Como é óbvio, não estou a
referir-me à avaliação que João Soares fez da postura do pai Mário em apoiar António
Costa contra António José Seguro, na saga do PS. Não, refiro-me ao IAVE-IP,
sucessor do GAVE, e aos últimos desenvolvimentos noticiosos sobre este
instituto público, a tal entidade “independente externa” a quem o Ministro da
Educação e Ciência diz ter entregado as tarefas atinentes a todos os processos
de avaliação educacional. Porém, nem serviu para fazer implodir o Ministério da
Educação, que se mantém “vivinho” a regular cada vez mais meticulosamente tudo quanto
às escolas diz respeito – enquanto congestiona os papéis e os microfones com o
chavão da autonomia – nem é suficiente para gerir os exames / provas finais
(precisa do júri nacional de exames) ou a PACC, prova de avaliação de conhecimentos
e capacidades (precisa do júri nacional da prova).
Quanto à independência, ficaremos
conversados se atentarmos no teor minudente do Decreto Regulamentar n.º 7/2013,
de 23 de outubro. Seria desejável que o Governo, através de decreto-lei,
estabelecesse as grandes opções e a estruturação regulamentadora da prova ficasse
a cargo do instituto, bem como os necessários e convenientes procedimentos.
Por outro lado, fica envolta na
nebulosidade da dúvida a prerrogativa da independência quando todos os órgãos
do instituto são de nomeação direta ou indireta do Governo. Assim, o conselho
geral é designado por resolução do Conselho de Ministros sob proposta do Ministro
da Educação e Ciência, sendo constituído por 12 elementos: o dirigente máximo
do serviço do Ministério da Educação e Ciência responsável pelo desenvolvimento
curricular, no âmbito do ensino básico e secundário; quatro indicados pelo conselho
científico do IAVE-IP; dois, pelo Ministro da Educação e Ciência; e os
restantes, pelo conselho de escolas (um), associação de estabelecimentos de
ensino particular e cooperativo (um), conselho de reitores das universidades
portuguesas (um), conselho coordenador dos institutos superiores politécnicos
(um) e associação portuguesa do ensino superior privado (um). Por seu turno, o
conselho científico integra representantes de 32 instituições de professores e
sociedades científicas, que os propõem e o Ministro da Educação e Ciência
nomeia. E
o executivo é assegurado por um conselho diretivo, composto por um presidente e
dois vogais e nomeado por resolução do Conselho de Ministros sob proposta do Ministro
da Educação e Ciência, com base em lista apresentada pelo conselho geral de
entre “personalidades de reconhecido mérito e experiência na área da avaliação
dos alunos”, precedendo parecer não vinculativo da Comissão de Recrutamento e
Seleção para a Administração Pública. Trata-se, assim, de uma independência demasiado
equívoca e pouco consistente.
Tudo isto pode ler-se no diploma que
aprova a orgânica do Instituto de Avaliação
Educativa-IP, estabelecendo as suas atribuições, órgãos e respetivas
competências, e dispondo sobre a sua gestão financeira e patrimonial.
Já agora, se o IAVE-IP é tão competente
e tão independente, pergunto-me por que motivo não lhe foi confiada a avaliação
externa de escolas, o acompanhamento da autoavaliação organizacional e a avaliação
de desempenho do pessoal docente.
***
Voltando-nos em especial para
ocaso da PACC, soube-se nestes dias que o conselho científico do IAVE-IP se pronunciara
já em novembro de 2014, através de parecer de que o conselho diretivo se veio a
demarcar, agora que o documento viu a luz pública.
Num
relativamente extenso documento de análise crítico-científica, a comissão
designada para o efeito, que o subscreve, declara que “em nenhum momento, a
PACC avalia aquilo que é essencial: a competência dos professores candidatos para
esta função”. Por outro lado, os subscritores do parecer científico ora dado a
lume consideram que o normativo legal – o Decreto Regulamentar n.º 7/2013, já
referido – que enquadra a prova é “contraditório e inconsistente”: contraditório,
porque estabelece que os resultados da PACC devem ser complementares a outros
processos de avaliação em vigor e à formação inicial dos professores, mas
assume um caráter decisivo de instrumento de exclusão do acesso à carreira a
todos os candidatos que não obtenham aprovação; e inconsistente, porque preambularmente
se propõe “avaliar conhecimentos e capacidades transversais e específicas”, mas
não esclarece “no articulado do decreto, nem em posteriores diplomas, as particularidades
da avaliação dos domínios específicos, no qual estão incluídas competências
pedagógicas e didáticas exclusivas de cada grupo de docência”.
A
comissão em causa rejeita, ainda, que a PACC possa ser integrada em “qualquer
projeto global de qualificação” da escola e de ensinos públicos e refere que
poderia ser realizada por qualquer profissional, de qualquer área, “com
formação superior ou até secundária”, o que não a torna apta para avaliar as
condições de acesso à docência.
Porém, o conselho diretivo – o núcleo
mais “independente” (?) da estrutura do IAVE-IP (Para quê a avaliação prévia da
parte da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública, se
ela não tem caráter vinculativo?) – não se limitou a demarcar-se, mas dirigiu
duras críticas ao mesmo conselho científico, sublinhando que o parecer daquele órgão
de consulta e apoio técnico-científico em matéria de avaliação – lê-se no
comunicado emitido sobre o caso – “versa sobre considerações primordialmente de
âmbito político” e “extravasa claramente as competências” do órgão que o
produziu, “de cariz exclusivamente técnico-científico”. Mais afirma que o
documento “não foi solicitado”, “constituindo uma iniciativa (…) sem
enquadramento estatutário” do conselho científico, cuja competência se centra
“na avaliação específica de provas de avaliação produzidas pelo IAVE-IP e não
na apreciação de diplomas legais que determinam a sua realização”.
Ora bem: se é certo que a ciência
não deve ser considerada definitiva, também é verdade que deve ser ela o
suporte em que se deve apoiar e de que se deve alimentar a opção política e administrativa.
É certo que um conselho científico não é o órgão de decisão numa empresa, instituto
ou serviço. Porém, será temerário virar as costas aos seus estudos, pareceres e
recomendações. Pior seria se isso acontecesse numa universidade!
Demais, o conselho não é um órgão
meramente consultivo, mas também de apoio técnico-científico. Queira o governo
construir uma autoestrada à revelia dos pareceres técnico-científicos de quem de
direito e competência!
Depois, não pode o conselho
diretivo, no seu furor executivo-autocrático, convencer-nos de que o conselho científico ultrapassou as suas
competências ou extrapolou os seus poderes por eventualmente ter feito
declarações de índole política, já que não é fácil delinear a fronteira entre o
que é científico e o que é político quando se trata de ciências não exatas e,
estando em causa o acesso à profissão por parte de um conjunto de cidadãos qualificados
para um considerável setor da atividade e um instrumento de avaliação em cima
de formação sistemática de um grupo de profissionais, é óbvio que o discurso
tem uma vertente verdadeiramente política. Também não se pode acusar o conselho
de sair da área da sua competência por ter produzido um parecer que não lhe
fora solicitado, dado que não é crível, muito menos plausível, que se crie um
órgão que não possa tomar iniciativas. Lembro-me de que, em tempos idos, estávamos
a discutir, para aprovar, um regimento de conselho de diretores de turma numa
escola. Como não encontrava qualquer item que enquadrasse qualquer iniciativa de
decisão autónoma e/ou de proposta a escalões superiores da administração,
levantei a questão e o assunto foi estudado, discutido e assumido. Mas o DL n.º
102/2013, de 25 de julho (o diploma que estabelece a orgânica do instituto e a
cujo conteúdo nos vimos a reportar), na alínea b) do seu art.º 16.º. consagra
como uma das competências, entre outras, “apresentar ao conselho diretivo
recomendações e sugestões no âmbito das atribuições do IAVE, IP”.
Por sua vez, o Ministério da
Educação e Ciência veio, em comunicado, frisar que a PACC “não é uma iniciativa
isolada, mas sim parte fundamental de um conjunto de medidas tomadas (...) para
melhorar progressivamente a qualidade da docência”, entre as quais, enumera, “a
obrigatoriedade de realização de exames de Português e de Matemática para admissão
aos cursos de licenciatura de Educação Básica e o reforço curricular das
condições de habilitação para a docência”, pretendendo-se “assim escolher os
melhores entre os melhores professores”.
Ora, se assim fosse e se só assim
fosse, uma PACC, com outras caraterísticas e a cargo de uma entidade
verdadeiramente independente do MEC e das instituições do ensino superior,
deveria ser colocada como corolário da formação inicial dos professores, ficando
a aproximação à carreira a cargo dos docentes mais antigos na própria escola
através de um período probatório ou instrumento similar. Assim, a PAAC serve
unicamente para excluir da carreira.
***
É claro que os sindicatos do
setor têm razão ao assumirem que o MEC tem de se repensar e reorganizar em relação
à formação e seleção dos professores, bem como ao lutarem pela eliminação da
prova, pelo menos, tal como ela está concebida e estruturada. Não pode o MEC
ficar-se na subestimação dos órgãos científicos que nomeia e continuar a entoar
o hino balofamente sonante da excelência. Porém, não posso deixar de apontar o
dedo a determinado tipo de comportamentos que publicamente alguns dos candidatos
à docência têm mostrado por ocasião da prestação da PACC. É sinal errado de
civismo que estão a projetar na sociedade e, lamentavelmente nalguns casos, de manifesta
incompetência de conteúdos e de postura.
Todos lucram em fazer jogo limpo
e exemplar.
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