No passado dia 15 de dezembro de
2014, a RTP1 transmitiu, a partir de Ponta Delgada, Açores, o Programa “Prós e
Contras”. Além de vários aspetos atinentes ao arquipélago e à autonomia
regional, destacou-se a relação entre “a identidade dos Açores” e “o Mar sem fim
em busca do futuro”. Sendo considerado como facto adquirido o alargamento da
Plataforma Continental Portuguesa (PCP), para mais 150 milhas além da
denominada Zona Económica Exclusiva (ZEE), vindo a totalizar as 350 milhas, o que
implica a disponibilização de um sem número de recursos marinhos, reclamava-se
para o arquipélago, naquele debate, uma nova centralidade atlântica (nove ilhas
num Oceano), ultrapassando de vez a tradicional situação periférica.
Efetivamente, o Governo de
Portugal apresentou tempestivamente, em 11 de maio de 2009, a proposta do
predito alargamento na Comissão de Limites da Plataforma Continental, da ONU, em consonância
com a Convenção das Nações Unidas sobre
o Direito do Mar, permite aos Estados o alargamento da sua ZEE das 200 milhas
para as 350 milhas.
Está, assim, o projeto a ser “gerido” pela “Estrutura de Missão para a Extensão da
Plataforma Continental” (EMEPC), conforme refere o tenente-coronel
piloto-aviador Brandão Ferreira no semanário O Diabo, de 16 do mesmo mês, e no seu blogue O Adamastor, a 11 de dezembro.
A este respeito, Brandão Ferreira opina:
“O projeto de alargamento da Plataforma
Continental Portuguesa, a ser decidido favoravelmente, pela ONU, constituiria o
ganho geopolítico mais significativo desde 1543, pico da expansão portuguesa
com a nossa chegada ao Japão. Daí para cá foi sempre a reduzir…”.
No entanto, adverte que a aprovação
deste projeto, que o militar considera como um dos poucos eminentemente
nacionais, não se pode entender sendo de “favas contadas”, devido à dificuldade
de o Poder Nacional vir a viabilizar a “ocupação” e controlo efetivo mínimo de área
tão vasta, dada a rarefação populacional, a falta de meios e a insuficiência de
vontade e coordenação políticas.
O mencionado tenente-coronel reconhece que
“o trabalho das autoridades portuguesas, onde a Armada pontuou largamente, na
fase inicial, ficou concentrado na EMEPC”; e que o seu sucesso se deve “à
competência e discrição com que têm decorrido os trabalhos”, discrição
conseguida graças à sua não capturação pelas “especulações jornalísticas” e por
“discussões inúteis no Parlamento”.
Tal não obsta a que não corramos o risco
de sermos confrontados com um caso semelhante ao do “Mapa Cor-de-Rosa”, não com
a Inglaterra, mas com a vizinha Espanha – dada a sua malha populacional imensamente
maior e o não esfacelamento das marinhas de guerra, pesqueira e comercial e
seus equipamentos, como sucedeu em Portugal. Quer dizer que bem poderemos estar
a “trabalhar para outros virem a colher os frutos da nossa legítima ambição,
mas que não está sustentada em capacidades reais”, segundo as palavras de
Brandão Ferreira.
Segundo este, trata-se de um
projeto essencialmente “geopolítico e geoestratégico”, que não se joga “a feijões, como sói dizer-se”, estranhando-se que, por um lado, a
EMEPC, que dependia do MDN (Ministério da Defesa Nacional), tenha passado
inexplicavelmente, “desde a tomada de posse do atual governo, para o Ministério
da Agricultura e Mar”, e, por outro, tenha sido “admitida na EMEPC uma cidadã
espanhola, de origem basca, bióloga marinha”.
Brandão Ferreira sustenta a sua
estranheza no facto de “a vizinha Espanha, que nunca escondeu o apetite em
interferir nas nossas águas e em tomar conta do nosso Mar, concorrer na
apetência de espaços contíguos”. Mais: marca-se de forma cerrada em todos os
“tabuleiros” em que nos movemos e faz-nos provocante vizinhança nas Selvagens,
conseguindo mesmo a infiltração de uma potencial Matahari “no núcleo duro da principal equipa que trata deste
assunto complexo e fundamental”.
Ironicamente, o referido oficial aviador
confessa que “era mais fácil o embaixador espanhol ter assento no Conselho de
Ministros” de Portugal; e interpela o Ministro da Defesa Nacional se “entende
que isto é uma situação normal”.
***
Normalmente os maus agoiros concretizam-se.
Assim, como refere o Jornal de Negócios,
de 19 de dezembro, dois dias antes, mais precisamente a 17, o Estado espanhol apresentou
junto da ONU (Organização
das Nações Unidas) a sua proposta de
alargamento da plataforma continental, segundo a qual reclama a soberania sobre
os recursos naturais, incluindo o subsolo, de uma área marítima do Atlântico, que inclui parte da zona exclusiva
das ilhas Selvagens, cuja soberania também é reclamada por Portugal. Trata-se de
uma área marítima, situada no Atlântico entre a ilha da Madeira e as
Canárias, de aproximadamente 300 mil quilómetros quadrados.
Segundo o jornal El País adianta, uma tal proposta entra
em rota de colisão com as pretensões de Portugal, que em 2009 solicitara à ONU um
alargamento da plataforma continental lusa, havendo assim um conflito de
interesses no concernente a cerca de 10 mil quilómetros quadrados situados a
sudoeste da ilha da Madeira.
O periódico espanhol, recordando que
o Presidente Cavaco Silva visitara as ilhas Selvagens (onde pernoitou e anilhou
uma cagarra) no verão de 2013, altura em que Portugal vivia uma crise
governativa, garante que Madrid não coloca em causa a soberania portuguesa
sobre as ditas ilhas.
Há, em todo o caso, que lembrar que,
no final daquele verão, se noticiava que a visita de Cavaco às Selvagens se
devia ao facto de Madrid ter declarado, na ONU, que não aceitaria que estas ilhas fossem incluídas na Zona Económica
Exclusiva (ZEE) portuguesa. Como argumento, a Espanha sustentara que
as Selvagens são rochedos e não ilhas, como defende Lisboa. Tal mudança de nomenclatura,
a mudar a índole dos acidentes geográficos, impediria Portugal de alargar a sua
ZEE, naquela região do Atlântico, das 200 para as 350 milhas.
Há, assim uma notória divergência
entre a pretensão portuguesa e a pretensão espanhola relativamente ao
alargamento das respetivas plataformas continentais, nos termos do Direito do
Mar.
De acordo com a citação feita pelo El País, Luis Somoza Losada, o
coordenador do projeto espanhol, sustenta que esta proposta representa a “maior
ampliação da soberania [espanhola] desde Cristóvão Colombo” (1492), e defende
que, embora admita a possibilidade de não ser viável a rentabilidade da sua
extração, “há gás naquela zona”, admitindo ainda a hipótese da existência de petróleo
ali.
Sendo assim, a resolução desta divergência
entre as pretensões dos dois países deverá mesmo passar por um acordo bilateral
que permita a divisão equivalente da plataforma continental reclamada, já que à
ONU cabe apenas a responsabilidade da definição do perímetro exterior do dito alargamento
das referidas ZEE.
***
Por seu turno, o DN, do susodito 19 de dezembro, também noticiava essa intervenção
espanhola junto da ONU, do último dia 17 de dezembro, referindo que a
proposta da equipa de Luis Somoza Lozada, coordenador da equipa de 13 pessoas que
tralharam no projeto, incluía a área das Ilhas Selvagens. E especificava que a
proposta do Governo espanhol entregue à ONU visa aumentar os limites da plataforma
continental espanhola a oeste das ilhas Canárias. O Estado espanhol reclama a
soberania dos recursos naturais (incluindo o subsolo) de uma área marítima
exata de 296.500 quilómetros quadrados no Atlântico. Parte desta área, uns 10
mil km quadrados a sudoeste da Madeira, também é reivindicada por
Portugal. Parte dela, as ilhas selvagens, já faz parte do território
português, mas o novo plano espanhol abre uma nova disputa de posse e soberania,
na zona marítima situada a oeste da Madeira.
***
Será que os dois Estados se
entenderão na resolução das divergências e na contenção das pretensões de cada
um ou, mais uma vez Portugal contemplará como inevitável a tirada hegemónica do
país vizinho? Irão as selvagens resolver o problema com a dupla nacionalidade
como fazem os oliventinos?
Depois, não se percebe como a Espanha
não põe em causa a soberania de Portugal sobre as Selvagens, se inclui o seu
território na sua proposta de alargamento da sua Plataforma Continental, como não
se compreende como o facto de as Selvagens serem rochedos ou serem ilhas
interfere com o direito de soberania. Enfim, responda quem sabe!
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