muito próximo. Remontam aos étimos
latinos comunicatio, onis e communio, onis – respetivamente. O
primeiro significa: ação de comunicar, ação de participar, comunicação,
participação; O segundo significa: comunhão, participação mútua, associação,
relação íntima, união, conformidade, comunidade, compartilha, comunhão
sacramental. Ambos os vocábulos derivam do adjetivo communis, e (comum,
que pertence a todos, compartilhado por vários, público, geral, benévolo,
afável). Communis deriva de cum+munis, do adjetivo munis,
e – a significar: obsequiador, serviçal, que cumpre o seu dever. O
dicionário de Francisco Torrinha deriva “munis” do antigo verbo meio – entornar, mudar, trocar. Porém, o dicionário de F.Gaffiot
deriva-o de munus, eris (cargo, função, ofício, ocupação,
serviço público, dádiva, brinde, presente, graça, favor, obséquio, benefício, funeral,
espetáculo).
Cognatas de communicatio são: commune (nome), com o significado de “comunidade”,
“povo”, “Estado”; communicator (nome), com o significado de “o que comunica”, “o que
participa”; communicatorius (adjetivo), a
significar “que se comunica”; communico
(verbo) e communicor (verbo
depoente), a significar
“dividir”, “repartir”, “comunicar”, “reunir”, “conversar”, “ter relações com
alguém”, “falar com alguém”.
Cognatas de communio são: communitas (nome), a significar “relação comum”, “conformidade”,
“comunidade”, “instinto social”, “sociabilidade”, “cortesia”, “afabilidade”,
“condescendência”; e communiter (advérbio), com o significado de “em comum”,
“juntamente”, “em geral”, “geralmente”, “em conjunto”. Communio (nome) relaciona-se com communio (verbo), que significa “fortificar”, “entrincheirar”; e com communitio (nome) a significar “fortificação”, “ação de fortificar”. E
estes dois vocábulos derivam de munio (verbo), a significar “fortificar”, “proteger”, “defender” –
o qual se relaciona com moenia (nome plural), a significar “muralhas”, “cidade fortificada”.
A defesa de
pessoas, territórios e bens implica que as pessoas se juntem e partilhem
alegrias, preocupações, bens e esforços; e quem está junto e em comunhão de
alegrias, preocupações, bens e esforços sente-se mais protegido, defendido e
fortificado – ou seja, em segurança.
***
Por isso,
Francisco refere que “a comunicação tem o poder de criar pontes, favorecer o
encontro e a inclusão, assim enriquecendo a sociedade” e enaltece o esforço das
pessoas que escolhem cuidadosamente palavras e gestos com que tentam “superar
as incompreensões, curar a memória ferida e construir paz e harmonia”. E, já
que “as palavras podem construir pontes entre as pessoas, as famílias, os
grupos sociais, os povos”, as “palavras e ações hão de ser tais que nos ajudem
a sair dos círculos viciosos de condenações e vinganças que mantêm prisioneiros
os indivíduos e as nações, expressando-se através de mensagens de ódio”. Assim,
a palavra do cristão tem de incrementar a comunhão “e, mesmo quando deve com
firmeza condenar o mal”, nunca pode romper “o relacionamento e a comunicação”. Em
conformidade com este pressuposto, o Papa apela a todas as pessoas de boa
vontade para que redescubram “o poder que a misericórdia tem de sarar as
relações dilaceradas e de restaurar a paz e a harmonia entre as famílias e nas
comunidades”:
“Todos nós sabemos como velhas feridas e prolongados
ressentimentos podem aprisionar as pessoas, impedindo-as de comunicar e
reconciliar-se. E isto aplica-se também às relações entre os povos. Em todos
estes casos, a misericórdia é capaz de implementar um novo modo de falar e
dialogar.”
E, citando Shakespeare
(O mercador de Veneza, Acto IV, Cena I), explicita:
“A misericórdia
não é uma obrigação. Desce do céu como o refrigério da chuva sobre a terra. É
uma dupla bênção: abençoa quem a dá e quem a recebe.”
Estendendo o
desejo de misericórdia à “linguagem da política e da diplomacia”, apela “sobretudo
àqueles que têm responsabilidades institucionais, políticas e de formação da
opinião pública”, para que estejam vigilantes sobre “o modo como se exprimem a
respeito de quem pensa ou age de forma diferente e ainda de quem possa ter
errado”.
Reconhecendo
que “é fácil ceder à tentação” de explorar as situações de diferença e de erro e,
assim, alimentar a desconfiança, o medo, o ódio, afirma a necessidade da “coragem
para orientar as pessoas em direção a processos de reconciliação”, pois, “é
precisamente tal audácia positiva e criativa que oferece verdadeiras soluções
para conflitos antigos e a oportunidade de realizar uma paz duradoura”. E todo
o discurso papal se estriba na força das bem-aventuranças evangélicas: “Felizes os misericordiosos, porque
alcançarão misericórdia. (...) Felizes os pacificadores, porque serão chamados
filhos de Deus” (Mt 5,7.9).
Francisco
gostaria de que o modo de comunicar dos pastores em Igreja, enquanto anunciadores
da Palavra e testemunhas da Verdade, nunca expressasse “o orgulho soberbo do
triunfo sobre um inimigo”, nem humilhasse ou descartasse “os que a mentalidade
do mundo considera perdedores e descartáveis”. E, porque a misericórdia ajuda “a
mitigar as adversidades da vida” e dá “calor a quantos têm conhecido apenas a
frieza do julgamento”, o estilo da comunicação dos pastores dever ser “capaz de
superar a lógica que separa nitidamente os pecadores dos justos”:
“Podemos e devemos julgar situações de pecado –
violência, corrupção, exploração, etc. –, mas não podemos julgar as pessoas,
porque só Deus pode ler profundamente no coração delas. É nosso dever admoestar
quem erra, denunciando a maldade e a injustiça de comportamentos, para libertar
as vítimas e levantar quem caiu. O Evangelho de João lembra-nos que a verdade [nos] tornará livres (Jo 8,32). Em última análise, esta verdade
é o próprio Cristo, cuja misericórdia repassada de mansidão constitui a medida
do nosso modo de anunciar a verdade e condenar a injustiça. É nosso principal dever
afirmar a verdade com amor (cf Ef 4,15)”.
Mesmo sabendo
que “só palavras pronunciadas com amor e acompanhadas de mansidão e
misericórdia” tocam os “corações de pecadores”, alguns pensam que “a visão duma
sociedade enraizada na misericórdia será injustificadamente idealista ou
excessivamente indulgente”. Todos sabem que a dureza de gestos pretensamente
moralistas aliena ainda mais “aqueles que queríamos levar à conversão e à
liberdade, reforçando o seu sentido de negação e defesa”.
A este
respeito, as nossas “primeiras experiências de relação no seio da família” constituem
para nós uma lição eloquente. Diz o Papa:
“Os pais amavam-nos e apreciavam-nos mais pelo que
somos do que pelas nossas capacidades e sucessos. Naturalmente os pais querem o
melhor para os seus filhos, mas o seu amor nunca esteve condicionado à obtenção
dos objetivos. A casa paterna é o lugar onde sempre se é bem-vindo” (cf Lc 15,11-32).
Por isso há
que “pensar a sociedade humana não como um espaço onde estranhos competem e
procuram prevalecer”, mas sobretudo como “uma casa ou uma família onde a porta
está sempre aberta e se procuram aceitar uns aos outros”. Para tanto, Francisco afirma a fundamentalidade do “escutar” e
ensina que o significa “comunicar” e “escutar”:
“Comunicar significa partilhar, e a partilha exige a
escuta, o acolhimento. Escutar é muito mais do que ouvir. Ouvir diz respeito ao
âmbito da informação; escutar, ao invés, refere-se ao âmbito da comunicação e
requer a proximidade. A escuta permite-nos assumir a atitude justa, saindo da
tranquila condição de espectadores, usuários, consumidores. Escutar significa
também ser capaz de compartilhar questões e dúvidas, caminhar lado a lado,
libertar-se de qualquer presunção de omnipotência e colocar humildemente as
próprias capacidades e dons ao serviço do bem comum.”
Escutar é ouvir
em atitude de disponibilidade e de forma ativa, acolher, ir ao encontro de quem
pretende comunicar connosco. E comunicar não consiste em despejar informação. É,
antes, um fornecer de informação, uma oferta de conhecimento e calor humano a
outrem, é, em certa medida, oferecer a disponibilidade pessoal, profissional e social.
Comunicar, mesmo que seja difundir ou divulgar, tem de significar empenhamento
humano. Comunicar realiza-se quando aproxima, une, põe em contacto e comunhão
pessoas, comunidades. Por isso, sem menosprezar a importância da comunicação
unilateral ou monodirecional, há que privilegiar a comunicação bilateral e a
comunicação interativa, que se realiza no diálogo, na participação. Porém, para
a participação ser proveitosa e humanizante, é preciso equilibrar proporcionalmente
escuta e uso da palavra na certeza de que, como apregoava Sólon, o homem tem dois
ouvidos e só uma boca. No entanto, o ser humano não comunica somente com a boca,
mas também com as mãos e mesmo com o corpo inteiro.
***
O Papa acentua
a dificuldade de escutar e emoldura o martírio da escuta:
“Às vezes é mais cómodo fingir-se de surdo. Escutar
significa prestar atenção, ter desejo de compreender, dar valor, respeitar,
guardar a palavra alheia. Na escuta, consuma-se uma espécie de martírio, um
sacrifício de nós mesmos em que se renova o gesto sacro realizado por Moisés
diante da sarça-ardente: descalçar as
sandálias na terra santa do encontro com o outro que me fala (cf Ex 3,5). Saber escutar é uma graça
imensa, é um dom que é preciso implorar e depois exercitar-se a praticá-lo.”
E, referindo
que não é “a tecnologia que determina se a comunicação é autêntica ou não, mas
o coração do homem e a sua capacidade de fazer bom uso dos meios ao seu dispor”,
salienta o papel ambivalente dos atuais meios de comunicação:
“As redes sociais são capazes de favorecer as relações
e promover o bem da sociedade, mas podem também levar a uma maior polarização e
divisão entre pessoas e grupos. O ambiente digital é uma praça, um lugar de
encontro, onde é possível acariciar ou ferir, realizar uma discussão proveitosa
ou um linchamento moral.”
Neste âmbito,
o Pontífice quer que o Ano Jubilar “nos torne mais abertos ao diálogo,
para melhor nos conhecermos e compreendermos, elimine todas as formas de
fechamento e desprezo e expulse todas as formas de violência e discriminação” (MV, 23). Assegurando que em rede, se bem utilizada, “se
constrói uma verdadeira cidadania” e se faz “crescer uma sociedade sadia e
aberta à partilha”, adverte para o facto de o acesso às redes digitais implicar
a responsabilidade pelo outro, que não se vê, mas que é real e tem a sua
dignidade, a respeitar.
Por isso, o
Papa define o poder da comunicação como proximidade.
E salienta a fecundidade do encontro entre a comunicação e a misericórdia, dada
a sua capacidade de gerar a proximidade do cuidado, conforto, cura, acompanhamento
e festa. É assim, que, na ótica papal, “num mundo dividido, fragmentado, polarizado,
comunicar com misericórdia significa contribuir para a boa, livre e solidária
proximidade entre os filhos de Deus e irmãos em humanidade” e para a celebração
da comunicação como presença e festa.
2016.02.01 – Louro de Carvalho
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