Notícias postas a circular nos últimos
dias dão a conhecer da intenção do estabelecimento de condições específicas de
ordem remuneratória para alguns grupos profissionais.
Tal é caso dos magistrados,
sobretudo os magistrados judiciais. Os juízes não
vão ter salários blindados contra os eventuais cortes salariais infligidos ou a
infligir aos trabalhadores da Administração Pública, mas ganharão um subsídio
de exclusividade. É um dos pontos constantes da proposta do grupo de trabalho
para rever estatuto das magistraturas que já está no gabinete de Paula Teixeira
da Cruz. Além disso, os juízes terão regime autónomo do da função pública, com
regras disciplinares mais definidas e mais rigorosas.
Na proposta para o novo Estatuto dos
Magistrados Judiciais (EMJ), feita por um grupo de trabalho nomeado pela própria
Ministra da Justiça e que já está na posse de Paula Teixeira da Cruz desde há uma
semana antes do Natal, os magistrados judiciais poderão auferir um subsídio
extra por não poderem exercer nenhuma outra atividade.
O referido grupo de trabalho integra
representantes do Conselho Superior da Magistratura (CSM), do Conselho Superior
dos Tribunais Administrativos e Fiscais, da Associação Sindical dos Juízes
Portugueses (ASJP) e da Direção-Geral da Administração da Justiça. Pode,
portanto, produzir um trabalho que resulta de consensos entre os dois lados da
“barricada” – magistrados e governo.
Inicialmente, a intenção era a de tornar
intocáveis os vencimentos dos juízes – uma norma equivalente à que existe no
México, Estados Unidos da América, Argentina ou Irlanda. No entanto, tomar-se-á
uma solução de meio-termo até porque – dizem – essa hipotética blindagem salarial
teria de implicar uma revisão constitucional.
Esta matéria que será, brevemente, aprovada em
Conselho de Ministros e posteriormente discutida na Assembleia da República
parece reunir consenso entre os participantes no estudo .
Do seu lado, a posição da ministra é conhecida.
No passado mês de outubro, no Congresso da Associação Sindical dos Juízes
Portugueses (ASJP), a governante deixou a promessa de atualizar os salários dos
juízes, admitindo a necessidade de ajustar a retribuição dos magistrados
judiciais “à dignidade das funções e à responsabilidade de quem as exerce,
assim se contribuindo para garantir a independência do poder judicial”. Porém,
à margem da conferência, mostrou-se mais cautelosa na configuração temporal:
“Temos de olhar para o estatuto remuneratório logo que estejam reunidas as
condições.”
É pena que não tenha dito coisa similar para a
autonomia do Ministério Público e para as polícias de investigação criminal.
Na prática, os eventuais cortes nos salários
dos juízes poderão assim passar a ser apenas transitórios, como aliás a ASJP já
tinha defendido meses antes de este trabalho estar concluído. José Mouraz Lopes,
presidente da ASJP, esclarece que o diploma legal que aí vem será um estatuto
completamente novo, no âmbito de “uma reforma que não será pontual e que trará
regras, nomeadamente a nível disciplinar, muito mais rigorosas”.
Está
praticamente assente que o regime das magistraturas será inteiramente autónomo do
da restante função pública, afastando-se de vez o tratamento subsidiário de
algumas das questões atinentes aos magistrados segundo o definido pelo regime
geral da administração pública, como esta questão dos cortes salariais. Já em
outubro, o presidente da ASJP admitia a resolução do caso pela via do subsídio
de exclusividade, argumentando: “Temos uma situação de absoluta exclusividade e
queremos continuar a ter, mas as pessoas têm de reconhecer que a judicatura é
demasiado importante para os juízes terem de andar a discutir todos os anos na
Assembleia da República, no Orçamento, se se sobe ou desce o salário”.
***
No entanto e tendo em conta o contexto de crise
em que o país mergulhou e de que, na prática, ainda não saiu (e praticamente na
prática o que interessa é a prática), é conveniente ver quais são as regalias
dos juízes.
Um juiz de primeira instância ganha mensalmente
o valor médios de dois mil euros e um juiz-conselheiro do Supremo Tribunal
cerca de 3600 líquidos. Quem dera, falando de vencimento líquido, condições
destas para todos os profissionais que são obrigados a trabalhar no regime de exclusividade!
É que já estão deduzidos o IRS, a sobretaxa de IRS, a contribuição para a CGA e
para a ADMJ (ou similar, provavelmente a ADSE).
Mas há mais: habitação e ajudas de custo pagas
pelo Estado. O atual estatuto determina que, nas localidades onde tal se mostre
necessário, o Ministério da Justiça deverá colocar à disposição dos juízes,
durante o exercício das suas funções, casa de habitação mobilada, mediante a
contrapartida do pagamento de uma prestação mensal, a fixar pelo Ministério da
Justiça, mas de montante não superior a um décimo do total das respetivas
remunerações. Por outro lado, os magistrados que não disponham de casa ou
habitação nos termos referidos no número anterior ou não a habitem têm direito
a um subsídio de compensação equiparado a ajudas de custo que ronda os 700
euros.
Qual o funcionário público que não gostaria de
ter estas regalias quando se encontra deslocado da sua zona de conforto?
E ainda precisam de um subsídio de exclusividade
para garantir a independência do tribunal? Ou será, antes, para garantir o
desafogo económico? Onde está a falta de autonomia do estatuto? Ou, ainda, será
que a ministra quererá comprar com o subsídio de exclusividade a disciplina dos
juízes?
Creio que o exercício de funções judiciais implica
esforço, cabeça fria. E até admito que os juízes ganhem pouco, mas que não
iludam o povo com o subsídio de exclusividade! A maior parte dos funcionários
públicos trabalha em regime de exclusividade (até eram obrigados, no início de funções,
a entregar uma declaração de incompatibilidade) e é obrigada a trabalhar 40
horas semanais. A maior parte aufere um salário de miséria, faz trabalho
desgastante e, ainda que lhe fosse permitido outro mister, pergunto como o
poderá exercer, sem tempo e sem energias.
***
Também o
Ministério das Finanças recentemente apresentou a proposta de criação de uma
carreira especial para a qual transitarão os trabalhadores responsáveis pela
elaboração do Orçamento do Estado e pela respetiva execução orçamental. A transição
para tal carreira será acompanhada de uma valorização remuneratória mínima de
52 euros. É certo que estes trabalhadores desempenham tarefas tecnicamente
qualificadas, pelo que merecem ser bem remunerados.
Dizem,
entretanto, os críticos que a proposta é razoável, mas que o timing escolhido
é péssimo, sendo necessário não esquecer que muitos trabalhadores na função pública
continuam a sofrer cortes salariais e que as progressões nas carreiras
continuam congeladas (já desde 1 de janeiro de 2011, tenho estado também entre
29 de agosto de 2005 a 31 de dezembro de 2007).
Penso
que a questão não se pode colocar assim. Até parece que o trabalho mais
importante no país é o atinente ao orçamento.
Demais,
não há por aí tanto trabalho de enorme complexidade técnica que exige técnicos altamente
qualificados e muito melhores salários? Pense-se, por exemplo, nalgumas especialidades
médicas ou na direção de construção de uma ponte sobre o Tejo a jusante de Vila
Franca de Xira!
Ou
será que é preciso pagar bem a quem trabalha com a Ministra das Finanças por
ela custar muito a aturar? Provavelmente, pagando melhor aos trabalhadores
responsáveis pela elaboração do Orçamento do Estado e pela respetiva execução
orçamental, eles colocarão muito em breve o défice estrutural em 0% e a dívida pública
ficará reduzida para patamar inferior aos 60% do PIB...
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