quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O 18.º aniversário do Ciberdúvidas

Bernardino Soares, antigo deputado à AR pelo PCP e agora Presidente da Câmara Municipal de Loures, selecionou o facto referenciado em epígrafe para seu minuto inicial no programa “Frente a Frente”, da SIC Notícias, de ontem, 14 de janeiro. E salientou a sua utilidade para todos aqueles que utilizam diariamente a palavra em termos de respeito e culto pela Língua Portuguesa e o seu suporte técnico-científico.
Com efeito não é fácil criar e manter um serviço de consulta que se paute pelo rigor, clareza e agilidade. Habitualmente ou somos rigorosos cientificamente, mas complicados; ou claros, mas superficiais.
Mas, afinal, o que é o Ciberdúvidas?
O “Ciberdúvidas da Língua Portuguesa”, que faz 18 anos hoje, está instalado num “sítio” na Internet e foi criado para “responder a dúvidas e discutir temas relacionados com a língua portuguesa”, configurando um espaço de debate e polémica.
Resultante de um projeto inovador e sem fins lucrativos e fundado pelos jornalistas José Mário Costa e João Carreira Bom (já falecido), define-se como “um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa”.
Trata-se de um consultório, de acesso gratuito, em que trabalha um corpo de colaboradores que, se segunda a sexta-feira, respondem a todas as dúvidas que lhes sejam apresentadas do ponto de vista da fonética, da ortografia, da etimologia, da sintaxe, da semântica e da pragmática, tendo sempre em conta as particularidades linguísticas regionais e nacionais que moldam, hoje, a sexta língua mais falada no mundo. É tudo isto que faz com que este portal se diferencie de outros de consulta da língua, que ou não têm uma abrangência tão alargada, ou se perfilam com um certo hermetismo em nome da tecnicidade e cientificidade ou, em alternativa, abordam as questões de forma um tanto aligeirada. 
Segundo o que refere o Público de hoje, José Mário Costa adiantou que sempre quiseram “trazer para a discussão textos, temas e palavras da atualidade”. Todavia, há dúvidas que sempre se repetem, como algumas concordâncias verbais, de que é exemplo recorrente o verbo haver (e mesmo erros morfológicos: “hadem” por “hão de” e “hades” por “hás de”).
Ora foi para cobrir todas as necessidades mais recorrentes de polémica e debate que o Ciberdúvidas se foi estruturando em vários “departamentos” (por comodidade, denomino assim os seus serviços): perguntar (com espaço para o consulente lançar uma questão, não sem antes verificar se ela já obteve alguma resposta); respostas (em duas secções: denúncia de erros frequentes; e correio); antologia (de textos de autores lusófonos sobre língua portuguesa, de diferentes épocas e períodos); atualidades (com a montra de livros e as notícias); diversidades (com textos que versam aspetos atinentes às variedades nacionais e regionais do português); e português na 1.ª pessoa (em que se abordam questões respeitantes ao novo acordo ortográfico; temas de controvérsia; temas concernentes ao ensino do português como língua materna e como língua estrangeira; a secção de lusofonia, atinente ao meios de comunicação e à política da língua; a da reflexão e investigação sobre o nosso idioma; e o pelourinho, como espaço de notação crítica de maus usos da língua nos órgãos de informação e noutros espaços de exposição pública).
O Ciberdúvidas preenche o vazio resultante da não existência de uma autoridade do português, à semelhança da existente, por exemplo, para o castelhano, com a finalidade de aconselhamento-guia dos utentes da língua, o que bem poderia fazer a Academia Portuguesa das Ciências através da sua secção de letras (se o quisesse fazer). Sobretudo os jornalistas bem precisavam de ser alertados para a enxurrada de novas palavras e expressões emprestadas à pressa sobretudo do inglês.
Entre os principais utilizadores do site contam-se: jornalistas, publicitários, informáticos, economistas, médicos, arquitetos, juristas, professores e alunos de vários níveis de ensino. Também já o consultei e fiz, em tempo, um pequeno reparo.
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Sobre a vida deste consultório da língua, José Mário Costa, coautor (com Maria Regina Rocha) do livro Cuidado com a Língua! (RTP) e cofundador do Ciberdúvidas, acentua no aniversário, o que acontece com “dificuldades” e “sobressaltos de percurso, relacionados com o financiamento de um projeto desta natureza”. O projeto já teve meia centena de colaboradores, ainda que não fossem mais de 20 os que respondiam regularmente. Os demais eram e são consultores a quem se recorria e recorre para pareceres. Atualmente, apenas cinco continuam a responder, mas pro bono, e contam com a colaboração do diretor executivo do projeto Carlos Rocha, professor destacado para o efeito pelo Ministério da Educação e Ciência.
O projeto contara com o patrocínio dos CTT (Correios de Portugal), até outubro de 2012, e da Fundação Vodafone Portugal, até outubro de 2013. Recebe ainda o apoio logístico da Universidade Lusófona, em cujas instalações sem Lisboa funciona, mais precisamente na Escola Superior de Educação Almeida Garrett, bem como do Ministério da Educação e Ciência, que destacou, além do diretor, a professora Ana Martins. Também, em 2012, A Secretaria de Estado da Cultura, titulada então por Francisco José Viegas, atribuiu a este consultório da língua um pequeno subsídio.
Os parcos apoios atuais são ainda o da Câmara Municipal de Lisboa, que cedeu um espaço para a biblioteca, e o esforço pecuniário auferido com base nos donativos decorrentes da campanha SOS Ciberdúvidas, iniciativa “dos consulentes mais dedicados”, que tiveram a ideia em razão da falta de apoios financeiros oficiais permanentes e consistentes.
Entretanto, uma parceria estabelecida com o ISCTE-IUL, neste novo ano de 2015, permitirá a melhoria substancial da consulta do portal, com um arquivo de mais de 40 mil conteúdos (que integram “opinião pura, fonética, acordo ortográfico, etc.), entre respostas e os textos mais diversificados sobre a língua portuguesa ao longo dos seus 18 anos de funcionamento.
Segundo José Mário Costa, “o Ciberdúvidas apoia-se nos dicionários mais vai sempre mais além”.
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Ao Ciberdúvidas está associado o projeto da Ciberescola da Língua Portuguesa, também de acesso gratuito e especialmente dirigido a alunos e professores do sistema educativo português dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário.
Atualmente, a Ciberescola já apoia 70 alunos, filhos de imigrantes, com dificuldades no domínio do português, envolvendo cinco agrupamentos de escolas em Lisboa, Porto e Algarve. Além da vertente de apoio casuístico, a Ciberescola ministra cursos de língua portuguesa, via Internet, para estrangeiros.
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O Público de hoje traz dois registos, que se transcrevem por curiosidade: o registo da primeira pergunta recebida pelo Ciberdúvidas; e o registo da mais recente.
Sobre a primeira, diz-se que foram várias numa só: “Glicemia ou glicémia?/ Acromegália ou acromegalia?/ Leucémia ou leucemia?/ (...).
Quanto à mais recente, o registo refere: “Qual o género gramatical do termo ‘relé’ [electroíman]”?
E o resumo da resposta: “(...) é um substantivo do género masculino. (...) As fontes consultadas também registam relé no género feminino, mas trata-se de uma variante de ralé, ‘gente considerada de baixa condição moral, cultural e social’ (...)”.

Ora, ao contrário do que usualmente acontece em Portugal – o que é bom, dura pouco tempo – espera-se que o Ciberdúvidas tenha longa vida.

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