sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Aeroporto Humberto Delgado

O aeroporto de Lisboa, que abrange o antigo aeroporto da Portela e o antigo aeroporto militar de Figo Maduro, vai passar a chamar-se Humberto Delgado a partir do próximo dia 15 de maio, do 110.º aniversário do General Sem Medo. É uma decisão tomada ontem, dia 11 de fevereiro, e tornada pública pelo ministro das Infraestruturas, para assinalar aquela passagem aniversária do nascimento do insigne militar.
Após o Conselho de Ministros, o ministro Pedro Marques explicou, em conferência de imprensa, que o Governo decidiu, a dois dias da data em que se assinalam os 51 anos sobre o seu assassinato (ocorreu a 13 de fevereiro de 1965), batizar a infraestrutura com o nome do general.
A decisão governamental vem na sequência da proposta da Câmara Municipal de Lisboa de atribuir a designação de Aeroporto Humberto Delgado ao Aeroporto da Portela, aprovada por unanimidade a 11 de fevereiro de 2015 (para marcar a passagem do cinquentenário da sua morte), quando o atual primeiro-ministro, António Costa, liderava a autarquia lisbonense.
Na moção então aprovada em reunião do executivo municipal, Costa sustentava que Humberto Delgado fora “uma figura notável do país político do século XX”, bem como “um vulto maior da aviação comercial portuguesa”, acrescentando que ambas as facetas o definem como um decisivo influente na “formação do Portugal de hoje”.
Desta vez, foi Pedro Marques quem realçou o papel do general (promovido postumamente a marechal, a 5 de outubro de 1990) na luta contra a ditadura, bem como na “ligação muito forte à infraestrutura aeroportuária e ao desenvolvimento do transporte aéreo em Portugal”. Com efeito, “o marechal foi uma figura maior da oposição ao regime da ditadura (...) e teve um papel muito relevante na área da aviação civil”, declarou o ministro, realçando que foi Delgado que presidiu à fundação da TAP e que “por isso é muito justa esta atribuição do nome ao aeroporto”.
O militar técnico-político foi nomeado Diretor do Secretariado da Aeronáutica Civil, em 1944, e foi, em 1952, nomeado adido militar na Embaixada de Portugal em Washington e membro do comité dos Representantes Militares da NATO. Promovido a general na sequência da realização do curso de altos comandos, onde obteve a classificação máxima, passou a Chefe da Missão Militar junto da NATO. Regressado dos Estados Unidos, onde permaneceu cerca de 5 anos, foi nomeado Diretor-Geral da Aeronáutica Civil.
O professor Frederico Delgado Rosa – neto de Humberto Delgado e autor dos livros “Humberto Delgado e a Aviação Civil” e “Humberto Delgado, o General sem medo”, entende que esta homenagem, mais do que uma opção política, tem um impacto internacional, pois, “numa altura de medos relacionados com o terrorismo, com a segurança nos aeroportos, com os refugiados, é importante que um aeroporto tenha o nome de um herói da liberdade”.
Além disso, Delgado Rosa assegura que “o aeroporto da capital portuguesa entra assim no grupo seleto dos aeroportos internacionais cujos nomes celebram grandes vultos históricos do século XX, como o aeroporto J. F. Kennedy, o aeroporto Charles De Gaulle, o aeroporto Amílcar Cabral, o aeroporto Leopold Senghor, o aeroporto Nelson Mandela ou o aeroporto John Lennon, entre outros”.
Antes de se tornar o político que fez tremer o regime e de se afirmar como “o General sem medo” – contra quem o regime se autoimunizou constitucionalmente procedendo a uma emenda da Lei Fundamental, em que deixou cair a eleição presidencial por voto direto dos cidadãos eleitores, passando à eleição por um colégio eleitoral – Humberto Delgado foi o fundador da TAP e o promotor da modernização e expansão dos aeroportos do país.
Assim, foi ele quem firmou os acordos de liberdade aérea do pós-Guerra, criou várias rotas da aeronavegação comercial, estabelecendo designadamente a primeira ligação aérea comercial entre Lisboa, Luanda (Angola) e Lourenço Marques (atual Maputo, em Moçambique), conquistou para Portugal o controlo do tráfego aéreo do Atlântico Norte, colocou os Açores à escala do mundo através do aeroporto de Santa Maria (ponto nevrálgico das rotas mundiais), depois de na II Guerra Mundial ter sido protagonista da cedência da Base das Lajes aos Aliados.
Delgado foi ainda o primeiro representante de Portugal na ICAO (à inglesa) ou OACI (Organização da Aviação Civil Internacional), e quem adaptou os aeroportos aos aviões a jacto, já na década de 50. Foi também ele o responsável pelo sistema de comunicação da aviação civil internacional em metros e não em milhas.
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Humberto da Silva Delgado nasceu, como foi já referido, a 15 de maio de 1906, em Boquilobo, freguesia de Brogueira, concelho de Torres Novas, distrito de Santarém.
Foi aluno do Colégio Militar entre 1916 e 1922 e, em 1925, ingressou na Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas.
Sendo ainda um jovem oficial, participou no movimento militar de 28 de maio de 1926, que desferiu o golpe de Estado que derrubou a República Parlamentar e instaurou a Ditadura Militar, que abriu caminho à institucionalização, em 1933, do Estado Novo, liderado por Carmona e Salazar.
Tornou-se um entusiástico apoiante do Estado Novo, particularmente do seu anticomunismo, tendo publicado em 1933 um livro, Da Pulhice do Homo sapiens, onde fazia rasgados elogios ao “grande homem Salazar”. Apesar de tudo, por vezes, Salazar recebia dele cartas demasiado desabridas para aquilo que era normal nos seus colaboradores, como uma, em 1946, quando ainda não tinha atingido o generalato: 
“Ora eu sirvo incontestavelmente V. Exa. com respeito, alta admiração […] e até dedicação pessoal apesar da quase permanente frieza de V. Exa.; mas confesso que não sei servir com medo ou subserviência […].”
Em 1941, Humberto Delgado, assumiu publicamente as suas simpatias para com a Alemanha Nazi, publicando dois artigos na Revista Ar, onde afirmou:
“O ex-cabo, ex-pintor, o homem que não nasceu em leito de renda amolecedor, passará à História como uma revelação genial das possibilidades humanas no campo político, diplomático, social, civil e militar, quando à vontade de um ideal se junta a audácia, a valentia, a virilidade numa palavra.”
Delgado representou Portugal nos acordos secretos com o Governo Britânico sobre a instalação das Bases Aliadas nos Açores durante a II Guerra Mundial, com já foi referido.
Também neste aspeto, seguiu as oscilações de simpatia internacional do ditador entre a germanofilia real e o anglo-americanismo de conveniência.
Entre 1947 e 1950, o político, feito e crescido assim no Estado Novo, representou Portugal na Organização da Aviação Civil Internacional, sediada em Montreal, Canadá.
Foi Procurador à Câmara Corporativa (V Legislatura do Estado Novo) entre 1951 e 1952.
Em 1952, partiu para Washington como adido militar na Embaixada de Portugal e membro do comité dos Representantes Militares da NATO. Foi promovido a general na sequência da realização do curso de altos comandos, onde obteve a classificação máxima, passando a chefiar a Missão Militar junto da NATO. Regressado a Portugal foi nomeado Diretor-Geral da Aeronáutica Civil.
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O tempo que viveu nos Estados Unidos modificou a sua forma de encarar a política portuguesa, despertando nele o que alguns designam por estado nascente, fadado a lutar pela mudança de mentalidades e estruturas sociais e políticas. Convidado por opositores ao regime a candidatar-se à Presidência da República, em 1958, contra o candidato da União Nacional, Américo Deus Rodriguez Thomaz, aceitou, pelo que reuniu em torno de si toda a oposição ao Estado Novo.
Em conferência de imprensa de campanha eleitoral, a 10 de maio daquele ano, no café Chave de Ouro, em Lisboa, ao ser-lhe perguntado por um jornalista que atitude iria tomar em relação ao Presidente do Conselho, respondeu: Obviamente, demito-o!”.
Foi uma resposta que galvanizou e incendiou os espíritos das pessoas descontentes com o regime salazarista, que o apoiaram e aclamaram durante a campanha, com peculiar relevo para a entusiástica receção popular na Praça Carlos Alberto no Porto, a 14 de maio de 1958.
Foi graças à coragem que manifestou ao longo da campanha perante a repressão policial que foi cognominado como “o General sem Medo”. Todavia, o resultado eleitoral não lhe foi favorável graças à propalada fraude eleitoral montada pelo regime, o que redundou em perseguição, exílio, cilada e morte.
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Marcello Caetano, nas Memórias, no referente à época em que foi ministro de Salazar, conta que este reagiu aparentemente sem preocupação aos boatos que, no início de 1958, surgiram sobre Delgado. Regressado de Washington, o militar político manifestava intenções de se apresentar como candidato independente à Presidência da República. A supina tranquilidade do desconfiado Presidente do Conselho baseava-se no longo passado do general como servidor do regime. Tinha sido dos primeiros dirigentes da Legião Portuguesa e comissário-adjunto da Mocidade Portuguesa, além de que desempenhara missões importantes, por exemplo, como representante nas negociações secretas para a cedência de bases nos Açores ao Reino Unido, como criador da TAP e como Diretor-Geral da Aviação Civil. Pouco antes, em novembro de 1957, fora agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Avis, a somar a muitos mais galardões nacionais e estrangeiros.
Porém, os avisos de Caetano tinham razão de ser, como iria patentear-se nos sete anos seguintes. O General tinha regressado de Washington transformado, era um homem muito diferente do que Salazar conhecera e com quem tinha trabalhado. Embora a personalidade fosse a mesma, agora o seu fascínio deslocara-se do salazarismo, que lhe parecia não conseguir vencer o atraso e se ter deixado dominar pela rotina (“Salazar está velho, está gasto, está fora de moda!”, confidenciava a Caetano), para o modelo de sociedade que o seduzira nos EUA (desabafou Salazar ao seu ministro da Defesa, Delgado “voltou estragado dos EUA”). Depois da permanência nos EUA, Delgado concebera um projeto: reformar os Estado Novo substituindo Salazar.
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Porém, o aeroporto Humberto Delgado não é apenas a homenagem ao herói da liberdade, mas o ato de justiça para com o efetivo grande obreiro da aviação civil, o genuíno homem do ramo.

2016.02.12 – Louro de Carvalho

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