O Pontifício Conselho
Cor Unum promove um congresso de dois
dias para celebrar e assinalar a atualidade da encíclica Deus Caritas Est, a primeira das três de Bento XVI.
Trata-se dum
aniversário no Ano da Misericórdia que
se harmoniza muito bem com o espírito jubilar: a celebração do 10.º aniversário
da publicação da emblemática Deus Caritas
Est.
O tema do predito congresso internacional, que se
realiza nos dias 25 e 26 de fevereiro na Sala Nova do Sínodo, no Vaticano, é “A caridade nunca terá fim”. E vem no alinhamento
do capítulo 13 da 1.ª epístola de São Paulo aos Coríntios (vd 1Cor
13,8.13).
O seu objetivo é estimular a reflexão sobre o tipo de
pessoa que queremos promover e, portanto, o tipo de desenvolvimento a ser
favorecido”, enfatizou Mons. Giampietro Dal Toso, secretário do Pontifício Conselho Cor Unum.
Por sua vez, o subsecretário do Cor Unum, Mons. Tejado Muñoz, recordou que a Igreja não é uma
associação filantrópica e que as suas organizações de caridade estão sempre
presentes nos locais concretos, inclusive em situações de emergência e
desastres, com os seus operadores “sofrendo junto com as pessoas que sofrem”.
Vive-se, desta maneira, o princípio de que o verdadeiro cristão “toca a carne
de Cristo em cada um que sofre”.
A presença de dois palestrantes não cristãos, um judeu
e um muçulmano, pretende ilustrar que “no coração de todas as religiões existe
a atenção para com o outro”, sublinha Dal Toso, advertindo, porém, que a
“caridade” na sua dimensão mais profunda e abrangente é um conceito neotestamentário.
Por outro lado, a participação dos dois palestrantes no congresso tem como
outro objetivo o de superar o preconceito segundo o qual “as religiões são uma
fonte de conflito” em vez de “purificação”: o conflito surge, essencialmente,
da “exploração da religião” – sustenta Dal Toso.
***
O evento, incluído entre os eventos do Jubileu da
Misericórdia, conta com a participação de personalidades eclesiásticas e leigas
para examinar e aprofundar as perspetivas teológicas e pastorais da encíclica
para o mundo atual, em particular em relação ao trabalho das pessoas envolvidas
no e com o ministério da caridade da Igreja, mormente os representantes das
conferências episcopais e organizações católicas internacionais de caridade.
Conforme relatado a Zenit – o mundo visto de Roma por
Mons. Giampietro Dal Toso, já referido, os dois dias de estudo contam com o
apoio do Santo Padre Francisco, que, em consonância com o espírito do congresso,
tem insistido recorrentemente, desde a sua primeira homilia como Bispo de Roma,
na asserção de que a Igreja católica não é uma “ONG piedosa”.
Nestes termos, Dal Toso asseverou que “precisamos de manter
vivo o espírito da Deus Caritas Est,
que é mais atual do que nunca” Por consequência, acrescentou, “o foco da nossa
conferência não está na ‘memória’, mas na ‘perspetiva’, com uma ampla reflexão
sobre a aplicação concreta da encíclica”.
Logo na abertura do congresso, no dia 25, às 9h45,
hora de Roma, o cardeal Gerhard Ludwig Müller, prefeito da Congregação para a
Doutrina da Fé, apresentará aos circunstantes uma interpretação teológica da
encíclica. Palestrará também, da parte da manhã, Michel Thio, presidente da
Confederação Internacional São Vicente de Paulo, bem como Marina Almeida Costa,
diretora da Caritas de Cabo Verde, e Roy Moussalli, diretor executivo da
Sociedade Síria de Desenvolvimento Social.
A sessão vespertina do mesmo dia 25 será aberta, como
já foi referido, pelo rabino David Shlomo Rosen, diretor internacional de
assuntos inter-religiosos do Comité Judaico Americano, e pelo muçulmano Said
Ahmed Khan, professor da Universidade Estadual de Wayne, nos EUA. Falarão,
respetivamente, da “Perspetiva judaica do amor bíblico” e da “Perspetiva
muçulmana da misericórdia”. E, no final da tarde, o filósofo franco-tunisiano
Fabrice Hadjadj, diretor do Instituto Philantropos,
abordará a perspetiva antropológica da caridade e do seu valor para o homem
moderno.
O segundo dia, 26 de fevereiro, será aberto pelo
cardeal Luis Antonio Tagle, arcebispo de Manila e presidente da Caritas Internationalis, que se focará na
importância da Deus Caritas Est para
o serviço da caridade da Igreja hoje. Seguir-se-ão os testemunhos de Alejandro
Marius, presidente da Asociación Civil
Trabajo y Persona, da Venezuela, e Eduardo Almeida, representante do Banco
Interamericano de Desenvolvimento, no Paraguai.
Ao meio-dia, os congressistas serão recebidos pelo Papa
no Palácio Apostólico. De tarde, haverá espaço para as intervenções do Rev. Prof.
Paolo Asolan, da Pontifícia Universidade Lateranense, e do Prof. Rainer Gehrig,
da Universidade Católica de Murcia, Espanha.
A moderação das duas sessões da manhã do dia 26 será
confiada a Martina Pastorelli, presidente da Catholic Voices, Itália; e as sessões da tarde serão moderadas pelo
Prof. Luca Tuninetti, professor da Pontifícia Universidade Urbaniana.
Cada um dos dois dias de congresso se encerrará na
igreja de Santa Maria della Pietà, no Cemitério Teutónico, na Cidade do
Vaticano, com a celebração da Eucaristia: no dia 25 de fevereiro, a missa será
presidida pelo cardeal Paul Josef Cordes, presidente emérito do Cor Unum; e, no dia 26, pelo cardeal
Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos,
que também foi, de 2010 a 2014, presidente do Cor Unum.
O congresso será inteiramente transmitido pelo site do Pontifício Conselho Cor
Unum: www.corunumjubilaeum.va.
***
Não é de estranhar que se tenha selecionado a “caridade”,
o amor, como ponto de contacto entre Bento e Francisco, que fala muito em “misericórdia”.
São conceitos tão próximos que em muitas das traduções para língua portuguesa
com facilidade se substituem um ao outro. E Francisco tem falado no amor de
Deus imenso, terno, misericordioso e sem limites.
Também o padre Marko Ivan Rupnick expôs, durante a
meditação que dirigiu a 22 de fevereiro na Sala Paulo VI, por ocasião da
abertura do Jubileu da Cúria Romana e das Instituições da Santa Sé, o desígnio de
uma Igreja misericordiosa, acolhedora, generosa e que não ceda às tentações
“para-imperiais”. Segundo o padre Rupnick, a nossa fé é “o acolhimento de uma
vida” e a tarefa da Igreja é a de “mostrar de qual graça e bondade somos
destinatários”: mostrar ao mundo o que Deus tem feito por nós “através da
humanidade”.
O teólogo jesuíta acusa uma tentação recorrente, que
não só diz respeito à Cúria romana, mas a “todas as cúrias”, que é a de
“adquirir um caráter para-imperial, como no passado”. Por outro lado, na sua
ótica, seria um “escândalo” mostrar ao mundo um cristianismo vivido como
“realidade individual”, dado que a Igreja, no seu “modo de se estruturar, de
governar, de dirigir, de administrar”, deve expressar a comunhão e a inclusão. Por
conseguinte, só será atrativa uma “Igreja bela”, que, em seus gestos e
pregação, faça “emergir o Filho, e, ainda mais, o Pai”, para que o homem se
torne “lugar da vida, como comunhão e misericórdia”. Assim, é necessário que
surjam também na Cúria “pessoas livres, livres de si mesmas, que se ofereçam,
disponíveis, generosas, que se abram”.
Depois, a presenta uma perspetiva notável da missão da
Igreja: “cobrir a distância entre nós e o nosso homem contemporâneo, ferido
como nós, dolorido como nós, provado como nós: quanto mais provados formos,
como todos os homens, mais misericordiosos seremos” e mais capacitados para envolver
“as pessoas num desejo de nova vida”. Contudo, sozinho, o homem não pode
“cobrir a distância que separa o homem perdido, um pecador, morto, do Deus
vivente”: só Deus pode fazer isso, manifestando a sua identidade “em relação a
nós e à criação: a misericórdia”. E conclui:
“Se fluir em
nós esta vida de Deus, o homem será capaz de produzir um fruto que permanece,
será capaz de envolver o seu trabalho no amor que permanece para sempre, porque
retorna ao Pai: o que o homem pode revelar é a sua divina humanidade em
Cristo”.
***
Já em 30 de agosto de 2015, o coração da homilia de
Bento XVI – na Missa a que presidiu na igreja do Campo Santo Teutónico no
Vaticano, para os membros do “Schülerkreis”
(círculo de
estudantes de Ratzinger), que se
reuniram em Castel Gandolfo para refletir sobre ‘Como falar de Deus, hoje’, tema proposto pelo sacerdote e filósofo
checo Tomás Halík – se sintetizava na seguinte formulação:
“Verdade,
amor e bondade que vêm de Deus tornam o homem puro; e a verdade, amor e bondade
encontram-se na Palavra, que liberta do ‘esquecimento’ de um mundo que já não
pensa em Deus”.
Recordou que, há 3 anos, no encontro do Schülerkreis, fora lido o mesmo
Evangelho de Marcos (vd Mc 7,1-8a.14-15.21-23) e que o cardeal Schönborn, que fez a homilia, perguntava:
“Mas não
devemos ser purificados também externamente e não somente interiormente? O mal
só vem de dentro ou também de fora?”.
O Papa Emérito, embora não se lembrasse da resposta,
considerou a pergunta muito interessante e, por isso, centrou a sua meditação a
partir da mesma, observando:
“Para uma resposta adequada devemos ampliar a
pergunta e levar em consideração não apenas esta passagem do Evangelho, mas o
Evangelho na sua totalidade”.
Assegura que é necessário purificarmo-nos de todas as
impurezas que estão fora, ou seja, é preciso fazer “a higiene exterior contra
muitas doenças e epidemias que nos ameaçam”. Mas isso não é suficiente porque
há também “a epidemia do coração”, do interior, que “leva à corrupção e ainda a
outras sujeiras, que levam o homem a pensar apenas em si mesmo e não no bem”. A
este respeito, é ter em conta o que disse Francisco ao jornal holandês a 28 de outubro:
“Há sempre a ganância humana, a falta de solidariedade, o
egoísmo que criam os pobres”.
Ora, Bento XVI acentua que é de crucial importância
o ethos, ou seja, “a higiene interior”. E “o que faz um homem puro?
Como resposta, o Papa Emérito socorre-se de outra passagem do Evangelho em que
o Senhor diz: “Vós sois puros por causa
da palavra que eu anunciei”. Portanto, o homem torna-se puro por meio da
Palavra:
“Verdade,
amor e bondade que vêm de Deus tornam o homem puro; e verdade, amor e bondade encontram-se
na Palavra, que liberta do ‘esquecimento’ de um mundo que já não pensa em
Deus”.
Ora, a Palavra é o próprio Jesus Cristo, que nós
encontramos naqueles que O refletem, que nos mostram o rosto de Deus e que
refletem a sua mansidão, a sua humildade de coração, a sua ternura, a sua
bondade, a sua sinceridade”.
Depois, na oração
dos fiéis, rezou-se pelo Papa Francisco, “para que o Senhor o ajude em seu
trabalho, especialmente, no Ano Santo da Misericórdia”.
Após a missa, teve lugar nas salas adjacentes do Campo
Santo Teutónico a cerimónia da inauguração da Sala Papa Bento – Joseph
Ratzinger. E, no seu discurso de abertura, Dom Hans Peter Fischer, reitor do
Colégio Teutónico, anunciou que em 18 de novembro ocorreria a cerimónia de
abertura da biblioteca Joseph Ratzinger – Bento XVI, na Biblioteca do Colégio
Teutónico e do Instituto Romano da Sociedade Görres, no Vaticano. O evento
contaria com uma palestra do Cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do
Pontifício Conselho para a Cultura sobre o tema “Da Bíblia à Biblioteca – Bento XVI e a Cultura da Palavra”.
***
Cá está o reconhecimento
do pensamento e ação de dois Pontífices diferentes, mas marcados pela comunhão
de doutrina, de espiritualidade e de preocupação social numa perspetiva de
integração, inclusão, racionalidade e mística. Revestidos do poder misericordioso
ou amoroso de Deus, lutando pela purificação das epidemias do exterior e do
interior, marcham ao encontro do homem de hoje, sobretudo do mais desorientado e/ou
ferido.
O supradito
congresso pretende, além do aprofundamento da notável encíclica, ser mais um
evento significativo do diálogo inter-religioso testemunhando a preocupação das
diversas religiões para com o homem que mais precisa.
2016.02.24 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário