É
o Papa quem o afirmou a propósito de São José no encontro com as famílias em
Manila no passado dia 16 de janeiro.
Na
sua preleção, Francisco começou por salientar que as Sagradas Escrituras
raramente se referem a São José. Porém, nalgumas das poucas vezes que dele
falam, é-nos apresentado a repousar, sendo-lhe revelada em sonhos a vontade
divina.
Tendo
em conta o texto do Evangelho de São Mateus (Mt 2,13-15.19-23) e o repouso de José, o
Papa, revela que também pretende repousar no Senhor com os seus destinatários, sobretudo
com as famílias, e que disso precisa, e apresenta uma oportuna reflexão sobre
“o dom da família”.
E
a primeira ideia que desenvolve é a da necessidade de a família sonhar e de se
sonhar em família. Mais: pretende incutir na vida e estilo de família a
capacidade de sonhar como ponto do exame de consciência diário, estribado na
convicção de que “não é possível uma família sem o sonho” e que, se numa família
“se perde a capacidade de sonhar, os filhos não crescem, o amor não cresce” e “a
vida debilita-se e apaga-se”. Dá como exemplo o facto de que toda a mãe e todo
o pai (dignos desse nome e condição, digo eu) “sonharam o seu filho durante
nove meses” e “sonharam como seria aquele filho”. De modo semelhante, é preciso
sonhar com o cônjuge, com os pais, com os avós e outros membros da família.
E
adianta que, na vida conjugal, muitas dificuldades “se resolvem, se
conservarmos um espaço para o sonho”, se nos detivermos a pensar no cônjuge e “sonharmos
com a bondade, com as coisas boas que tem”. Ora, sendo “muito importante
recuperar o amor através do sonho de cada dia”, é pertinente que os cônjuges
atendam o apelo papal: “Nunca deixeis de ser namorados!”.
O
texto evangélico acima referido surpreende-nos com a situação de José a
repousar (duas vezes com mensagem do anjo em discurso direto; e noutra, com o
conteúdo referido indiretamente). É no sonho ocorrido no repouso que se revela
a José a vontade divina e, a exemplo e sob a égide de São José, o mesmo pode
acontecer com cada pessoa que se dê ao repouso face aos numerosos deveres e
atividades do quotidiano, momento em que Deus fala – “na leitura que ouvimos,
nas nossas orações e testemunhos e no silêncio do nosso coração”.
***
O
conteúdo da mensagem angélica constante do aludido texto evangélico é: “Levanta-te, toma o menino e sua mãe,
foge para o Egito e fica lá até que eu te avise, pois, Herodes procurará o
menino para o matar (Mt 2,13); “levanta-te, toma o menino
e sua mãe e vai para a terra de Israel, porque morreram os que atentavam
contra a vida do menino (Mt 2,20)”; e, no último aviso, subentendem-se naturalmente as palavras [levanta-te, toma o menino e sua mãe], já que, advertido em
sonhos, José se retirou, com Maria e o menino, para a região da Galileia e
foram morar numa cidade chamada Nazaré (Mt 2,22-23).
Perante
isto, Francisco considera três aspetos no texto: repousar no Senhor; levantar-se
com Jesus e Maria; e ser
voz profética.
Quanto ao repouso, o Papa ensina que, além de necessário
para a saúde da mente e do corpo – “com frequência é muito difícil de conciliar
por causa das numerosas exigências que se gravam sobre nós” – é essencial
também para a saúde espiritual, “para podermos ouvir a voz de Deus e
compreender aquilo que nos pede. Como José, que “foi escolhido por Deus para
ser pai putativo de Jesus e marido de Maria”, também os cristãos são chamados “a
preparar uma casa para Jesus”, nos corações, nas famílias, nas paróquias e nas
comunidades. Mas, “para ouvir e aceitar a chamada de Deus, para construir uma
casa para Jesus”, é necessária a capacidade de “repousar no Senhor”. E a melhor
forma de repouso é a oração: “se não rezarmos, nunca conheceremos a coisa mais
importante de todas, a vontade de Deus a nosso respeito”. Demais, é certo que “durante
toda a nossa atividade, na multiplicidade das nossas ocupações, com a nossa
oração tudo conseguiremos” – assegura.
O
repouso na oração torna-se pertinente para a família, pois, na família “aprendemos
como rezar”. Mais: “nela chegamos a conhecer Deus, a crescer como homens e
mulheres de fé, a considerar-nos como membros da família mais ampla de Deus, a
Igreja”. É na família que “aprendemos a amar, a perdoar, a ser generosos e
disponíveis e não fechados e egoístas” e, mais ainda, “a ir além das nossas
próprias necessidades, para encontrar outras pessoas e partilhar as nossas
vidas com elas”.
Quanto
a levantar-se com Jesus e Maria,
evidencia-se a questão da consequência da oração. Não podendo nós mantermo-nos angelicamente
afastados do mundo e dos nossos deveres, é necessário despertar do nosso sono à
voz da palavra de Deus, como fez José e como recomenda o apóstolo Paulo (cf. Rm 13,11). “Devemos
levantar-nos e agir” – conclui o Papa – já que “a fé não nos tira do mundo, mas
insere-nos mais profundamente nele”, pelo que efetivamente nós “devemos
caminhar em profundidade no mundo, mas com a força da oração”, pois, “a cada um
de nós cabe um papel especial na preparação da vinda do Reino de Deus ao nosso
mundo”.
E
contra as colonizações ideológicas, políticas e económicas que destroem a
família (vêm de fora e não nascem do sonho em família), Francisco ensina que “tal
como o dom da Sagrada Família foi confiado a José, assim também o dom da
família e o seu lugar no plano de Deus estão confiados a nós”. Tal como “o Anjo
do Senhor revelou a José os perigos que ameaçavam Jesus e Maria, obrigando-os a
fugir para o Egito e, em seguida, estabelecer-se em Nazaré, assim, “no nosso
tempo, Deus chama-nos a reconhecer os perigos que ameaçam as nossas próprias
famílias e a protegê-las do mal”. E o Pontífice apela a que não se perca “a
liberdade da missão que Deus nos dá, a missão da família”, à semelhança dos nossos povos que, “num determinado
momento da sua história, chegaram à maturidade de dizer não a qualquer colonização política. Assim, como família teremos de
“ser muito sagazes, muito hábeis, muito fortes, para dizer não a qualquer tentativa de colonização ideológica da família”, confiando-nos
à intercessão de José, amigo do Anjo, para saber quando se pode dizer sim e obviamente quando se deve dizer não.
E
o Bispo de Roma, que alguns já consideram “desafinado”, passa ao levantamento
dos pesos que impendem sobre as famílias filipinas e ameaçam toda a sociedade:
as sequelas das catástrofes naturais, que atingem muitas famílias; a situação
económica, que provocou a fragmentação das famílias com a emigração e a busca
de emprego; os problemas financeiros que atormentam muitos lares domésticos; a
pobreza extrema em que vivem muitas pessoas; a queda de muitos nas malhas do
materialismo e de estilos de vida que abolem a vida familiar e as exigências mais
fundamentais da moral; e a ameaça à família pelos crescentes esforços de alguns
em redefinir a própria instituição do matrimónio mediante o relativismo, a
cultura do efémero, a falta de abertura à vida.
Curiosamente,
Francisco parece sentir a necessidade de reabilitar a figura de Paulo VI:
“Num período em que se
propunha o problema do crescimento demográfico, teve a coragem de defender a
abertura à vida na família. Ele conhecia as dificuldades que havia em cada
família; por isso, na sua Encíclica, era tão misericordioso com os casos particulares. E pediu aos confessores que fossem muito
misericordiosos e compreensivos com os casos particulares. Mas ele olhou
mais longe: olhou os povos da terra e viu esta ameaça da destruição da família
pela falta de filhos. Paulo VI era corajoso, era um bom pastor e avisou as suas
ovelhas a propósito dos lobos que chegavam”.
Também
o atual Pontífice, por sua vez, reconhece que o mundo tem necessidade de famílias
sãs e fortes para superar as ameaças colonizantes e que o futuro passa através
da família. Por isso, lança o apelo lancinante:
“Guardai as vossas famílias. Protegei as vossas famílias!
Vede nelas o maior tesouro da vossa nação, e alimentai-as sempre com a oração e
a graça dos sacramentos. (…) Levantai-vos com Jesus e Maria e disponde-vos a
percorrer a estrada que o Senhor traça para cada um de vós”.
Finalmente,
o terceiro ponto da reflexão com base no texto evangélico em referência recorda
o dever de os cristãos serem vozes
proféticas no meio das suas
comunidades. E o Papa faz consistir a profecia não só na Palavra, como na
postura de solicitude e desvelo. De São José – que dorme e, enquanto dorme,
cuida da Igreja (e ele pode fazê-lo) – não se conhecem palavras; apenas silêncio. Todavia, Ele é
o lídimo pai dos profetas, porque é o pai adotivo da coroa dos profetas, o
Messias, e, à escuta a Palavra, responde à vontade divina, realizando-a.
José
ouviu a voz do Anjo e respondeu ao apelo de Deus para cuidar de Jesus e Maria. Desempenhou
assim “o seu papel no plano de Deus e tornou-se uma bênção não só para a
Sagrada Família, mas também para toda a humanidade”. Juntamente com Maria,
“serviu de modelo para Jesus, que ia crescendo em sabedoria, idade e graça” (cf. Lc 2,52). A seu exemplo – explicita o Papa – “quando
as famílias permitem às crianças nascer para este nosso mundo, as educam na fé
e em sãos valores e as ensinam a dar a sua contribuição para a sociedade,
tornam-se uma bênção ao seu redor” e “podem tornar-se uma bênção para o mundo”,
pois, o amor de Deus torna-se presente e ativo pelo modo como amamos e pelas nossas
boas obras. Fazemos, com a nossa dedicação solícita e a palavra pertinente (não em demasia), “crescer o Reino de
Cristo neste mundo”, mostrando-nos “fiéis à missão profética que recebemos no
Batismo”.
E,
neste ano que os bispos filipinos consagram como Ano dos Pobres, Francisco pede
atenção das famílias à sua vocação a serem discípulos missionários de Jesus, o
que “significa estar prontos para ir além dos limites das vossas casas e cuidar
dos irmãos e irmãs mais necessitados”, sobretudo daqueles que não têm uma
família própria, particularmente os idosos e as crianças sem pais.
Também
àqueles que são “pobres em sentido material”, o Papa ensina que têm “uma
abundância de dons a distribuir” quando oferecem Cristo e a comunidade da sua
Igreja. Pelo que apela a que não se esconda a fé: “não escondais Jesus, mas
colocai-O no mundo e oferecei o testemunho da vossa vida familiar”.
***
O
profetismo missionário assenta no pressuposto de que, tal como Jesus dorme sob
a proteção de José como dormiu sob a proteção de Deus Pai durante a tempestade,
também José dorme velando pela Igreja. Assim, também a família deve repousar no
sonho da oração, cumprindo o dever de rezar pelas famílias e de levar os frutos
da oração para o mundo, “a fim de que todos possam conhecer Jesus Cristo e o
seu amor misericordioso”.
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