sábado, 3 de janeiro de 2015

Alargamento da Plataforma Continental Portuguesa

No passado dia 15 de dezembro de 2014, a RTP1 transmitiu, a partir de Ponta Delgada, Açores, o Programa “Prós e Contras”. Além de vários aspetos atinentes ao arquipélago e à autonomia regional, destacou-se a relação entre “a identidade dos Açores” e “o Mar sem fim em busca do futuro”. Sendo considerado como facto adquirido o alargamento da Plataforma Continental Portuguesa (PCP), para mais 150 milhas além da denominada Zona Económica Exclusiva (ZEE), vindo a totalizar as 350 milhas, o que implica a disponibilização de um sem número de recursos marinhos, reclamava-se para o arquipélago, naquele debate, uma nova centralidade atlântica (nove ilhas num Oceano), ultrapassando de vez a tradicional situação periférica.
Efetivamente, o Governo de Portugal apresentou tempestivamente, em 11 de maio de 2009, a proposta do predito alargamento na Comissão de Limites da Plataforma Continental, da ONU, em consonância com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, permite aos Estados o alargamento da sua ZEE das 200 milhas para as 350 milhas.
Está, assim, o projeto a ser “gerido” pela “Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental” (EMEPC), conforme refere o tenente-coronel piloto-aviador Brandão Ferreira no semanário O Diabo, de 16 do mesmo mês, e no seu blogue O Adamastor, a 11 de dezembro.
A este respeito, Brandão Ferreira opina:
“O projeto de alargamento da Plataforma Continental Portuguesa, a ser decidido favoravelmente, pela ONU, constituiria o ganho geopolítico mais significativo desde 1543, pico da expansão portuguesa com a nossa chegada ao Japão. Daí para cá foi sempre a reduzir…”.
No entanto, adverte que a aprovação deste projeto, que o militar considera como um dos poucos eminentemente nacionais, não se pode entender sendo de “favas contadas”, devido à dificuldade de o Poder Nacional vir a viabilizar a “ocupação” e controlo efetivo mínimo de área tão vasta, dada a rarefação populacional, a falta de meios e a insuficiência de vontade e coordenação políticas.
O mencionado tenente-coronel reconhece que “o trabalho das autoridades portuguesas, onde a Armada pontuou largamente, na fase inicial, ficou concentrado na EMEPC”; e que o seu sucesso se deve “à competência e discrição com que têm decorrido os trabalhos”, discrição conseguida graças à sua não capturação pelas “especulações jornalísticas” e por “discussões inúteis no Parlamento”.
Tal não obsta a que não corramos o risco de sermos confrontados com um caso semelhante ao do “Mapa Cor-de-Rosa”, não com a Inglaterra, mas com a vizinha Espanha – dada a sua malha populacional imensamente maior e o não esfacelamento das marinhas de guerra, pesqueira e comercial e seus equipamentos, como sucedeu em Portugal. Quer dizer que bem poderemos estar a “trabalhar para outros virem a colher os frutos da nossa legítima ambição, mas que não está sustentada em capacidades reais”, segundo as palavras de Brandão Ferreira.
Segundo este, trata-se de um projeto essencialmente “geopolítico e geoestratégico”, que não se joga “a feijões, como sói dizer-se”, estranhando-se que, por um lado, a EMEPC, que dependia do MDN (Ministério da Defesa Nacional), tenha passado inexplicavelmente, “desde a tomada de posse do atual governo, para o Ministério da Agricultura e Mar”, e, por outro, tenha sido “admitida na EMEPC uma cidadã espanhola, de origem basca, bióloga marinha”.
Brandão Ferreira sustenta a sua estranheza no facto de “a vizinha Espanha, que nunca escondeu o apetite em interferir nas nossas águas e em tomar conta do nosso Mar, concorrer na apetência de espaços contíguos”. Mais: marca-se de forma cerrada em todos os “tabuleiros” em que nos movemos e faz-nos provocante vizinhança nas Selvagens, conseguindo mesmo a infiltração de uma potencial Matahari “no núcleo duro da principal equipa que trata deste assunto complexo e fundamental”.
Ironicamente, o referido oficial aviador confessa que “era mais fácil o embaixador espanhol ter assento no Conselho de Ministros” de Portugal; e interpela o Ministro da Defesa Nacional se “entende que isto é uma situação normal”.
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Normalmente os maus agoiros concretizam-se. Assim, como refere o Jornal de Negócios, de 19 de dezembro, dois dias antes, mais precisamente a 17, o Estado espanhol apresentou junto da ONU (Organização das Nações Unidas) a sua proposta de alargamento da plataforma continental, segundo a qual reclama a soberania sobre os recursos naturais, incluindo o subsolo, de uma área marítima do Atlântico, que inclui parte da zona exclusiva das ilhas Selvagens, cuja soberania também é reclamada por Portugal. Trata-se de uma área marítima, situada no Atlântico entre a ilha da Madeira e as Canárias, de aproximadamente 300 mil quilómetros quadrados.
Segundo o jornal El País adianta, uma tal proposta entra em rota de colisão com as pretensões de Portugal, que em 2009 solicitara à ONU um alargamento da plataforma continental lusa, havendo assim um conflito de interesses no concernente a cerca de 10 mil quilómetros quadrados situados a sudoeste da ilha da Madeira.
O periódico espanhol, recordando que o Presidente Cavaco Silva visitara as ilhas Selvagens (onde pernoitou e anilhou uma cagarra) no verão de 2013, altura em que Portugal vivia uma crise governativa, garante que Madrid não coloca em causa a soberania portuguesa sobre as ditas ilhas.
Há, em todo o caso, que lembrar que, no final daquele verão, se noticiava que a visita de Cavaco às Selvagens se devia ao facto de Madrid ter declarado, na ONU, que não aceitaria que estas ilhas fossem incluídas na Zona Económica Exclusiva (ZEE) portuguesa. Como argumento, a Espanha sustentara que as Selvagens são rochedos e não ilhas, como defende Lisboa. Tal mudança de nomenclatura, a mudar a índole dos acidentes geográficos, impediria Portugal de alargar a sua ZEE, naquela região do Atlântico, das 200 para as 350 milhas.
Há, assim uma notória divergência entre a pretensão portuguesa e a pretensão espanhola relativamente ao alargamento das respetivas plataformas continentais, nos termos do Direito do Mar.
De acordo com a citação feita pelo El País, Luis Somoza Losada, o coordenador do projeto espanhol, sustenta que esta proposta representa a “maior ampliação da soberania [espanhola] desde Cristóvão Colombo” (1492), e defende que, embora admita a possibilidade de não ser viável a rentabilidade da sua extração, “há gás naquela zona”, admitindo ainda a hipótese da existência de petróleo ali.
Sendo assim, a resolução desta divergência entre as pretensões dos dois países deverá mesmo passar por um acordo bilateral que permita a divisão equivalente da plataforma continental reclamada, já que à ONU cabe apenas a responsabilidade da definição do perímetro exterior do dito alargamento das referidas ZEE.
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Por seu turno, o DN, do susodito 19 de dezembro, também noticiava essa intervenção espanhola junto da ONU, do último dia 17 de dezembro, referindo que  a proposta da equipa de Luis Somoza Lozada, coordenador da equipa de 13 pessoas que tralharam no projeto, incluía a área das Ilhas Selvagens. E especificava que a proposta do Governo espanhol entregue à ONU visa aumentar os limites da plataforma continental espanhola a oeste das ilhas Canárias. O Estado espanhol reclama a soberania dos recursos naturais (incluindo o subsolo) de uma área marítima exata de 296.500 quilómetros quadrados no Atlântico. Parte desta área, uns 10 mil km quadrados a sudoeste da Madeira, também é reivindicada por Portugal. Parte dela, as ilhas selvagens, já faz parte do território português, mas o novo plano espanhol abre uma nova disputa de posse e soberania, na zona marítima situada a oeste da Madeira.
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Será que os dois Estados se entenderão na resolução das divergências e na contenção das pretensões de cada um ou, mais uma vez Portugal contemplará como inevitável a tirada hegemónica do país vizinho? Irão as selvagens resolver o problema com a dupla nacionalidade como fazem os oliventinos?

Depois, não se percebe como a Espanha não põe em causa a soberania de Portugal sobre as Selvagens, se inclui o seu território na sua proposta de alargamento da sua Plataforma Continental, como não se compreende como o facto de as Selvagens serem rochedos ou serem ilhas interfere com o direito de soberania. Enfim, responda quem sabe!

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