Da
audição, a 2 de fevereiro, da Ministra da Justiça na Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da Assembleia da Republica, deduz-se
que a sua atuação vai no sentido de imprimir um novo fôlego ao Ministério da
Justiça (MJ) basicamente em três frentes: a
correção das disjunções no mapa judiciário, a formação e o sistema prisional.
No
atinente ao mapa judiciário, pretende a Ministra “a aproximação das populações aos
tribunais”, “a melhoria do tempo de duração dos processos”, “a previsibilidade temporal
da resposta judiciária” e também “a melhoria da capacidade de esclarecimento do
crime, em particular do crime grave e do crime organizado”.
Embora sustente que os princípios
que fundamentaram a reforma do Mapa Judiciário em curso reuniam consenso, Francisca
Van Dunem declarou que a sua concretização, sobretudo do lado da sua execução provocou
“um efeito perverso”, ou seja, “a área das circunscrições acabou, muitas vezes,
por criar distorções”. Trata-se de distorções que determinaram que “populações
que antes tinham acesso a justiça especializada (...) no seu concelho, no seu
tribunal da sua pequena comarca, acabaram na prática por ficar a grande
distância dos centros em que essa justiça era exercida”.
No discurso ministerial afloram
as áreas de família e menores e da justiça criminal respeitante à “grande
criminalidade, crime médio e crime grave”. Quanto ao mais, entende a governante
ser preferível a deslocação dos juízes à dos cidadãos. Assim, entende que,
sempre que seja necessário proceder a audiência de julgamento na área das
anteriores comarcas, o juiz deslocar-se-á à sede das mesmas.
***
Acerca da formação e dos efetivos
dos tribunais, nomeadamente magistrados e oficiais de justiça, Francisca Van
Dunem afirmou que o MJ se encontra num processo de identificação de modelos
que, “permitam melhorar a qualidade do desempenho e racionalizar o nível de
efetivos”. Por outro lado, anunciou a abertura de concurso no CEJ (Centro de Estudos Judiciários) para 120 vagas com vista à formação de magistrados judiciais e do Ministério
Público, bem como à de auditores judiciais e administradores dos tribunais. Terá
a Ministra em conta a declaração da Procuradora-Geral da República de há tempos,
na cidade da Guarda, sobre a falta de formação e atualização procedimental dos oficiais
de justiça.
***
Sobre o sistema
prisional, a Ministra da
Justiça manifestou preocupação com o atual momento do sistema prisional, que
disse estar “violentamente pressionado por um ciclo de sobrelotação e por
políticas orçamentais restritivas que induziram a suborçamentação permanente,
suborçamentação essa que condicionou gravemente a capacidade de organização dos
investimentos no meio prisional e sobretudo nas estruturas de reinserção”. Por isso,
o MJ “está a estudar e vai concretizar a curto prazo medidas que permitam uma
desaceleração da taxa de encarceramento e, a um prazo mais lento, a requalificação
dos espaços prisionais”.
Já em 12 de dezembro de 2015,
garantia que “está fora de questão” não o fazer, dizendo
da sua pretensão de articular programas de colaboração com entidades civis e
declarando que “o governo, necessariamente, vai ter que fazer investimento nas
cadeias”, já que é absolutamente necessário dotar o sistema prisional de
melhores condições.
A governante
identificou, de entre os problemas das cadeias portuguesas, a sobrelotação e os
“problemas relacionados com os equipamentos em si”. Neste sentido, entende que “a
grande aposta tem a ver com a humanização das cadeias, com formas de vida digna
no interior das cadeias e com a formação profissional e a ocupação das pessoas”.
Para tanto, não só o MJ, mas também “o governo está a identificar formas de
articular projetos com estruturas da sociedade civil “que tenham
disponibilidade para introduzir nas cadeias formação e tecnologia necessárias
para apetrechar as pessoas do ponto de vista profissional”, aliás na linha do
que já vem acontecendo. Na verdade – reconhece a Ministra – há vários projetos de
relevância nas cadeias portuguesas e “os serviços prisionais têm tido uma
grande dinâmica nos últimos anos”.
Quando, a 24
de dezembro, noite de consoada, foi visitar o Estabelecimento Prisional de
Tires, a Ministra da Justiça estava guiada pelo objetivo de transmitir “uma mensagem
de solidariedade humana” para com “as pessoas que estão privadas de liberdade”,
mas também para com os guardas que trabalham nos serviços prisionais.
***
Na
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia
da República, referiu que o MJ tem “uma estrutura relativamente complexa”. Tal estrutura
envolve naturalmente “o sistema de justiça na perspetiva do judiciário” e as
realidades associadas à área registal e de notariado. Porém, é “o sistema de
justiça na perspetiva do judiciário” que maior centralidade adquire no todo do
sistema e na atividade do MJ, dada “a sua projeção” e “a circunstância de, na
percepção das pessoas, o problema da Justiça ter a ver com a ineficiência dos
tribunais. Nesta área, identificou o efeito perverso acima evocado:
“A
área das circunscrições acabou, muitas vezes, por criar distorções, que levaram
a que determinadas populações que, antes, tinham acesso a justiça especializada
– não significa tribunais especializados, mas determinados segmentos da justiça
– no seu concelho, no seu tribunal da sua pequena comarca, acabaram na prática
por ficar a grande distância dos centros em que essa justiça era exercida”.
Apontou,
em especial, “a área das famílias e dos menores, em que as instâncias centrais
e especializadas, em muitos casos se distanciaram de alguns municípios” e da
justiça criminal no concernente à grande criminalidade, crime médio e crime
grave. Também neste setor “houve concentrações que acabaram por afastar muito
as pessoas dos respetivos municípios, das áreas de residência normal” – o que
arrastou problemas “ao nível notarial, na medida em que também houve
concentração ao nível das instâncias de comércio e de execução”. Todavia,
entende a Ministra que “as empresas têm um nível de mobilidade que os sujeitos
individuais não têm”.
Por
isso, o MJ vem entabulando o necessário diálogo “com os conselhos superiores
das magistraturas, com os órgãos de gestão das comarcas, com os organismos
representativos das classes profissionais e com as autarquias” com vista à “identificação
das disfunções mais graves com intenção corretiva.
Depois,
apontou o dedo às bolsas de congestionamento muito acentuadas nos tribunais, em
segmentos recorrentemente identificados: “as execuções, o comércio e o
administrativo e aqui, em particular, nos tributários”. Na verdade, “ao aumento
exponencial da eficiência da máquina fiscal não correspondeu um reforço da área
tributária em termos de meios e de capacitação”. Falando da “desigualdade entre
a justiça tributária e a administração fiscal”, reconhece que nos tribunais
tributários, “são juízes isolados a decidir causas que muitas vezes estão do
outro lado a ser preparadas e assessoradas com base em escritórios com muita
gente, gente altamente preparada, até mesmo em consultoras e em que estão em
causa contenciosos que envolvem interesses, do ponto de vista patrimonial e
financeiro, particularmente elevados”. Por isso, admite a possibilidade da
criação de “alçadas para de alguma forma integrar os níveis de complexidade que
os contenciosos possam ter e adequá-los também ao tempo e capacitação dos
magistrados que trabalham nesta área”.
A
seguir, vem a referência aos sistemas de informação:
“O
MJ tem uma grande preocupação com a problemática dos sistemas de informação. Os
sistemas de informação da Justiça, a meu ver, têm um peso e um valor autónomo.
Na verdade, estes sistemas são críticos, porque coenvolvem a vertente tribunais
no que diz respeito à tramitação de processos, à produção estatística e de
gestão e, por outro lado, à atividade registal na área civil e criminal”.
No
atinente aos tribunais, preconiza que “os sistemas instalados devem fornecer a
máxima apreensão de realidade processual, através da compreensão desagregada
dos fenómenos tanto na área cível como criminal”. Neste âmbito, “o histórico
recente do sistema Citius justifica
uma atenção permanente e qualificada, no sentido da superação das suas
fragilidades”.
Finalmente,
apresenta as preocupações do MJ com o sistema prisional e a Polícia Judiciária.
A PJ “precisa de um reforço permanente de meios” e “sobretudo de capacitação
que garanta as condições de ação indispensáveis ao combate ao crime tradicional
da sua competência, ao crime violento e ao crime organizado, com particular
enfoque no terrorismo, na cibercriminalidade, no crime económico e no [crime] contra
liberdade e autodeterminação sexual”.
O
sistema prisional, “violentamente pressionado por um ciclo de sobrelotação e
por políticas orçamentais restritivas que induziram a suborçamentação
permanente”, tem dificuldades enormes na “capacidade de organização dos
investimentos no meio prisional e sobretudo nas estruturas de reinserção”. A este
propósito, diz esperar da nova equipa da DGRSP, que iniciou funções a 1 de
fevereiro, “uma compreensão realista e extensiva dos problemas com que se
debate, quer no sistema da execução das penas, quer no sistema da execução das
medidas tutelares educativas”. Por outro lado, assegurou que “o MJ está a
estudar e vai concretizar a curto prazo medidas que permitam uma desaceleração
da taxa de encarceramento e, a um prazo mais lento, a requalificação dos
espaços prisionais”.
E
garantiu ao Parlamento que “o MJ está dotado de uma equipa que conjuga saberes
e experiências no judiciário, com valências de inovação e gestão de que o
sistema judiciário tão reconhecidamente necessita”, uma equipa entusiasmada, “ávida
de fazer e empenhada em fazer bem”.
***
Como
se pode ver, esperança de melhoria não falta. E, para ser melhor que dantes,
não é preciso muito. Deus a ouça. Que tenha sorte, que o país bem precisa de
organização e justiça!
2016. 02.03 –
Louro de Carvalho
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