sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O Orçamento do Estado para 2016

Desde 1995, a discussão pública sobre o Orçamento do Estado tem-se revestido de acesa polémica. Por isso, não me parece ser de estranhar que o instrumento previsional de gestão da República para 2016 esteja a ser ferozmente atacado por todos aqueles e aquelas que não se resignam à atividade governativa gerada pela “geringonça”, que pensavam já se ter desconjuntado por fatal embate em qualquer montão que se lhe deparasse (por exemplo, a Resolução Banif), e pelos ferrenhos zeladores do status quo da política da Comissão Europeia, bem como por alguns daqueles que, integrantes da maioria parlamentar que gerou e suporta o XXI Governo, queriam um pouco melhor.
Quem não se lembra da generosidade do então Presidente do PSD, ora Presidente da República eleito, que levou o seu o partido a viabilizar, em prol do euro, três orçamentos do XIII Governo? Quem não se lembra daquele que passou a ser conhecido por “orçamento do queijo”? Quem não se lembra dos esforços orçamentais de Ferreira Leite ou do stresse que levou Bagão Félix a ser atendido num serviço de urgência? E que dizer da perspetiva orçamental tão obsessiva contra qual Jorge Sampaio teve de clamar que “há mais vida para além do orçamento”? E aqueles baralhantes atrasos de Teixeira dos Santos, incluindo a falta de peças orçamentais na pen?
Entretanto, a situação piorou quando o país começou a dançar de PEC para PEC, a ponto de o Presidente Cavaco apelar ao sobressalto democrático, que induziu a queda do XVIII Governo, clamar pela necessidade de não enervarmos os mercados; e, depois de subscrito o “inócuo” programa de ajustamento”, tão aliviante na ótica de José Sócrates e tão otimista nas palavras de Eduardo Catroga, Cavaco falou, a nível interno, da situação explosiva ou da espiral recessiva e, a nível externo, esconjurou os caprichos e a irracionalidade dos mercados e das agências de rating, como quase que excomungou a Grécia da zona Euro, restando ainda 18 da totalidade de 19 países do Euro (19-1=18).
Durante os três anos do ajustamento (dito de saída limpa) mais um e agora mais outro, Comissão Europeia, FMI, BCE/Zona Euro e também a OCDE têm assumido recorrentemente as críticas ao país – sempre a rever em baixa as previsões otimistas do Governo e a rever em alta as suas previsões pessimistas. Todavia, apesar de o XIX Governo ter errado em todas as previsões e não ter levado a cabo qualquer reforma de fundo do Estado, as avaliações trimestrais da troika foram sempre positivas e pacíficas, com exceção de uma que demorou mais tempo, mas para cujo desfecho Maria Cavaco Silva encontrou uma rica explicação. E tanto Gaspar como Maria Luís foram altamente venerados pelo titular da pasta das finanças alemão, de modo que o país cujo Governo quis ir além da troika brilhou no espectro celeste como o bom aluno da escola europeia.
Por outro lado, o CFP (Conselho de Finanças Públicas), o Banco de Portugal e a UTAO (Unidade de Apoio Técnico ao Orçamento) sempre foram vozes críticas das previsões e sobretudo da execução orçamental. E, se o IEFP sem apresentou dados alinhados com os do Governo, o INE chegou a indispor Passos Coelho. Ademais, quem não se lembra da ginástica de promessas e ocultações pré-eleitorais, prontamente desmentidas ou postas a nu no período pós-eleitoral?
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Agora, ter-se-á virado a página, mas os ataques persistem e as contradições afloram. Desde logo, o país, que não podia viver em regime de duodécimos, agora está precisamente sob o regime de duodécimos, pois o orçamento será aprovado, na hipótese mais favorável, a 17 de março. Foi por essa razão que o Presidente Cavaco Silva nunca suscitou a questão da fiscalização prévia da constitucionalidade dos orçamentos. Mesmo o PS de António José Seguro ofereceu ao orçamento para 2012 apenas uma violenta abstenção, não tendo apadrinhado o pedido de fiscalização sucessiva desse orçamento, facto que Maria Belém, a então Presidente do Partido, explicou mal na sua prestação na campanha às eleições presidenciais ser confrontada com o facto em contraste com a atitude que tomara em relação à subvenções vitalícias de políticos. Que haviam de dizer os nossos credores?!
Porém, essa razão não moveu o Presidente da República a acautelar que em 2016 o país vivesse em regime de duodécimos, convocando as eleições legislativas para a primavera de 2015, ele que até prometera a marcação de eleições para 2014 se, em 2015, PS, PSD e CDS atinassem num governo de compromisso nacional. Agora parece que os credores já não se importam!
Também os dados previsionais da Comissão Europeia, como é sabido, serviram de suporte ao cenário macroeconómico em que assentou o programa eleitoral do PS. Porém, a Comissão Europeia, contrariando as previsões do Governo, para dar luz verde ao esboço do orçamento, apertou até que o Governo acertasse a previsão do défice para 2,2% do PIB.
Com efeito, ainda há dias, a Comissão Europeia previa para 2016 um crescimento do PIB de 1,6%, o FMI, de 1,4% e o Governo, de 2,1; a Comissão previa um défice orçamental de 3,4%, o FMI, de 3,2% e o Governo de 2,5 (no início de janeiro previa um défice de 2,6%).
A 4 de fevereiro, o Conselho de Ministros aprovou por unanimidade a proposta de lei do orçamento para 2016, que a 5 de fevereiro, hoje, foi presente à Assembleia da República e o Ministro das Finanças explicou à Comunicação Social.
A Comissão Europeia, apesar de o seu presidente ter afirmado que os países sujeitos a programas de ajustamento foram desrespeitados na sua dignidade, continua na linha dura de fazer exigências sem quaisquer contemplações; o FMI continua a impor medidas, a autocriticar-se e a reforçar as pressões; CFP e UTAO continuam vozes críticas como dantes. Mudou a Comunicação Social, que parece ter saudades do tempo do tempo do programa de ajustamento. A Comissão Europeia deu luz verde ao orçamento português, mas na generalidade gostam de informar que a Comissão não rejeitou a proposta portuguesa, aprovou com avisos, deixou passar com reservas e por aí adiante.
Costa quis satisfazer a trilogia: as promessas eleitorais (não sei se precisava, já que não ganhou as eleições); os partidos que apoiam o Governo; e a Comissão Europeia.
Com a Comissão Europeia tentou, pelo menos negociar a nível técnico e a nível político; com os partidos que apoiam o Governo, que pretendiam mais, mas não se expõem a fazer cair o Governo tão prematuramente, vai cumprindo como pode, e eles vão espreitando os erros mais recentes de Passos e Portas – TAP, aumentos de 150% da massa salarial dos administradores dos órgãos de regulação, não venda do Novo Banco e arrastamento do caso do Banif – para justificarem o poucochinho que o orçamento consegue. Quanto às promessas eleitorais, fica nos mínimos e atrasa a calendarização de algumas medidas. Mas – que diabo! – gestores públicos protestam contra a reposição do horário de 35 horas semanais para os trabalhadores da função pública. Até parece que nem foram os dois últimos Governos a promover a lei da passagem para as 40 horas…
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Em que ficamos, afinal? Cavaco Silva disse esperar que, no encontro semanal do dia 4 de fevereiro, o senhor Primeiro-Ministro lhe trouxesse boas notícias…
O Governo prevê que o défice orçamental caia para os 2,2% do PIB (Produto Interno Bruto) este ano. De acordo com o relatório da proposta de Orçamento do Estado para 2016, hoje entregue pelo Governo à Assembleia da República, o défice orçamental deverá cair dos 4,3% do PIB em 2015 para os 2,2% em 2016.
Recorde-se que nos 4,3% estão contemplados os resultados da resolução do Banif.
Por outro lado, o PIB crescerá 1,8%, o défice estrutural ficará em 1,7%, baixando em 0,3%. Por seu turno, a dívida cifrar-se-á nos 127% do PIB, havendo um abaixamento de 1,1% do PIB.
Para tanto, subirá a valorização patrimonial dos imóveis usados para comércio e indústria, o que acarretará um aumento do IMI para os seus proprietários; em sede de IRS, fixa-se uma dedução de 550 euros por cada dependente, fica abolido o quociente familiar, regressa o quociente conjugal e são alteradas as condições de pagamento das dívidas fiscais que ainda não se encontrem em processo executivo (o prazo será de 12 meses e o montante de pagamento a prestações pode ir até aos 5000 euros). Em IRC, haverá menor prazo para reporte dos prejuízos fiscais. Aumentará o imposto sobre veículos (ISV), o imposto único de circulação (IUC) e o imposto de selo (IS), bem como os impostos sobre o tabaco e os combustíveis e os impostos sobre a banca.
Porém, diminuem os incentivos pecuniários ao abate de veículos e à compra de carro elétrico.
Quanto ao IVA da restauração, desce apenas no atinente à comida, com exceção de alguns produtos, como os pães-de-leite, que passarão a ter uma taxa de 23% em IVA.
E não vai descer a TSU.
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Cumprir-se-ão as metas? A ver vamos. O Presidente eleito, em nome da estabilidade, prometeu promulgar o orçamento, ainda sem o conhecer.
Ficaremos melhor? Vamos ver. Porém, os sacrifícios talvez fiquem mais do lado de quem pode mais; mas a classe média continuará a pagar porque não pode deixar de declarar rendimentos nem tem acesso a off-shores!

2016.02.05 – Louro de Carvalho

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