Desde
1995, a discussão pública sobre o Orçamento do Estado tem-se revestido de acesa
polémica. Por isso, não me parece ser de estranhar que o instrumento
previsional de gestão da República para 2016 esteja a ser ferozmente atacado
por todos aqueles e aquelas que não se resignam à atividade governativa gerada
pela “geringonça”, que pensavam já se ter desconjuntado por fatal embate em
qualquer montão que se lhe deparasse (por exemplo, a
Resolução Banif), e
pelos ferrenhos zeladores do status quo
da política da Comissão Europeia, bem como por alguns daqueles que, integrantes
da maioria parlamentar que gerou e suporta o XXI Governo, queriam um pouco
melhor.
Quem
não se lembra da generosidade do então Presidente do PSD, ora Presidente da
República eleito, que levou o seu o partido a viabilizar, em prol do euro, três
orçamentos do XIII Governo? Quem não se lembra daquele que passou a ser
conhecido por “orçamento do queijo”? Quem não se lembra dos esforços
orçamentais de Ferreira Leite ou do stresse que levou Bagão Félix a ser
atendido num serviço de urgência? E que dizer da perspetiva orçamental tão
obsessiva contra qual Jorge Sampaio teve de clamar que “há mais vida para além
do orçamento”? E aqueles baralhantes atrasos de Teixeira dos Santos, incluindo
a falta de peças orçamentais na pen?
Entretanto,
a situação piorou quando o país começou a dançar de PEC para PEC, a ponto de o
Presidente Cavaco apelar ao sobressalto democrático, que induziu a queda do
XVIII Governo, clamar pela necessidade de não enervarmos os mercados; e, depois
de subscrito o “inócuo” programa de ajustamento”, tão aliviante na ótica de
José Sócrates e tão otimista nas palavras de Eduardo Catroga, Cavaco falou, a
nível interno, da situação explosiva ou da espiral recessiva e, a nível
externo, esconjurou os caprichos e a irracionalidade dos mercados e das agências
de rating, como quase que excomungou
a Grécia da zona Euro, restando ainda 18 da totalidade de 19 países do Euro (19-1=18).
Durante
os três anos do ajustamento (dito de saída limpa) mais um e agora mais outro,
Comissão Europeia, FMI, BCE/Zona Euro e também a OCDE têm assumido
recorrentemente as críticas ao país – sempre a rever em baixa as previsões
otimistas do Governo e a rever em alta as suas previsões pessimistas. Todavia,
apesar de o XIX Governo ter errado em todas as previsões e não ter levado a
cabo qualquer reforma de fundo do Estado, as avaliações trimestrais da troika
foram sempre positivas e pacíficas, com exceção de uma que demorou mais tempo,
mas para cujo desfecho Maria Cavaco Silva encontrou uma rica explicação. E
tanto Gaspar como Maria Luís foram altamente venerados pelo titular da pasta
das finanças alemão, de modo que o país cujo Governo quis ir além da troika
brilhou no espectro celeste como o bom aluno da escola europeia.
Por
outro lado, o CFP (Conselho de Finanças Públicas), o Banco de Portugal e a UTAO (Unidade
de Apoio Técnico ao Orçamento)
sempre foram vozes críticas das previsões e sobretudo da execução orçamental.
E, se o IEFP sem apresentou dados alinhados com os do Governo, o INE chegou a
indispor Passos Coelho. Ademais, quem não se lembra da ginástica de promessas e
ocultações pré-eleitorais, prontamente desmentidas ou postas a nu no período
pós-eleitoral?
***
Agora,
ter-se-á virado a página, mas os ataques persistem e as contradições afloram.
Desde logo, o país, que não podia viver em regime de duodécimos, agora está
precisamente sob o regime de duodécimos, pois o orçamento será aprovado, na
hipótese mais favorável, a 17 de março. Foi por essa razão que o Presidente
Cavaco Silva nunca suscitou a questão da fiscalização prévia da
constitucionalidade dos orçamentos. Mesmo o PS de António José Seguro ofereceu
ao orçamento para 2012 apenas uma violenta abstenção, não tendo apadrinhado o
pedido de fiscalização sucessiva desse orçamento, facto que Maria Belém, a
então Presidente do Partido, explicou mal na sua prestação na campanha às
eleições presidenciais ser confrontada com o facto em contraste com a atitude
que tomara em relação à subvenções vitalícias de políticos. Que haviam de dizer
os nossos credores?!
Porém,
essa razão não moveu o Presidente da República a acautelar que em 2016 o país vivesse
em regime de duodécimos, convocando as eleições legislativas para a primavera
de 2015, ele que até prometera a marcação de eleições para 2014 se, em 2015,
PS, PSD e CDS atinassem num governo de compromisso nacional. Agora parece que
os credores já não se importam!
Também
os dados previsionais da Comissão Europeia, como é sabido, serviram de suporte
ao cenário macroeconómico em que assentou o programa eleitoral do PS. Porém, a
Comissão Europeia, contrariando as previsões do Governo, para dar luz verde ao
esboço do orçamento, apertou até que o Governo acertasse a previsão do défice
para 2,2% do PIB.
Com
efeito, ainda há dias, a Comissão Europeia previa para 2016 um crescimento do
PIB de 1,6%, o FMI, de 1,4% e o Governo, de 2,1; a Comissão previa um défice
orçamental de 3,4%, o FMI, de 3,2% e o Governo de 2,5 (no
início de janeiro previa um défice de 2,6%).
A
4 de fevereiro, o Conselho de Ministros aprovou por unanimidade a proposta de
lei do orçamento para 2016, que a 5 de fevereiro, hoje, foi presente à
Assembleia da República e o Ministro das Finanças explicou à Comunicação
Social.
A
Comissão Europeia, apesar de o seu presidente ter afirmado que os países
sujeitos a programas de ajustamento foram desrespeitados na sua dignidade,
continua na linha dura de fazer exigências sem quaisquer contemplações; o FMI
continua a impor medidas, a autocriticar-se e a reforçar as pressões; CFP e
UTAO continuam vozes críticas como dantes. Mudou a Comunicação Social, que
parece ter saudades do tempo do tempo do programa de ajustamento. A Comissão
Europeia deu luz verde ao orçamento português, mas na generalidade gostam de
informar que a Comissão não rejeitou a proposta portuguesa, aprovou com avisos,
deixou passar com reservas e por aí adiante.
Costa
quis satisfazer a trilogia: as promessas eleitorais (não
sei se precisava, já que não ganhou as eleições); os partidos que apoiam o Governo; e a Comissão
Europeia.
Com
a Comissão Europeia tentou, pelo menos negociar a nível técnico e a nível
político; com os partidos que apoiam o Governo, que pretendiam mais, mas não se
expõem a fazer cair o Governo tão prematuramente, vai cumprindo como pode, e
eles vão espreitando os erros mais recentes de Passos e Portas – TAP, aumentos
de 150% da massa salarial dos administradores dos órgãos de regulação, não venda do Novo Banco e arrastamento do caso do
Banif – para justificarem o poucochinho que o orçamento consegue. Quanto às
promessas eleitorais, fica nos mínimos e atrasa a calendarização de algumas
medidas. Mas – que diabo! – gestores públicos protestam contra a reposição do
horário de 35 horas semanais para os trabalhadores da função pública. Até
parece que nem foram os dois últimos Governos a promover a lei da passagem para
as 40 horas…
***
Em
que ficamos, afinal? Cavaco Silva disse esperar que, no encontro semanal do dia
4 de fevereiro, o senhor Primeiro-Ministro lhe trouxesse boas notícias…
O Governo prevê que o défice orçamental caia para os 2,2% do PIB (Produto Interno Bruto) este ano. De
acordo com o relatório da proposta de Orçamento do Estado para 2016, hoje entregue
pelo Governo à Assembleia da República, o défice orçamental deverá cair dos
4,3% do PIB em 2015 para os 2,2% em 2016.
Recorde-se que nos 4,3% estão contemplados os resultados da
resolução do Banif.
Por outro lado, o PIB crescerá 1,8%, o défice estrutural ficará em
1,7%, baixando em 0,3%. Por seu turno, a dívida cifrar-se-á nos 127% do PIB,
havendo um abaixamento de 1,1% do PIB.
Para tanto, subirá a valorização patrimonial dos imóveis usados
para comércio e indústria, o que acarretará um aumento do IMI para os seus
proprietários; em sede de IRS, fixa-se uma dedução de 550 euros por cada
dependente, fica abolido o quociente familiar, regressa o quociente conjugal e
são alteradas as condições de pagamento das dívidas fiscais que ainda não se
encontrem em processo executivo (o prazo
será de 12 meses e o montante de pagamento a prestações pode ir até aos 5000
euros).
Em IRC, haverá menor prazo para reporte dos prejuízos fiscais. Aumentará o
imposto sobre veículos (ISV), o imposto único de
circulação (IUC) e o
imposto de selo (IS),
bem como os impostos sobre o tabaco e os combustíveis e os impostos sobre a
banca.
Porém,
diminuem os incentivos pecuniários ao abate de veículos e à compra de carro
elétrico.
Quanto
ao IVA da restauração, desce apenas no atinente à comida, com exceção de alguns
produtos, como os pães-de-leite, que passarão a ter uma taxa de 23% em IVA.
E
não vai descer a TSU.
***
Cumprir-se-ão
as metas? A ver vamos. O Presidente eleito, em nome da estabilidade, prometeu
promulgar o orçamento, ainda sem o conhecer.
Ficaremos
melhor? Vamos ver. Porém, os sacrifícios talvez fiquem mais do lado de quem
pode mais; mas a classe média continuará a pagar porque não pode deixar de
declarar rendimentos nem tem acesso a off-shores!
2016.02.05 –
Louro de Carvalho
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