Na sequência da “Operação
Labirinto”, em que foram constituídos arguidos altos quadros da Administração
Pública, designadamente nas áreas da Administração Interna (MAI), da
Administração da Justiça (MJ) e dos Serviços de informação e Segurança (SIS), a
novel ministra Anabela Rodrigues solicitou adrede um inquérito à Inspeção Geral
da Administração Interna (IGAI).
Ao contrário do que declarou o
Vice-primeiro-ministro, que a posteriori
veio a atravessar-se pela bondade da lei sobre a matéria em causa, a lei e os
procedimentos que pautaram a sua aplicação, longe de serem exemplares
(necessitando apenas de algum ajustamento), precisam mesmo de novo
enquadramento.
Com efeito, deve dizer-se,
segundo as edições on line de alguns
periódicos e de alguns serviços noticiosos de TV, com base no que refere o
portal do governo, a auditoria a que a IGAI procedeu já produziu conclusões. Embora
sejam pertinentes e defendam alterações legislativas substanciais e mudanças na
tramitação, não configuram contestação à filosofia em que assenta a lei e a
tramitação dos processos – o que, a meu ver, deveria ter acontecido.
Em síntese, a auditoria sugere
como pertinentes a mudança da lei e a elaboração de um manual de procedimentos
“claro e transparente” para a tramitação dos processos atinentes aos vistos Gold, ou seja, processos de Autorização de Residência para Atividade
de Investimento (ARI), Reagrupamento Familiar (RF) e subsequentes renovações.
Quanto a mais recomendações em
concreto, o respetivo relatório perspetiva, além das alterações legislativas, a criação de um conselho consultivo que
integre personalidades “de reconhecido mérito nas áreas jurídica, financeira,
contribuição e impostos e policial”.
A IGAI recomendou ao Governo alterações
legislativas aos vistos Gold e a
elaboração de um manual de procedimentos “claro e transparente” para a
tramitação destes processos de ARI), RF e as côngruas e subsequentes
renovações.
Também o relatório apresenta a
recomendação de que se estabeleça um plano nacional de formação para inspetores
e funcionários que intervêm no processo dos vistos Gold, bem como a recomendação de que se proceda a uma auditoria técnica
aos sistemas informáticos a operar no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
(SEF) e nos outros serviços onde são tramitados estes processos.
A isto a Ministra da Administração Interna
Anabela Rodrigues – que já tinha admitido que iam ser tidas em conta as
conclusões do inquérito da IGAI sobre a atribuição dos vistos Gold pelo SEF prestou as seguintes
declarações:
“O Governo já admitiu a utilidade de introduzir alguns ajustamentos no
regime legal [dos vistos Gold],
naturalmente as conclusões do relatório apresentado pela IGAI serão
consideradas uma vez que o processo de ajustamento legislativo e os resultados
extraídos da apresentação destas conclusões não são totalmente indissociáveis”.
E ainda:
“Eu recebi o relatório, estou a analisá-lo e, antes de terminar essa
análise, não vou fazer mais comentários”.
O
Estas são declarações da ministra, que
presidiu à cerimónia de tomada de posse do novo diretor nacional do SEF, o juiz
desembargador António Carlos de Beça Pereira, sucessor de Manuel Jarmela Palos,
que apresentou o pedido de demissão depois de ter sido detido e constituído
arguido no âmbito do caso dos vistos Gold.
***
Recordando sinteticamente o sucedido, é de
salientar:
Em 2012, foi criado por lei o programa de
atribuição de vistos dourados (conhecidos pela denominação de vistos Gold), que prevê a emissão de
autorizações de residência para estrangeiros (e de reagrupamento familiar),
oriundos de fora do espaço Schengen, com a contrapartida de investimentos em
Portugal superiores a 500 mil euros por um período mínimo de cinco anos, ou em
alternativa, a constituição de empresa que absorva no mínimo dez postos de
trabalho.
Em virtude de haverem surgido suspeitas de
abuso na tramitação dos procedimentos atinentes à matéria, a 13 de novembro do
ano transato, foram detidos o diretor do SEF Jarmela Palos, atualmente em prisão
domiciliária, o presidente do Instituto dos Registos e Notariado, António
Figueiredo, em prisão preventiva, e a secretária-geral do Ministério da
Justiça, Maria Antónia Anes, também em prisão domiciliária, com pulseira
eletrónica. Foram também interrogadas no TCIC mais oito pessoas sobre as quais
recaiu a constituição de arguido e que se encontram abrangidas pela medida de
coação denominada de termo de identidade e residência (TIR).
A condição de arguido em que se encontram
todas estas personalidades tem por base a suspeita de corrupção, branqueamento
de capitais, tráfico de influências e peculato.
Por ter ficado convencido de que a sua
autoridade ficara diminuída pelo envolvimento nas investigações da parte de
pessoas que lhe são próximas, Miguel Macedo demitiu-se do cargo de Ministro da
Administração Interna na sequência deste caso.
Entretanto, o cargo de Ministro da
Administração Interna, deixado vago pela aceitação do pedido de demissão de Miguel
Macedo, foi preenchido pela professora doutora Anabela Rodrigues, catedrática na
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Faculdade de que era diretora.
Mal tomou posse, a nova Ministra solicitou
um inquérito à IGAI para apuramento de factos e responsabilidades no âmbito dos
serviços atinentes à pasta que sobraça.
E a IGAI, após a referida auditoria,
elaborou relatório ora entregue à Ministra, que declarou estar a analisá-lo e
prometeu acatar as recomendações deles constantes.
Por seu turno, o portal do governo já
tornou públicas as conclusões.
Além do que vem dito, há que ter em conta
que, no âmbito da auditoria, a IGAI detetou no SEF, para a tramitação dos processos,
um “controlo interno, muito incipiente e fraco”, e que há “inclusive áreas em
que é ineficaz”.
Por
isso, a IGAI, presidida por Margarida Blasco, propõe à Ministra o estabelecimento
de “formas de controlo interno” da tramitação dos vistos, “quer por segregação
de funções, fazendo intervir diferentes níveis hierárquicos na instrução na
decisão, quer através da previsão de avaliações sistemáticas do processo”.
Por
outro lado, aquela estrutura inspetiva recomenda que o processo de atribuição
dos vistos Gold seja classificado
como confidencial, permitindo, contudo, que o acesso seja autorizado aos
magistrados do Departamento Central de Ação Penal (DCIAP) ou judiciais que
intervenham no processo-crime.
Este
organismo do MAI verificou, mediante a leitura das atas das reuniões do Grupo
de Acompanhamento do processo de atribuição dos vistos Gold, que dele eram emanados diretivas que “excedem o objetivo para
que foi criado, pronunciando-se sobre questões que se encontram claramente fora
do seu âmbito de atuação”.
***
Sobre esta problemática não vejo qual a
vantagem de termos um manual de procedimentos “claro e transparente”, como
preconiza a IGAI, se os processos de atribuição dos vistos Gold
for efetivamente
classificado como confidencial (não é somente o Governo que entra em contradição
interna). Demais, veremos se e em que medida as recomendações da IGAI vão ser
integradas na alteração legislativa e na panóplia dos procedimentos de
tramitação, bem como a constituição do aludido conselho geral.
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