quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Escolas que atribuem classificações acima do que é esperado

Todos o dizem, mas apenas o Presidente do Conselho Nacional de Educação teve a ousadia de o denunciar publicamente. Porém, não se conhecem medidas de controlo da situação da parte do MEC. Agora, o Governo divulgou, no portal Infoescolas, dados da evolução das classificações em cada escola, eufemística e hipocritamente, sob o pretexto de elas virem a poder saber se estão a ser mais ou menos exigentes do que as outras. E assegura que a Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) analisará os casos em que se verificam os maiores desvios.
De acordo com os dados revelados pelo MEC – Ministério da Educação e Ciência (e o MEC só analisa resultados de alunos dos cursos científico-humanísticos), há 24 escolas, 14 das quais são privadas, onde os professores atribuem, todos os anos, classificações significativamente mais elevadas aos seus alunos do que seria expectável (avaliação interna). Não se trata apenas de uma classificação mais elevada que a obtida em exame (avaliação externa), mas de classificação maior do que aquela que foi obtida pelo resto dos alunos do país que tiveram o mesmo desempenho nos exames nacionais.
De acordo com uma nota técnica, o MEC interpreta benevolamente o facto afirmando que provavelmente cada uma destas escolas, sobretudo do Norte do país, “poderá estar a utilizar critérios de avaliação do desempenho escolar dos alunos menos exigentes do que os critérios utilizados na média das outras escolas”. São, em média, mais altas que as classificações internas atribuídas pelas outras escolas a alunos com resultados semelhantes nos exames e onde “a certeza estatística do desalinhamento para cima” está “entre as 10% mais fortes do país”, ou seja, no grupo dos 10% maiores desvios.
O mencionado portal InfoEscolas, lançado pelo MEC na terça-feira, dia 13, apresenta, para cada uma de 570 escolas, estatísticas referentes ao horizonte de 2009-2013. E, como é habitual com os rankings de escolas, também aqui o MEC não procede a seriações; deixa essa tarefa aos órgãos de Comunicação Social.
Assim, o Público, de 19 de janeiro, em texto jornalístico de Andreia Sanches, analisou a informação fornecida por escola para saber quantas estão nos “extremos” em pelo menos quatro dos cinco anos em análise: ou seja, sempre ou quase sempre muito “desalinhadas para cima” (24 escolas) ou muito desalinhadas “para baixo” (são 29, que “poderão estar” a utilizar critérios de avaliação do desempenho escolar dos seus alunos “mais exigentes do que os utilizados na média das outras escolas”). Registe-se também a ironia do jornal!
Porém, o MEC adianta que “é importante prestar atenção a todos os casos extremos”. E as escolas dispõem agora de um instrumento que lhes possibilite “refletir e eventualmente ajustar as suas práticas”, porque “uma escola isolada, por si só, não consegue saber com exatidão se está a ser mais exigente ou menos exigente do que a generalidade das outras escolas”.
Falta ao MEC promover formas de as escolas, no quadro da sua autonomia (tão cerceada pelo centralismo atávico do país), trabalharem em rede, também na definição de critérios gerais e específicos de avaliação e não ficarem estas peças importantes da avaliação das aprendizagens entregues à “capelinha” de cada um dos conselhos pedagógicos, que muitas vezes olham um pouco redutoramente para o seu estreito horizonte escolar. Ou seja, tal como os programas elaborados a nível nacional são adaptados e geridos a nível local, também deveriam ser definidos critérios de avaliação a nível nacional, podendo e devendo as escolas organizar-se em rede em diversas valências e também na gestão de programas e na aferição de critérios de avaliação, ficando para cada escola a incumbência de proceder a ajustamentos de acordo com a sua realidade específica.
Ainda assim, a IGEC está a analisar os dados – diz-se. “Nos casos de maior afastamento”, irá “utilizá-los em próximas intervenções inspetivas, com recomendações focadas no processo de avaliação interna dos alunos”.
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Perante estes dados e propósitos inspetivos, alguns diretores escolares mostram-se chocados e falam de transparência opaca. Ora, bem sabemos como muitos diretores, sobretudo em escolas privadas, pressionam os professores para a atribuição de classificações e como muitos se acomodam porque têm pela frente ou a não renovação de contratos ou, no caso das escolas públicas, a pressão a concorrer a DACL (destacamento por ausência de componente letiva) – um passo para o horário zero e dois para a requalificação (despedimento à vista).
Desconfiando de avaliações ‘alinhadas’ ou ‘desalinhadas’ (o Público dá conta de cinco níveis de alinhamento /desalinhamento das escolas), um diretor vai alegando que “é o MEC que aceita explicitamente o desalinhamento quando não concede à classificação interna final (CIF) e à classificação de exame (CE) o mesmo valor no acesso dos alunos ao ensino universitário”. A primeira pesa 70% (o Público escreveu 60%) para a classificação final do aluno, a segunda 30%. Outros argumentam que a exigência dos processos educativos e consequentemente a avaliação se aferem num conjunto de variáveis, que um exame em duas horas ou duas horas e meia não consegue abranger. Também alguns aduzem que os seus estabelecimentos privilegiam uma educação integral das crianças, adolescentes e jovens com um ensino/avaliação exigente nas disciplinas de exame, mas também nas disciplinas não sujeitas a exames, em projetos científicos em parceria com universidades portuguesas e europeias, na participação em olimpíadas (...) enfim, numa variedade de dinâmicas que contribuem para o não avaliado em exames desempenho/sucesso dos alunos ao longo da vida.
João Trigo, diretor do Colégio Nossa Senhora do Rosário, no Porto, diz que quando se levanta a possibilidade, como faz o MEC, de nestes casos haver “menor exigência” se faz passar “uma imagem negativa”. É certo – penso eu – mas possivelmente muitas das escolas vivem sob o signo da imagem positiva, que deve ser relativizada, porquanto há escolas, sobretudo as privadas, mas também algumas públicas (sobretudo em localidades onde há mais que uma escola do mesmo nível de ensino), que não aceitam todo o tipo de alunos. E, se uns se cingem servilmente à folha excel, outros fazem tábua rasa dos registos.
Parece-me, no entanto, que nenhuma destas razões legitima a inflação ilusória de classificações, por desonesta e enganadora: os resultados académicos devem, quanto possível, corresponder à realidade da consecução das aprendizagens (quer no processos quer no produto final).
Também o alegado paradoxo aduzido de que não é verdade que se usem critérios menos exigentes quando se fica sistematicamente no topo dos rankings (quatro anos letivos consecutivos as mencionadas 24 escolas), não se podendo afirmar que uma escola possa ser pouco exigente se os alunos são dos que se saem melhor nas provas nacionais.
Todos sabemos como alguns investem na expressa preparação para exame com base em cadernos e mais cadernos de exercícios similares aos dos exames, ficando muitos dos conteúdos programáticos na prateleira. Mas paradoxalmente não se entende o investimento do IAVE-IP em informações sobre exames e testes intermédios quando afinal as classificações de exame são geralmente muito baixas.
Acompanho a inteira razão de Gil Nata e Tiago Neves, do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Universidade do Porto, ao não se surpreenderem. Tendo, em vários trabalhos sobre o tema, alertado para o fenómeno, tecem encómios à “qualidade técnica das análises” do MEC e recordam uma conclusão a que já tinham chegado: inflações significativas nas classificações criam injustiças profundas no acesso ao ensino superior. Por outro lado, dizem preocupá-los, “enquanto investigadores e cidadãos”, que efetivamente “o Governo e restantes entidades competentes encontrem e apliquem mecanismos que corrijam tais injustiças”.
Acrescento que também se torna injusto e imoral que se aconselhem as escolas que atribuem classificações muito mais baixas que a média nacional no sentido de “reverem” (facilitarem?!) os critérios de avaliação. Para quê? Para fabricar resultados sem as correspondentes aprendizagens, esquecendo as dificuldades socioeconómicas, as frequentes situações de indisciplina e perturbações das aulas por parte de alguns alunos (prejudicando a liberdade de aprender), a sobrecarga dos professores com trabalho burocrático e a pressão dos pais sobre os resultados? Pelo contrário, as escolas que experimentam mais dificuldades deveriam ser mais apoiadas e não aconselhadas a aligeirar os critérios de avaliação; a dispor de mais horas para apoio e não a verem a sua redução como vem indicado nos despachos de organização do ano letivo.
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O Público assinala cinco níveis de alinhamento (1) e desalinhamento (4) das escolas: alinhadas, desalinhadas para cima (nível 2), desalinhadas para cima (nível 1), desalinhadas para baixo (nível 1) e desalinhadas para baixo (nível 2).
Há escolas que nos cinco anos em análise estiveram em diferentes situações – ora no grupo das que atribuem classificações mais acima do expectável, ora no das que atribuem classificações aquém. O MEC apenas considera significativo o desalinhamento “quando a certeza estatística associada é alta e quando persistem ao longo dos anos”. E assinala, em cada ano, em que grupo, dos cinco que se seguem, estava cada escola, sublinhando que não se trata de avaliar a diferença global entre as médias de classificação interna e as médias de exame, o que seria “simplista”. As comparações, segundo o MEC, devem ter em conta, entre outros critérios, o nível académico dos alunos da escola; o número de alunos de disciplinas a que fizeram exames; as médias e a dispersão, a nível nacional, das classificações nos exames, etc.”
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Em coerência com a posição que defendi acima, a súmula analítica a que se procede não tem em linha de conta a maior ou menor exigência colocada nos critérios de avaliação definidos nas diversas escolas, já que não é isso que está em causa, sendo que essa linha de análise só vem mascarar o problema.
Grupo das alinhadas 8 (o mais numeroso): As classificações internas estão, em média, alinhadas com as outras escolas do país a alunos com resultados semelhantes em exame. Há 445 escolas que, em pelo menos um ano dos 5, ficaram neste grupo; 89 destas estiveram alinhadas pelo menos 4 anos.
Grupo das desalinhadas para cima (nível 2): As suas classificações internas são, em média, mais altas que as das outras escolas do país a alunos com resultados semelhantes em exame. A certeza estatística do desalinhamento para cima das suas classificações internas está, segundo o MEC, “entre as 10% mais fortes do país”. 125 escolas estiveram neste caso em pelo menos um ano dos 5 em análise. E 24 destas estiveram neste caso em pelo menos 4 anos dos 5 analisados.
Grupo das desalinhadas para cima (nível 1): Também aqui as classificações internas são, em média, mais altas (mas menos desviadas do que no grupo anterior). A certeza estatística do desalinhamento para cima das suas classificações internas está, segundo o MEC, “entre as 30% e as 10% mais fortes do país”. 280 escolas estiveram neste caso em pelo menos um ano dos 5 em análise. E 24 destas estiveram neste caso em pelo menos 1 ano dos cinco em análise. E destas, 24 estiveram neste caso em 4 ou 5 anos.
Grupo das desalinhadas para baixo (nível 1): As classificações internas são, em média, mais baixas do que as das outras escolas a alunos com resultados semelhantes em exame. A certeza estatística do seu desalinhamento para baixo está, segundo o MEC, “entre as 30% e as 10% mais fortes do país”. 300 escolas estiveram neste caso em pelo menos um ano dos 5 em análise. E 25 destas estiveram neste caso em 4 ou 5 anos.
Grupo das desalinhadas para baixo (nível 2): As classificações internas são, em média, mais baixas, tal como no grupo anterior, mas o desvio é maior. A certeza estatística do seu desalinhamento para baixo está “entre as 10% mais fortes do país”. 130 escolas estiveram neste caso em pelo menos um ano dos 5 analisados. E 29 destas estiveram neste caso em 4 ou 5 anos.
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Não se percebe como é que os órgãos e instrumentos de controlo do MEC deixaram arrastar a situação desviante, a menos que se pretenda que a sociedade faça fé nos rankings, tornando-se insustentável a imagem da generalidade das escolas públicas e, por consequência, induzindo quem tem possibilidades a que procure o ensino privado. Não é crível, muito menos plausível, que os sucessivos programas de governo porfiem a aposta na qualificação dos portugueses e os governos em concreto venham a oferecer o espectro da sua desresponsabilização em matéria educativa: dão benefícios aos privados, vendem as escolas públicas e dinheiros aos municípios, toleram que 24 escolas se excedam duradouramente em inflação de notas e deixam que 29 continuem na mó de baixo e desapoiadas. Queremos MEC, para quê?!

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