O povo grego foi hoje às urnas e,
apesar dos avisos de algumas instâncias europeias, resolveu soberanamente dar a
sua clara confiança política (parece que não maioritária) ao partido da
esquerda radical, o Syriza. E, segundo o que a agência Lusa refere, Alexis
Tsipras, líder do partido vencedor, agora com a idade de 40 anos, afirmou no
discurso de vitória que “o povo grego escreveu História” e “deixou a
austeridade para trás”.
A isto, o secretário-geral do PS
português António Costa reagiu considerando que o resultado das eleições na
Grécia é “mais um sinal” da mudança da orientação política que está em curso na
Europa. O
PCP, pela voz do deputado João Ferreira, afirmou que a vitória do Syriza nas eleições gregas significa uma
“clara derrota dos partidos que têm governado a Grécia e que são, com a União
Europeia, os responsáveis pelo desastre económico e social” no país. E Catarina Martins, porta-voz do Bloco de Esquerda,
reconhecendo que “o caminho não vai ser fácil”, insistiu no que representa este
“virar de página na Europa”.
Por
seu turno, o PSD, o até agora paladino da inevitabilidade austeritária, sem
mencionar a designação do vencedor, felicitou o povo grego pela forma como
decorreram as eleições e fez votos para que o “caminho comum” na União Europeia
continue a ser “um projeto partilhado” e com futuro. E o CDS, em comunicado
assinado por Filipe Lopo d’ Ávila, exprimiu o “respeito” pelo resultado das
eleições na Grécia, que deram a vitória ao partido Syriza, e sublinhou que a situação de Portugal tem um contexto
diferente, sem a presença da ‘troika’ no país. Manifestou ainda o desejo de que
a Grécia, como Portugal, permaneça na
União Europeia e na NATO. É óbvio que já foi dito e redito que o líder do
partido ganhador deixou cair a exigência da saída da Nato e tem reiterado, em
consonância com o sentir popular, a necessidade de não sair do euro.
Significativa e
entusiasmante é a reação do novel partido “Podemos”, da vizinha Espanha. O partido antiausteridade espanhol saudou
a vitória do seu aliado grego, sem esperar pelos resultados oficiais das
legislativas gregas e manifestando a expectativa de uma vitória semelhante em
Espanha:
“A esperança está a
chegar, o medo está a partir. Syriza,
Podemos, vamos vencer” – bradou o líder do “Podemos” Pablo Iglesias perante cerca de 8.000 militantes em
Valência, afirmando, para ilustrar a “contagem decrescente” para a
mudança, que “na Grécia, já ouvimos o 'tic tac, tic tac, tic, tac'”.
Na festa do Syriza, figuraram representantes de
outros partidos de extrema-esquerda, como a Refundação Comunista italiana e o
Bloco de Esquerda de Portugal. E, como primeiro sinal de rutura da
noite, Alexis Tsipras
falou aos gregos em frente à Universidade, em Panepistimiou, e não no Zappion
Hall, quebrando a tradição das anteriores eleições.
***
Voltando
a Tsipras, é de atentar na
afirmação que fez, perante milhares de pessoas que se juntaram na praça em
frente da Universidade de Atenas, sobre a repercussão destas eleições na
Europa: “É um sinal importante para uma
Europa em mudança”. E foi ao ponto de afirmar que “o veredicto do povo grego significa o fim da
troika” – a estrutura de supervisão da economia grega, constituída pela
Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, que
desde 2010 avalia as medidas de austeridade impostas a troco de empréstimos na
ordem dos 240 mil milhões de euros. Ademais, o líder assumiu que “o povo deu um mandato claro” ao Syriza, “depois de cinco anos de humilhação” e assegurou que vai
negociar com os credores uma “nova solução viável” para a Grécia.
Ora, segundo os comentadores, ele tem de
se munir de ideias-força de peso para poder negociar como o setor todo-poderoso
da Europa, que avisara a Grécia, nomeadamente a Chanceler Merkel e o Governador
do Banco Central alemão, sobre os riscos que o país corria. A pari, necessita de, no momento
oportuno, ganhar a conveniente flexibilidade para, sem ceder no essencial dos
interesses (que não os caprichos) do povo grego, negociar a viabilidade de a
Grécia se manter na União Europeia e na sua zona euro sem humilhações como as
que lhe foram infligidas durante os últimos cinco anos. Para a consecução de
tal flexibilidade do lado da Grécia, pode ser-lhe útil o facto de o Syriza não deter a maioria parlamentar.
E as novas medidas constantes do programa
de preservação do euro e de incentivo à economia, elaborado pela autoridade
monetária, mostram à saciedade que o caminho bem poderia ter sido outro.
Cumpre, do meu ponto de vista, sobretudo aos países que também foram sujeitos a
programas de ajustamento, estimular e apoiar essa flexibilização do lado da
Europa.
***
O partido grego antiausteridade Syriza obteve uma clara vitória nas
eleições gerais na Grécia com 36,23% dos votos, quando estão contados 82,35%
dos boletins.
A fazer fé nestes dados, oficiais, o partido
vencedor terá elegido 149 deputados, menos dois que os 151 necessários para a
maioria absoluta. Os conservadores da Nova
Democracia, atualmente no poder, terão obtido 27,95%, o que corresponde a
78 deputados, e o terceiro partido mais votado terá sido o neonazi Aurora Dourada, com 6,32% e 17
deputados. Por seu turno, o partido de centro To Potami terá obtido 5,99% dos votos.
Yannis Miliós, responsável do programa
económico do Syriza, já declarou que
o programa acordado entre o ainda primeiro-ministro, Antonis Samaras, e o
Eurogrupo (ministros das Finanças da zona euro) “está morto”: “Suponho que Gikas Jardúvelis – Ministro
das Finanças em funções – se limitará amanhã [segunda-feira] no Eurogrupo a
discussões de caráter técnico, pois o programa que tinha acordado com o
representante de Samaras [primeiro-ministro em funções] já está morto”. São
palavras suas.
O Eurogrupo, que se reúne, de acordo com a
agenda pré-fixada, na segunda-feira, em Bruxelas, vai debater a situação da
Grécia, e, segundo fontes citadas pela agência espanhola, só haverá um debate
sobre “o caminho a seguir”, porque o único elemento novo em cima da mesa será o
resultado das suas eleições de legislativas.
Do seu lado, Alexis Tsipras, assegurou que
um Governo da sua liderança iria reconhecer os objetivos fixados nos tratados
europeus, mas não as medidas previstas nos acordos firmados pelo executivo com
a ‘troika’ de credores internacionais: “Reconhecemos as nossas obrigações face
às instituições europeias e aos tratados europeus. Estes tratados preveem objetivos
orçamentais que devem ser respeitados, mas não as medidas para atingi-los”.
Estas declarações vão ao encontro de uma
parte do aviso do presidente do Bundesbank, banco central alemão, Jens
Weidmann, que declarou que a economia da Grécia continua a precisar de apoio
externo e acentuou que esse apoio só se justifica quando “se respeitam os
acordos”. Não sei é se respeitam a totalidade do conteúdo do aviso ou, pelo
menos, a intenção das palavras que o envolvem: “Está claro que a Grécia não
pode prescindir do apoio de um programa de ajuda. Naturalmente que um programa
desse tipo só pode ser dado quando se cumprem os acordos”. Atente-se sobretudo
no segmento seguinte: o ilustre declarante disse confiar que “o novo governo
grego não faça promessas ilusórias às quais o país não se pode permitir” e que
continue com as reformas estruturais necessárias, sem pôr em causa o que foi conseguido até agora.
***
Passados que estão mais de dois mil anos, continua
a fazer sentido a frase de Aristóteles: as revoluções não se planeiam nem
se fazem, apenas acontecem, como consequência de algo que ocorreu anteriormente
(cf Rui Guedes Tavares, “A Europa à espera do grito grego”, in Visão on line, de 24 de janeiro). Nestes termos – segundo algumas
afirmações do aludido colunista – embora o resultado das eleições legislativas
gregas, ocorridas neste 25 de janeiro de 2015, não transforme esta data em
memorial de revolução, já que a mudança não resultou de um pronunciamento
militar nem de um ato subversivo do povo, pode – e bem – ser recordado como o
dia do começo de mudança da Europa. Serão satisfeitas também as previsões de
Mário Soares (ib) um tanto otimistas e interpelantes.
Tudo isto, porque, depois de cinco anos de
medidas brutais de austeridade impostas pela troika, que se achava iluminada
pela razão das soluções, a Grécia é hoje o país em que a classe média
praticamente desapareceu, um quarto da população não encontra emprego (e o
desemprego juvenil raia a taxa de 50%), os níveis de pobreza não param de aumentar
e em que, segundo as estatísticas, já se morre mais depressa do que seria de
esperar num país do Sul da Europa. A Grécia é um país sem esperança e cuja
população vai votar com o sentimento de que pior já não pode ficar ou com o
medo de perder o pouco que ainda lhe resta.
Agora, torna-se evidente que a elite,
comandada do centro da Europa e que julgava ter na mão a solução para todos os
males, se enganou ou então agiu de má fé, ao sabor de interesses inconfessados.
Mais: é incapaz de reconhecer o seu falhanço ou, sequer, de aprender com os
erros cometidos ou com a evidência meridiana dos factos. Para que exista uma
mudança, só é preciso, pois, que o povo retome o seu orgulho de povo e a sua
ufania de nação de berço da civilização europeia.
Esta vitória do Syriza pode ser, em certa medida, uma primeira amostra da tesura
dos povos. Os gregos farão ecoar a sua voz soberana. E “as elites europeias” têm
de começar a aprender a lição. Daqui até ao final deste ano de 2015, ainda
teremos eleições no Reino Unido, na Dinamarca, na Estónia, na Finlândia, na Polónia,
na Espanha, em Portugal e, provavelmente, na Itália. Os resultados darão um
alinhamento com a Grécia ou com as lideranças Europeias? Ou virão aí soluções
de compromisso para salvar a zona euro e relançar a união política, monetária e
bancária?
***
Veremos como vai ser gerida a crise das
relações Grécia-Europa e, depois, a relação Europa-Europa…
2015.01.25
Louro de Carvalho
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