segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Afinal, os vistos Gold não são inocentes

Na sequência da “Operação Labirinto”, em que foram constituídos arguidos altos quadros da Administração Pública, designadamente nas áreas da Administração Interna (MAI), da Administração da Justiça (MJ) e dos Serviços de informação e Segurança (SIS), a novel ministra Anabela Rodrigues solicitou adrede um inquérito à Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI).
Ao contrário do que declarou o Vice-primeiro-ministro, que a posteriori veio a atravessar-se pela bondade da lei sobre a matéria em causa, a lei e os procedimentos que pautaram a sua aplicação, longe de serem exemplares (necessitando apenas de algum ajustamento), precisam mesmo de novo enquadramento.
Com efeito, deve dizer-se, segundo as edições on line de alguns periódicos e de alguns serviços noticiosos de TV, com base no que refere o portal do governo, a auditoria a que a IGAI procedeu já produziu conclusões. Embora sejam pertinentes e defendam alterações legislativas substanciais e mudanças na tramitação, não configuram contestação à filosofia em que assenta a lei e a tramitação dos processos – o que, a meu ver, deveria ter acontecido.
Em síntese, a auditoria sugere como pertinentes a mudança da lei e a elaboração de um manual de procedimentos “claro e transparente” para a tramitação dos processos atinentes aos vistos Gold, ou seja, processos de Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI), Reagrupamento Familiar (RF) e subsequentes renovações.
Quanto a mais recomendações em concreto, o respetivo relatório perspetiva, além das alterações legislativas, a criação de um conselho consultivo que integre personalidades “de reconhecido mérito nas áreas jurídica, financeira, contribuição e impostos e policial”.
A IGAI recomendou ao Governo alterações legislativas aos vistos Gold e a elaboração de um manual de procedimentos “claro e transparente” para a tramitação destes processos de ARI), RF e as côngruas e subsequentes renovações.
Também o relatório apresenta a recomendação de que se estabeleça um plano nacional de formação para inspetores e funcionários que intervêm no processo dos vistos Gold, bem como a recomendação de que se proceda a uma auditoria técnica aos sistemas informáticos a operar no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e nos outros serviços onde são tramitados estes processos.  
A isto a Ministra da Administração Interna Anabela Rodrigues – que já tinha admitido que iam ser tidas em conta as conclusões do inquérito da IGAI sobre a atribuição dos vistos Gold pelo SEF prestou as seguintes declarações:
“O Governo já admitiu a utilidade de introduzir alguns ajustamentos no regime legal [dos vistos Gold], naturalmente as conclusões do relatório apresentado pela IGAI serão consideradas uma vez que o processo de ajustamento legislativo e os resultados extraídos da apresentação destas conclusões não são totalmente indissociáveis”.
E ainda:
“Eu recebi o relatório, estou a analisá-lo e, antes de terminar essa análise, não vou fazer mais comentários”.
O
Estas são declarações da ministra, que presidiu à cerimónia de tomada de posse do novo diretor nacional do SEF, o juiz desembargador António Carlos de Beça Pereira, sucessor de Manuel Jarmela Palos, que apresentou o pedido de demissão depois de ter sido detido e constituído arguido no âmbito do caso dos vistos Gold.
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Recordando sinteticamente o sucedido, é de salientar:
Em 2012, foi criado por lei o programa de atribuição de vistos dourados (conhecidos pela denominação de vistos Gold), que prevê a emissão de autorizações de residência para estrangeiros (e de reagrupamento familiar), oriundos de fora do espaço Schengen, com a contrapartida de investimentos em Portugal superiores a 500 mil euros por um período mínimo de cinco anos, ou em alternativa, a constituição de empresa que absorva no mínimo dez postos de trabalho.
Em virtude de haverem surgido suspeitas de abuso na tramitação dos procedimentos atinentes à matéria, a 13 de novembro do ano transato, foram detidos o diretor do SEF Jarmela Palos, atualmente em prisão domiciliária, o presidente do Instituto dos Registos e Notariado, António Figueiredo, em prisão preventiva, e a secretária-geral do Ministério da Justiça, Maria Antónia Anes, também em prisão domiciliária, com pulseira eletrónica. Foram também interrogadas no TCIC mais oito pessoas sobre as quais recaiu a constituição de arguido e que se encontram abrangidas pela medida de coação denominada de termo de identidade e residência (TIR).
A condição de arguido em que se encontram todas estas personalidades tem por base a suspeita de corrupção, branqueamento de capitais, tráfico de influências e peculato.
Por ter ficado convencido de que a sua autoridade ficara diminuída pelo envolvimento nas investigações da parte de pessoas que lhe são próximas, Miguel Macedo demitiu-se do cargo de Ministro da Administração Interna na sequência deste caso.
Entretanto, o cargo de Ministro da Administração Interna, deixado vago pela aceitação do pedido de demissão de Miguel Macedo, foi preenchido pela professora doutora Anabela Rodrigues, catedrática na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Faculdade de que era diretora.
Mal tomou posse, a nova Ministra solicitou um inquérito à IGAI para apuramento de factos e responsabilidades no âmbito dos serviços atinentes à pasta que sobraça.
E a IGAI, após a referida auditoria, elaborou relatório ora entregue à Ministra, que declarou estar a analisá-lo e prometeu acatar as recomendações deles constantes.
Por seu turno, o portal do governo já tornou públicas as conclusões.
Além do que vem dito, há que ter em conta que, no âmbito da auditoria, a IGAI detetou no SEF, para a tramitação dos processos, um “controlo interno, muito incipiente e fraco”, e que há “inclusive áreas em que é ineficaz”.
Por isso, a IGAI, presidida por Margarida Blasco, propõe à Ministra o estabelecimento de “formas de controlo interno” da tramitação dos vistos, “quer por segregação de funções, fazendo intervir diferentes níveis hierárquicos na instrução na decisão, quer através da previsão de avaliações sistemáticas do processo”.
Por outro lado, aquela estrutura inspetiva recomenda que o processo de atribuição dos vistos Gold seja classificado como confidencial, permitindo, contudo, que o acesso seja autorizado aos magistrados do Departamento Central de Ação Penal (DCIAP) ou judiciais que intervenham no processo-crime.
Este organismo do MAI verificou, mediante a leitura das atas das reuniões do Grupo de Acompanhamento do processo de atribuição dos vistos Gold, que dele eram emanados diretivas que “excedem o objetivo para que foi criado, pronunciando-se sobre questões que se encontram claramente fora do seu âmbito de atuação”.
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Sobre esta problemática não vejo qual a vantagem de termos um manual de procedimentos “claro e transparente”, como preconiza a IGAI, se os processos de atribuição dos vistos Gold for efetivamente classificado como confidencial (não é somente o Governo que entra em contradição interna). Demais, veremos se e em que medida as recomendações da IGAI vão ser integradas na alteração legislativa e na panóplia dos procedimentos de tramitação, bem como a constituição do aludido conselho geral.

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