sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Aquisição de dívida pública pelo BCE. Que efeitos?

Finalmente, a decisão esperada foi tomada: o presidente do BCE (Banco Central Europeu) conseguiu levar à prática, pelo menos, parte do seu plano de salvação da economia europeia da deflação e animação dos mercados.
Mario Draghi fez aprovar um plano de compra de dívida pública no valor de 60 milhões de euros por mês desde o próximo dia 1 de março provavelmente até setembro do próximo ano, ficando sobre a mesa a hipótese de protelamento no tempo.
Trata-se de um plano (quantitative easing) que demorou, mas que chegou com força, segundo Sérgio Aníbal em artigo de política monetária no Público de hoje, dia 23 de janeiro. Por seu turno, um analista do banco norte-americano J.P. Morgan mostra o seu entusiasmo pela medida anunciada: “Esta é mesmo a bazuca de que temos estado à espera nos últimos anos”.
E as reações das entidades sensíveis às medidas de política monetária não se fizeram esperar. Logo que o BCE confirmou o anúncio, pelo seu presidente, da compra de dívida pública em larga escala, as bolsas subiram, as taxas de juro da dívida caíram e o euro voltou a perder valor face ao dólar.
Em Portugal, o PSI subiu 2,4%, com a taxa de juro a cair para 2,348%.
É que, apesar do fantasma da oposição alemã, Draghi, conseguiu formular e apresentar um programa mais robusto e ambicioso de estímulo à zona euro do que aquilo se esperava e cujos termos abrangem os pontos seguintes:
– O BCE, principalmente através dos bancos centrais dos Estados da zona euro, procederá, a partir do dia 1 de março, a compras de ativos do setor público e privado num montante total de 60 mil milhões de euros por mês (foram superadas as expectativas mais recentes dos mercados, que eram de 50 mil milhões de euros).
– A intenção é que as compras sejam feitas pelo menos até setembro de 2016, o que coloca o total da intervenção próximo de 1,14 biliões de euros para tentar estimular a economia da zona Euro (no atinente ao investimento, ao consumo e ao emprego).
– O programa de compras mensais continuará a ser aplicado (e foi esta uma da coisas que mais agradaram aos mercados) até que se alcance um ajustamento sustentado do rumo da inflação até ao nível desejado pelo BCE, ou seja, um valor abaixo, mas próximo, de 2%, no médio prazo.
– Irá ser reduzida em mais 0,1 pontos percentuais (o spread que era usado) a taxa de juro dos empréstimos de longo prazo que venham a ser concedidos pelo BCE aos bancos da zona Euro, levando a uma descida da taxa de juro do indexante, a Euribor – uma das consequências do quantitative easing.
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Sendo assim, a generalidade dos economistas é de opinião que o presidente da autoridade monetária resistiu àqueles que dentro do BCE continuam com medo de que a compra de dívida dê origem a uma inflação demasiado alta no futuro e forneça um sinal aos Estados mais dados à indisciplina orçamental de que chegou novamente a hora do despesismo.
Com efeito, a tomada de decisão do lançamento do programa não se tornou fácil. O próprio Mario Draghi sublinhou que todos os membros do conselho de governadores concordaram que este tipo de ação é legal e pode ser realizado pelo BCE, havendo aqui unanimidade de posições. Esta postura é importante porquanto contrasta com a existência, na Alemanha, de movimentos de cidadãos preparados para contestar nos tribunais a compra de dívida pública por parte do seu banco central.
Porém, a unanimidade termina exatamente naquele ponto, sendo que, segundo as palavras do presidente do BCE, a decisão de avançar já para a compra de dívida pública foi aceite por uma “larga maioria, tão larga que nem foi preciso fazer-se uma votação”. Esta declaração traduz a existência de votos contra. De acordo com a visão da generalidade dos analistas, entre os opositores, estarão, pelo menos, Jens Weidmann, presidente do banco central alemão, e Sabine Lautenschläger, alemã que integra o conselho executivo do BCE.
No entanto, vários são os indícios que mostram que Mario Draghi, mesmo apoiado na sua larga maioria, não impôs, à sua vontade e sem preocupações, aquilo que entende por mais adequado, sem considerar as preocupações dos líderes da maior economia da zona euro, a alemã.
O principal indício fica espelhado na forma como foi resolvida a questão da repartição dos riscos. Embora vigore, em geral, o princípio da proporcionalidade na partilha de risco – ou seja, na grande maioria das ações do BCE, o princípio é o de que todos partilham os ganhos e as perdas registadas, de acordo com o seu peso no capital – isso, nesta compra de dívida, não será assim. Se algum dos países da zona euro incorrer no incumprimento dos deveres para com a sua dívida, as perdas serão assumidas maioritariamente pelo respetivo banco central nacional. Verificar-se-á uma forte redução da proporcionalidade. Em termos práticos, de acordo com a posição do BCE, em 20% das compras, o risco será partilhado por todos os países, ao passo que, nos restantes 80%, o risco pertence ao banco central nacional que procedeu à respetiva compra. Contra o que dizem alguns economistas, Draghi entende que a transferência de grande parte do risco para os bancos centrais nacionais não retira eficácia ao programa e, por outro lado, reconhece que era preciso “mitigar as preocupações” de muitos países da zona euro sobre indesejáveis consequências orçamentais. É verdade este é o caso da Alemanha, mas não é este o único caso.
Segundo o presidente do BCE, chegou-se por consenso a esta solução de partilha de risco assim formulada, ou seja, não houve votos contra (os membros do conselho de governadores ou votaram a favor ou se abstiveram).
Um segundo indício da preocupação de Mario Draghi com a Alemanha é a forma categórica e reiterada com que assegurou que o seu plano de compra de dívidas não abre a porta a qualquer tipo de redução da exigência de consolidação orçamental na zona euro.
E o último indício reside na forma como é encarado ou contornado o problema grego em vésperas das suas eleições. Cautelarmente, é colocada uma cláusula de limitação das compras de dívida, já que estas serão feitas apenas em títulos que tenham pelo menos uma agência de rating a atribuir-lhe uma classificação acima do nível “lixo” – limitação que acarreta a desqualificação da Grécia, uma vez que os ratings gregos estão claramente no nível “lixo”.
Todavia, como Draghi esclareceu, resta ainda há uma hipótese: as compras de dívida grega poderão acontecer se o país voltar a ficar abrangido por um programa da troika, o que ficou suspenso com a demissão do Governo de Antonis Samaras. Sendo assim, se o executivo que sair das eleições de domingo conseguir chegar a acordo com a troika, será possível que as compras de dívida grega possam ocorrer a partir do próximo mês de julho.
Já no caso de Portugal, uma das agências de rating consideradas pelo BCE – a canadiana DBRS – atribui um rating acima do nível “lixo”, o que torna os títulos portugueses qualificáveis para as operações que integram o programa.
O controlo do programa será da responsabilidade do conselho de governadores, bem como a coordenação das compras – tudo de modo a salvaguardar a unicidade da política monetária.
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E como é que o programa estimulará a economia?
Através da compra de dívida pública aos bancos comerciais dos Estado da zona Euro, estes veem os seus fundos libertados para concessão de crédito às empresas e famílias, estimulando o investimento e o consumo, combatendo a deflação e criando emprego. Sem a obrigação de recomprar a dívida, os bancos ficarão mais libertos para empreender outro tipo de negócios, como vender créditos às empresas e alavancar fundos para o investimento. Mas, para isso, refere Mark Blyth, professor de economia, citado pelo DN, de hoje, 23 de janeiro, que é necessário que haja procura e menos austeridade.
O Banco de Portugal (BdP) deve absorver um mínimo de 21 mil milhões de euros em obrigações de dívida pública e mais dois mil milhões de dívida privada – quase um terço do empréstimo da troika.
Se, por hipótese, as empresas portuguesas não tivessem a possibilidade de adquirir mais financiamento junto da banca, mesmo assim, o país viria beneficiar do programa, porque, ao promover o investimento e o consumo nos outros países da zona Euro, o programa acabaria por levar ao aumento das nossas exportações.
Porém, segundo Pat McArdele, com os fundamentos que existem no mercado das OT (obrigações do tesouro), o BdP ainda irá fazer dinheiro com isso, visto que se dará uma descida ainda maior das taxas de juro, vindo a subir, ao mesmo tempo as OT que o BdP vier a deter. Por outro lado, a mais-valia potencial no balanço do BdP contribuirá para os seus lucros e até poderá vir a pagar mais dividendos ao Governo.
No geral as reações dos políticos e dos atores económicos são de saudação, com o apontamento de que a medida peca por tardia e com os seguintes avisos: que o dinheiro não seja reconvertido em aplicações financeiras ou em recapitalização de bancos; que se promova o alívio da austeridade sob pena de o programa não funcionar; e que se proceda à revisão dos objetivos do pacto de estabilidade e a um conjunto de flexibilização de regras.

É, no entanto, estranha a posição pública do Primeiro-Ministro, que agora vem dizer que nunca defendera soluções contrárias e que acomodaticiamente vem elogiar a medida e adesivar-se a ela. Mais vale tarde, desde que a adesivação surja com sinceridade e seja pró-ativa. É claro, estamos em período pré-eleitoral!

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