quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

As três frentes de intervenção da Ministra da Justiça

Da audição, a 2 de fevereiro, da Ministra da Justiça na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da Assembleia da Republica, deduz-se que a sua atuação vai no sentido de imprimir um novo fôlego ao Ministério da Justiça (MJ) basicamente em três frentes: a correção das disjunções no mapa judiciário, a formação e o sistema prisional.
No atinente ao mapa judiciário, pretende a Ministra “a aproximação das populações aos tribunais”, “a melhoria do tempo de duração dos processos”, “a previsibilidade temporal da resposta judiciária” e também “a melhoria da capacidade de esclarecimento do crime, em particular do crime grave e do crime organizado”.
Embora sustente que os princípios que fundamentaram a reforma do Mapa Judiciário em curso reuniam consenso, Francisca Van Dunem declarou que a sua concretização, sobretudo do lado da sua execução provocou “um efeito perverso”, ou seja, “a área das circunscrições acabou, muitas vezes, por criar distorções”. Trata-se de distorções que determinaram que “populações que antes tinham acesso a justiça especializada (...) no seu concelho, no seu tribunal da sua pequena comarca, acabaram na prática por ficar a grande distância dos centros em que essa justiça era exercida”.
No discurso ministerial afloram as áreas de família e menores e da justiça criminal respeitante à “grande criminalidade, crime médio e crime grave”. Quanto ao mais, entende a governante ser preferível a deslocação dos juízes à dos cidadãos. Assim, entende que, sempre que seja necessário proceder a audiência de julgamento na área das anteriores comarcas, o juiz deslocar-se-á à sede das mesmas.
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Acerca da formação e dos efetivos dos tribunais, nomeadamente magistrados e oficiais de justiça, Francisca Van Dunem afirmou que o MJ se encontra num processo de identificação de modelos que, “permitam melhorar a qualidade do desempenho e racionalizar o nível de efetivos”. Por outro lado, anunciou a abertura de concurso no CEJ (Centro de Estudos Judiciários) para 120 vagas com vista à formação de magistrados judiciais e do Ministério Público, bem como à de auditores judiciais e administradores dos tribunais. Terá a Ministra em conta a declaração da Procuradora-Geral da República de há tempos, na cidade da Guarda, sobre a falta de formação e atualização procedimental dos oficiais de justiça.
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Sobre o sistema prisional, a Ministra da Justiça manifestou preocupação com o atual momento do sistema prisional, que disse estar “violentamente pressionado por um ciclo de sobrelotação e por políticas orçamentais restritivas que induziram a suborçamentação permanente, suborçamentação essa que condicionou gravemente a capacidade de organização dos investimentos no meio prisional e sobretudo nas estruturas de reinserção”. Por isso, o MJ “está a estudar e vai concretizar a curto prazo medidas que permitam uma desaceleração da taxa de encarceramento e, a um prazo mais lento, a requalificação dos espaços prisionais”.
Já em 12 de dezembro de 2015, garantia que “está fora de questão” não o fazer, dizendo da sua pretensão de articular programas de colaboração com entidades civis e declarando que “o governo, necessariamente, vai ter que fazer investimento nas cadeias”, já que é absolutamente necessário dotar o sistema prisional de melhores condições.
A governante identificou, de entre os problemas das cadeias portuguesas, a sobrelotação e os “problemas relacionados com os equipamentos em si”. Neste sentido, entende que “a grande aposta tem a ver com a humanização das cadeias, com formas de vida digna no interior das cadeias e com a formação profissional e a ocupação das pessoas”. Para tanto, não só o MJ, mas também “o governo está a identificar formas de articular projetos com estruturas da sociedade civil “que tenham disponibilidade para introduzir nas cadeias formação e tecnologia necessárias para apetrechar as pessoas do ponto de vista profissional”, aliás na linha do que já vem acontecendo. Na verdade – reconhece a Ministra – há vários projetos de relevância nas cadeias portuguesas e “os serviços prisionais têm tido uma grande dinâmica nos últimos anos”.
Quando, a 24 de dezembro, noite de consoada, foi visitar o Estabelecimento Prisional de Tires, a Ministra da Justiça estava guiada pelo objetivo de transmitir “uma mensagem de solidariedade humana” para com “as pessoas que estão privadas de liberdade”, mas também para com os guardas que trabalham nos serviços prisionais.
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Na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, referiu que o MJ tem “uma estrutura relativamente complexa”. Tal estrutura envolve naturalmente “o sistema de justiça na perspetiva do judiciário” e as realidades associadas à área registal e de notariado. Porém, é “o sistema de justiça na perspetiva do judiciário” que maior centralidade adquire no todo do sistema e na atividade do MJ, dada “a sua projeção” e “a circunstância de, na percepção das pessoas, o problema da Justiça ter a ver com a ineficiência dos tribunais. Nesta área, identificou o efeito perverso acima evocado:
“A área das circunscrições acabou, muitas vezes, por criar distorções, que levaram a que determinadas populações que, antes, tinham acesso a justiça especializada – não significa tribunais especializados, mas determinados segmentos da justiça – no seu concelho, no seu tribunal da sua pequena comarca, acabaram na prática por ficar a grande distância dos centros em que essa justiça era exercida”.
Apontou, em especial, “a área das famílias e dos menores, em que as instâncias centrais e especializadas, em muitos casos se distanciaram de alguns municípios” e da justiça criminal no concernente à grande criminalidade, crime médio e crime grave. Também neste setor “houve concentrações que acabaram por afastar muito as pessoas dos respetivos municípios, das áreas de residência normal” – o que arrastou problemas “ao nível notarial, na medida em que também houve concentração ao nível das instâncias de comércio e de execução”. Todavia, entende a Ministra que “as empresas têm um nível de mobilidade que os sujeitos individuais não têm”.
Por isso, o MJ vem entabulando o necessário diálogo “com os conselhos superiores das magistraturas, com os órgãos de gestão das comarcas, com os organismos representativos das classes profissionais e com as autarquias” com vista à “identificação das disfunções mais graves com intenção corretiva.
Depois, apontou o dedo às bolsas de congestionamento muito acentuadas nos tribunais, em segmentos recorrentemente identificados: “as execuções, o comércio e o administrativo e aqui, em particular, nos tributários”. Na verdade, “ao aumento exponencial da eficiência da máquina fiscal não correspondeu um reforço da área tributária em termos de meios e de capacitação”. Falando da “desigualdade entre a justiça tributária e a administração fiscal”, reconhece que nos tribunais tributários, “são juízes isolados a decidir causas que muitas vezes estão do outro lado a ser preparadas e assessoradas com base em escritórios com muita gente, gente altamente preparada, até mesmo em consultoras e em que estão em causa contenciosos que envolvem interesses, do ponto de vista patrimonial e financeiro, particularmente elevados”. Por isso, admite a possibilidade da criação de “alçadas para de alguma forma integrar os níveis de complexidade que os contenciosos possam ter e adequá-los também ao tempo e capacitação dos magistrados que trabalham nesta área”.
A seguir, vem a referência aos sistemas de informação:
“O MJ tem uma grande preocupação com a problemática dos sistemas de informação. Os sistemas de informação da Justiça, a meu ver, têm um peso e um valor autónomo. Na verdade, estes sistemas são críticos, porque coenvolvem a vertente tribunais no que diz respeito à tramitação de processos, à produção estatística e de gestão e, por outro lado, à atividade registal na área civil e criminal”.
No atinente aos tribunais, preconiza que “os sistemas instalados devem fornecer a máxima apreensão de realidade processual, através da compreensão desagregada dos fenómenos tanto na área cível como criminal”. Neste âmbito, “o histórico recente do sistema Citius justifica uma atenção permanente e qualificada, no sentido da superação das suas fragilidades”.
Finalmente, apresenta as preocupações do MJ com o sistema prisional e a Polícia Judiciária. A PJ “precisa de um reforço permanente de meios” e “sobretudo de capacitação que garanta as condições de ação indispensáveis ao combate ao crime tradicional da sua competência, ao crime violento e ao crime organizado, com particular enfoque no terrorismo, na cibercriminalidade, no crime económico e no [crime] contra liberdade e autodeterminação sexual”.
O sistema prisional, “violentamente pressionado por um ciclo de sobrelotação e por políticas orçamentais restritivas que induziram a suborçamentação permanente”, tem dificuldades enormes na “capacidade de organização dos investimentos no meio prisional e sobretudo nas estruturas de reinserção”. A este propósito, diz esperar da nova equipa da DGRSP, que iniciou funções a 1 de fevereiro, “uma compreensão realista e extensiva dos problemas com que se debate, quer no sistema da execução das penas, quer no sistema da execução das medidas tutelares educativas”. Por outro lado, assegurou que “o MJ está a estudar e vai concretizar a curto prazo medidas que permitam uma desaceleração da taxa de encarceramento e, a um prazo mais lento, a requalificação dos espaços prisionais”.
E garantiu ao Parlamento que “o MJ está dotado de uma equipa que conjuga saberes e experiências no judiciário, com valências de inovação e gestão de que o sistema judiciário tão reconhecidamente necessita”, uma equipa entusiasmada, “ávida de fazer e empenhada em fazer bem”.
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Como se pode ver, esperança de melhoria não falta. E, para ser melhor que dantes, não é preciso muito. Deus a ouça. Que tenha sorte, que o país bem precisa de organização e justiça!

2016. 02.03 – Louro de Carvalho

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