Sebastião
era um jovem celibatário conhecido pela sua alta posição social e militar, pelo
que integrava a corte imperial. Porém, apesar do ambiente pagão do Império
Romano e do trabalho deste oficial no topo do poder político, a sua vida
tornou-se em breve um insigne exemplo para a crescente comunidade cristã, que
estava prestes a tomar conta do Império, o qual, tendo estatuído o culto dos
diversos deuses, tornava imperativa a prestação de culto ao Divino Imperador –
o que os cristãos recusavam liminarmente.
Inúmeros
são os indivíduos do sexo masculino que, em terras de cristandade, ostentam
como nome próprio o de Sebastião, o que remete para a disseminação da devoção
popular e do culto público em toda a parte ocidental do Orbe. Além disso,
festejam-no como padroeiro ou, ao menos, como santo de grande nomeada capelas,
igrejas, bairros, paróquias, cidades e dioceses (em Portugal; é o padroeiro principal da diocese de Lamego; e, no
Brasil, preside como padroeiro à cidade e à diocese do Rio de Janeiro)
e outros equipamentos de utilização coletiva. Também o adotam como padroeiro e
protetor os soldados, os arquitetos e os atletas; e é geralmente invocado
contra os flagelos da peste, da fome e da guerra (andam presentemente bem
longe da sua devoção os que decretam a guerra e os seus conselheiros e
assessores).
Portugal
regista no seu catálogo de reis o nome do tão desastrado como esperançoso rei
Dom Sebastião a quem Luís de Camões dedicou a sua epopeia e a quem foi posto o
nome de Sebastião por ter nascido a 20 de janeiro, o da celebração da memória
litúrgica do santo mártir.
***
Sobre a biografia de São Sebastião os registos oficiais
são escassos. Todavia, tal escassez não obsta a que dele se possam ter muitas
informações que emanam da virtuosa e indissociável aliança entre a história e a
piedade popular e que permitem caraterizar a realidade, embora não com a
exatidão desejável, mas sobretudo (o que é o mais importante) no atinente ao
espírito que enforma a realidade com que um militar cristão, servindo no
exército de um dos mais sanguinários imperadores romanos, ajudou numerosas
pessoas a não esmorecerem na fé, confortando-as e levando-as a trilhar de
cabeça erguida a via do Paraíso. Ademais, ele próprio não deixou, no momento
oportuno, de explicitamente se declarar cristão, dando testemunho e servindo de
paradigma a numerosos outros discípulos de Jesus que enfrentavam as
perseguições da Era dos Mártires, como foi chamado o período de busca e morte dos
fiéis conforme ordenado pelo crudelíssimo imperador Diocleciano.
Sebastião veio à luz do dia numa região costeira da
província da Gália, mais propriamente na cidade que atualmente corresponde à de
Narbonne, em França. Porém, a sua família era natural de Milão, hoje uma grande
metrópole italiana, onde passou a viver com os pais a puerícia e a adolescência
(alguns
dão-lhe aqui a naturalidade). Nasceu no
contexto político e geográfico da hegemonia imperial de Roma, cujos cônsules e,
mais tarde, os imperadores consideravam seu todo o Mediterrâneo (assim
denominado por se situar no meio da terra então conhecida), a que chamavam Mare
Nostrum (nosso mar). Por
consequência, os Romanos dominavam política e militarmente todos os territórios
que confinassem com aquele mar considerado central.
É hoje ponto assente que o jovem de origem gaulesa (ou
milanesa, segundo alguns) não tinha uma imperativa vocação militar. No entanto,
enveredou pela carreira das armas, impelido pelo desejo de servir e animar os
irmãos na fé, que sofriam as perseguições.
Assim, Sebastião desempenhou corretamente e com aprumo
os seus deveres de oficial, mas sob as suas vestes de militar latejava o
coração de um verdadeiro discípulo de Cristo; e o seu desejo e o seu escopo
eram apoiar os perseguidos e ajudá-los a seguir, no meio dos diversos
obstáculos, o Divino Mestre, não só durante esta vida, mas também e sobretudo quando
se encontravam prestes a partir para o Além. Guardava em segredo a sua fé, como
era usual e comum entre os cristãos nas épocas de perseguição (seria tentar
a Deus exporem-se sem necessidade ao holocausto da vida). E, deste modo, podia ajudar os que dele precisavam,
mas não tinha qualquer temor de perder os seus bens terrenos ou a sua própria
vida.
Exemplo do seu denodado labor apostólico é a ação que
desenvolveu junto dos irmãos gémeos Marcos e Marceliano, que haviam sido
aprisionados em Roma e que Sebastião visitava diariamente. Depois de submetidos
à flagelação, apesar de serem membros de família de senadores, foram condenados
à morte por decapitação, tendo os seus familiares obtido do administrador
romano, chamado Cromácio, um prazo razoável para tentarem dissuadi-los da
religião cristã. Mantidos acorrentados na casa de Nicóstrato, o escriba da
prefeitura, foram submetidos a sucessivas tentativas de convencimento por parte
dos pais, das esposas e dos filhos ainda pequenos. No entanto, quando estavam
em risco de claudicar, Sebastião reanimava-os com uma eloquência tal que impressionou
todos os que o ouviram.
Em face do sucedido, Zoé, a esposa de Nicóstrato,
vendo em Sebastião um homem de Deus, lançou-se-lhe aos pés e por gestos indicou-lhe
a doença de que padecia – uma doença que lhe fizera perder a capacidade de
falar, a alalia. O jovem cristão traçou o sinal da cruz sobre a boca de Zoé e
rogou em voz alta a Nosso Senhor Jesus Cristo que a curasse. De imediato, ela
recuperou a dicção e pôs-se a louvar aquele homem, acrescentando que acreditava
em tudo o que ele acabara de dizer. Ante a cura da esposa, o próprio Nicóstrato
lançou-se aos pés do taumaturgo a quem pediu perdão por ter mantido os dois
cristãos aprisionados e acorrentados, soltando-os em seguida e confessando que
se sentiria feliz se viesse a ser aprisionado e morto em vez deles. Contudo, os
dois irmãos, libertados naquele momento, declararam recusar-se a abandonar a
luta para a ela expor outra pessoa e reafirmaram e reforçaram a fé cristã ao
verem a ação de Deus, que gorou todas as tentativas feitas para os levar ao
abandono da Igreja, conseguindo fazer ingressar nela também os donos da mansão
em que os gémeos estiveram aprisionados e acorrentados.
Nas subsequentes horas, outras pessoas também
abraçaram a fé cristã. Foi de 68 o número de pessoas convertidas e batizadas
por São Policarpo, ali chamado por Sebastião, entre as quais: Nicóstrato e sua
esposa Zoé; toda a família de Nicóstrato, incluindo o seu irmão Castor; o
carcereiro Cláudio com os dois filhos e a sua esposa Sinforosa; o pai dos gémeos,
chamado Tranquilino, com a sua esposa Márcia e seis amigos; as esposas dos
gémeos; e dezasseis outros encarcerados.
Ao ter conhecimento destes factos, Cromácio, o
prefeito de Roma, sentindo-se enganado, chamou o pai dos gémeos determinando
que todos oferecessem incenso aos deuses. Foi então que Tranquilino, confessando
clara e publicamente a sua fé de cristão, declarou que, por ela, fora curado de
uma enfermidade da qual o prefeito também padecia. Cromácio disponibilizou então
dinheiro para conseguir a cura da enfermidade, provocando em Tranquilino evidentes
risos, o qual lhe assegurou que para ser curado bastaria recorrer a Jesus Cristo.
Também, depois de percorrido um intenso e instrutivo
catecumenato, no qual foi explanada a superioridade da fé sobre a simples cura
das doenças, Cromácio e o filho tornaram-se cristãos, levando a que fossem
quebradas mais de duzentas estátuas de ídolos a quem eles vinham prestando
culto, bem como a que fossem destruídos os instrumentos da astrologia e de outras
práticas de adivinhação. E, com aquele pai e aquele filho, aderiram ao
cristianismo 1.400 pessoas, incluindo escravos a quem o prefeito deu a carta de
alforria, no pressuposto de que aqueles que passaram a ter Deus por pai não
mais podiam ser escravos de um homem, pois afinal eram todos irmãos.
Por seu turno, Diocleciano, tendo assumido cargo de
imperador, manteve Sebastião no seu posto e deu-lhe o cargo de capitão da
primeira companhia de guardas pretorianos em Roma, depositando nele inteira
confiança.
Foi então que Sebastião discerniu que era chegado o
momento de se declarar cristão, depois de ter trabalhado arduamente para que
muitos enveredassem pela rota do Paraíso. Inconformado com tão explícita
profissão de fé cristã, em tudo contrária ao culto dos deuses nacionais e do
próprio imperador, Diocleciano condenou-o à morte. Na sequência de tal
veredicto imperial, foi preso a um tronco de árvore e o seu corpo perfurado por
diversas flechas. Julgando-o morto, os que o supliciaram abandonaram-no.
Entretanto, uma piedosa viúva, Irene de seu nome, que pretendia sepultá-lo com
honras cristãs, tendo-o encontrado vivo, tratou dele para que se restabelecesse.
Não obstante, passado algum tempo, Sebastião foi-se
apresentar a Diocleciano, que ficou surpreendido ao vê-lo vivo. E teve a santa
ousadia de censurar o imperador pela injustiça com que perseguia os cristãos e
neles a pessoa de Cristo, pois os discípulos daquele indizível Mestre rezavam
pelo império e pelos seus exércitos e como recompensa recebiam o suplício como
se fossem inimigos do Estado.
Porém, o sanguinário imperador, contumaz em seus
erros, mandou que Sebastião fosse imediatamente levado a um local próximo, no monte
Palatino, onde foi martirizado até à morte efetiva pelo sistema de bordoadas. Teve
sepultura, por ação dos cristãos, na catacumba que atualmente é designada pelo
seu nome e sobre a qual se erigiu uma das 7 principais igrejas de Roma, a
Basílica de S. Sebastião, na Via Appia.
É celebrada a sua memória a 20 de janeiro.
***
Sabendo que em Milão ou não
haveria luta pela fé ou ela seria insignificante, partiu para Roma, onde
grassavam as perseguições mais severas contra os crentes em Cristo. Aí foi
martirizado (coroado de glória eterna). Desta maneira, ali aonde tinha
chegado como hóspede, encontrou a morada definitiva. É o resultado da obra dos
perseguidores.
Mas perseguidores – diz Santo
Ambrósio – não são apenas os que se veem. Os que se não veem são muito mais
numerosos. Por conseguinte, quantos há hoje que sofrem em cada dia que passa o
martírio (testemunham)
de forma violenta e ostensiva ou no segredo da discrição diária!
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