quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

São José Vaz, mais um santo português

Sim, é efetivamente um santo do Sri Lanka (antigo Ceilão ou Taprobana), mas de origem portuguesa, porque nascido ainda no século XVII na Índia então portuguesa. É este o padre clandestino da vela, que o Papa Francisco canonizou no passado dia 14 de janeiro no contexto celebração da Eucaristia a que presidiu na Galle Face Green, em Colombo, capital do Sri Lanka juntamente com a cidade de Kotte. 
Trata-se de uma canonização “equipolente”, prevista no direito da Igreja há séculos, que Francisco explicou, a pedido do padre Frederico Lombardi, no encontro com os jornalistas durante o voo de Colombo pra Manila, a 15 de janeiro. Referiu que se utiliza quando um beato ou beata goza há muito tempo da “veneração do povo de Deus”, que indiscutivelmente lhe reconhece a santidade, não se fazendo então “o processo do milagre”. Depois, deu indicações específicas: Ângela de Foligno foi a primeira. Vieram, a seguir, pessoas que foram grandes evangelizadoras: Pedro Favre, evangelizador da Europa, podendo dizer-se que “morreu pela estrada, enquanto viajava evangelizando”, aos quarenta anos de idade; Francisco de Laval e Maria da Encarnação, “os evangelizadores do Canadá” e praticamente “os fundadores da Igreja no Canadá, ele como bispo e ela como religiosa, com todo o apostolado que lá fizeram”; “José de Anchieta, no Brasil, o fundador de São Paulo”; agora “José Vaz, evangelizador do Sri Lanka”; e, em setembro, Junípero Serra, nos Estados Unidos, “o evangelizador da sua parte oeste”. São figuras que fizeram uma vigorosa evangelização e estão em sintonia com a espiritualidade e a teologia da Evangelii Gaudium. 
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Os dados biográficos podem ler-se a partir da síntese biográfico-panegírica do novo santo, feita adrede à Rádio Vaticano por D. Eduardo Aldo Cerrato, Bispo de Ivrea, e da homilia papal da canonização. Esta canonização é uma grande alegria para Índia e Sri Lanka (e para Portugal, digo eu), e para o Oratório de S. Filipe de Néri, que vê inscrito no álbum dos santos um dos seus sacerdotes, de quem João Paulo II, há 20 anos, no ato sua beatificação, a 21 de janeiro, dizia:
“Em consideração a tudo aquilo que o Padre Vaz foi e fez, de como o fez e nas circunstâncias nas quais conseguiu desenvolver a grande obra de salvar uma Igreja em perigo, é justo saudá-lo como o maior missionário que a Ásia já teve”.

Os seus confrades tinham consciência da sua insigne grandeza, segundo um registo que remonta a janeiro de 1711, acerca do Padre Vaz, exposto à veneração dos fiéis na igreja de Kandy:
“Em 16 de janeiro morreu o venerável Padre Vaz, Vigário Geral desta missão e pai dos missionários. A dor e a desolação provocadas pela sua perda são muito grandes e não podem ser descritas, pois ele foi verdadeiramente, um sacerdote santo”.

José Vaz havia entrado clandestinamente (vestido como escravo e na condição de mendigo) no Ceilão, terra acossada pela perseguição dos Calvinistas holandeses contra os católicos, após a conquista da ilha. Os sacerdotes foram assassinados ou expulsos, as igrejas profanadas ou destruídas, os fiéis dispersos, aterrorizados pelas ameaças de morte. Todavia, à sua morte, a Igreja havia-se tornado florescente, com 70 000 fervorosos católicos, 15 igrejas, 400 capelas, 10 sacerdotes e inúmeros catequistas leigos, que cuidavam da formação do povo, utilizando os manuais deste padre compostos em línguas locais (tâmil e cingalês), o qual, pela santidade de vida e zelo apostólico, lançou raízes tão profundas como resistentes às sucessivas tempestades que assolaram o território.
Nascido na Índia, no vilarejo de Benaulim, território de Goa, a 21 de abril de 1651, numa família de Bramini Konkany, convertida ao cristianismo no século XVI, prosseguiu em Goa, após os estudos preparatórios, a formação humanística na universidade dos jesuítas, e a filosófica e teológica no Colégio dominicano de S. Tomás de Aquino. Ordenado sacerdote em 1676, começou o seu ministério na localidade de nascimento, mas foi logo convidado a pregar na Catedral e a dedicar-se ao serviço de confissões e direção espiritual. E, no ano seguinte, consagrou-se como “Servo de Maria”, através do documento designado por cartão de servidão.
Pelo ardor missionário que o possuíra, descobriu a realidade do Ceilão, sentindo o chamamento àquela terra. Porém, as autoridades diocesanas enviaram-no à Kanara, onde a Santa Sé erigira um Vicariato Apostólico, então marcado por um litígio de competências e jurisdições assaz perturbador da vida dos fiéis. Regressado a Goa em 1684, sentiu o forte desejo de entrar numa ordem religiosa. Tendo encontrado, no Monte Boa Vista, três sacerdotes indianos que tinham iniciado uma vida comum na Igreja de Santa Cruz dos Milagres, quis integrar essa comunidade. Escolhido para superior, foi o verdadeiro fundador da comunidade, a que deu o cariz espiritual e a forma jurídica da Congregação de S. Filipe de Néri, de que chegara a notícia de Portugal, onde o Oratório fundado pelo Venerável Bartolomeu de Quental era florescente.
Quando, no final de 1686, viu que a comunidade, rica de vocações e de bons frutos, já podia caminhar sem ele, sentiu chegado o momento de empreender um trabalho específico em prol dos católicos abandonados. Por isso, juntamente com o jovem João, que o seguiu até ao fim, após várias e extenuantes tentativas, conseguiu desembarcar na costa (em Jaffna) e entrar em Ceilão. Assim, a confirmação e o elogio da sua obra por Clemente XI, em 26 de novembro de 1706, já encontrou o Padre Vaz envolvido em novas lides apostólicas.
De terço no pescoço, o Padre Vaz começou a bater de porta em porta, pedindo esmola. Entre a indiferença dos budistas e dos hinduístas, topou alguém que nele observava com interesse aquele sinal de piedade católica. Começou com uma família e, ao sentir-se seguro da sua fidelidade, revelou a sua identidade. Assim se iniciou a evangelização da ilha, que continuou no vilarejo de Jaffna, por dois anos, no exercício secreto do ministério, com a celebração noturna da missa e a escuta dos que se lhe dirigiam para confissão e direção espiritual.
Entretanto, o florescimento da comunidade católica irritou as autoridades holandesas, pelo que houve bastantes mártires, mas Padre Vaz foi posto a salvo pelos próprios fiéis que o induziram a fugir para o interior da ilha, no pequeno, mas autónomo Estado de Kandy. O Rei, que o mandou prender, depois de informado por observadores sobre a sua fama de santidade, acabou por se tornar seu amigo e o padre teve a possibilidade de, percorrendo a pé o território, pregar e difundir a fé, estabelecendo a presença da Igreja em todos os lugares por onde passava.
O próprio rei confessou que a epidemia de varíola, surgida em 1697, teria destruído completamente a população, se a caridade e inteligência do Padre Vaz não houvesse providenciado a cura dos doentes e o ensino de normas de higiene.
Finalmente, na noite de 15 de janeiro de 1711, a comunidade oratoriana pedia-lhe uma última recordação. E o Padre recomendou: “Recordai que não se pode facilmente realizar no momento da morte o que se negligenciou fazer em toda a vida”. E, com a vela acesa nas mãos e o nome de Jesus nos lábios, encerrou a sua extenuante, mas frutífera peregrinação terrena.
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Na homilia da missa de canonização, o Papa, além de fornecer também alguns dados biográficos do novo santo, aplicou-lhe a profecia de Isaías: Todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus» (Is 52,10). Com efeito, Ele, como tantos outros missionários na História da Igreja, respondeu à ordem do Senhor ressuscitado para fazer discípulos de todas as nações (cf. Mt 28,19). Com as palavras e sobretudo com o exemplo, conduziu este povo à fé que nos concede “parte na herança com todos os santificados” (At 20,32). São José foi um sinal eloquente da bondade e do amor de Deus pelo povo do Sri Lanka; um estímulo de perseverança na rota do Evangelho a fim de crescermos em santidade e testemunharmos a mensagem evangélica de reconciliação; e um exemplo, mestre e guia seguro na saída eclesial “para as periferias, a fim de tornar Jesus Cristo conhecido e amado por toda a parte”. É ainda um exemplo de “sofrimento paciente por causa do Evangelho, de obediência aos superiores, de solícito cuidado pela Igreja” (cf. At 20,28). Também ele viveu “num período de transformações rápidas e profundas” (os católicos estavam em minoria, às vezes, dividida; os de fora manifestavam hostilidade e até perseguição). Não obstante, ele, constantemente unido ao Senhor na oração, foi capaz de se tornar para todos “um ícone vivo do amor misericordioso e reconciliador de Deus”.
Por outro lado, o amor indiviso a Deus abriu-o ao amor do próximo, gastando o seu ministério em prol dos necessitados, sem olhar quem fosse e onde estivesse, mostrando-nos a importância de a Igreja transcender as divisões religiosas no serviço da paz, sem distinção de raça, credo, tribo, condição social ou religião – serviço que proporciona através das suas escolas, hospitais, clínicas e muitas outras obras de caridade.
E Francisco aproveita o ensejo para reivindicar para a Igreja em minoria nada mais que “a liberdade para exercer a sua missão”, no pressuposto de que “a liberdade religiosa é um direito humano fundamental”. Por isso, explicita que “cada indivíduo deve ser livre de procurar, sozinho ou associado com outros, a verdade, livre de expressar abertamente as suas convicções religiosas, livre de intimidações e constrições externas”. E, retomando o arquétipo vital de José Vaz, assegura que a “autêntica adoração de Deus leva, não à discriminação, ao ódio e à violência, mas ao respeito pela sacralidade da vida, ao respeito pela dignidade e liberdade dos outros e a um solícito compromisso em prol do bem-estar de todos”.
Depois, São José Vaz oferece um eminente exemplo de zelo missionário. Ora ele, que partiu a fim de assistir e apoiar a comunidade católica, afinal, na sua caridade evangélica, veio para todos. Deixando a casa, a família e o conforto dos seus lugares, respondeu à chamada para, mais longe, onde quer que se encontrasse, falar de Cristo. E soube oferecer a verdade e a beleza evangélicas em contexto plurirreligioso, no respeito, dedicação, perseverança e humildade.
À semelhança do santo, este é hoje, segundo Bergoglio, o caminho dos seguidores de Jesus: ir mais longe com zelo e coragem, mas também com a sensibilidade de Vaz, o respeito pelos outros e a ânsia de partilhar com eles a palavra da graça (cf. Act 20,32) que tem o poder de os edificar. É a tarefa dos discípulos missionários – contribuir, com a fé, para a paz, a justiça e a reconciliação na sociedade – num país que, atingido por uma furiosa guerra interna que, entre 1983 e 2009, custou a vida a mais de 70 mil pessoas nas lutas entre as autoridades e os guerrilheiros tâmil, se encontra hoje à procura da reconciliação.
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Finalmente, importa referir o testemunho do Papa na audiência geral de 21 de janeiro na Praça de São Pedro:
“O momento culminante da minha jornada no Sri Lanka foi a canonização do grande missionário José Vaz. Este santo sacerdote administrava os Sacramentos, muitas vezes em segredo, aos fiéis, mas ajudava indistintamente todos os necessitados, de qualquer religião e condição social. O seu exemplo de santidade e amor ao próximo continua a inspirar a Igreja no Sri Lanka no seu apostolado de caridade e educação. Apresentei são José Vaz como modelo para todos os cristãos, chamados hoje a expor a verdade salvífica do Evangelho num contexto multirreligioso, com respeito para com os outros, com perseverança e com humildade.”
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Penso que e o encómio papal de 21 de janeiro constitui a melhor síntese de encómio pragmático do apóstolo do Sri Lanka ou santo da Goa cristã.

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