quarta-feira, 30 de julho de 2014

Postura popularucha de altos dirigentes políticos


O 30 de julho fica marcado pela conclusão de um acordo de parceria da União Europeia com Portugal, que envolve uma importância de quase vinte e seis mil milhões de euros a colocar à disposição do país.
O Presidente da Comissão Europeia Durão Barroso congratulou-se com o acordo de parceria e saúda-o. Por seu turno, o Primeiro-Ministro português sublinhou a pertinência desta parceria declarando que ela será fundamental para termos “uma economia mais competitiva e geradora de emprego”.
Na sua intervenção, em que afirmou que este dia era muito importante para Portugal, Passos Coelho destacou a posição do PS ao longo de todo o processo de negociação do acordo de entendimento, ressalvando que, apesar de não ter havido um entendimento formal com o maior partido da oposição, “houve um acompanhamento muito próximo” por parte dos socialistas. Enfatizou mesmo que “foi possível no fim da negociação praticamente acolher e salvaguardar os principais aspetos críticos que foram ressalvados pela posição do PS”, dando relevo ao facto de o maior partido da oposição ter estado alinhado com o Governo no “essencial dos objetivos” do acordo, já que o seu quadro de vigência é de sete anos, ou seja, “está para além do mandato do atual Governo”.
Poucas vezes o Primeiro-Ministro de Portugal terá assumido uma postura de tal equilíbrio e humildade na apreciação de um facto político de interesse nacional, sobretudo ao tratar-se de um “instrumento decisivo” para o crescimento económico e a criação de emprego nos próximos sete anos. Efetivamente, salienta a importância do acordo, a relevância da Europa e a posição de moderada, ainda que discreta, colaboração do partido socialista, um partido de ambição governativa e notória experiência nesse âmbito. Longe parecem andar as suas tiradas popularuchas do rumo certo, do apelo a que não sejamos piegas, que emigremos ou “que se lixem as eleições”. Queira Deus que o hierarca Pedro tenha encarrilado em definitivo numa postura compatível com o estatuto de estadista, que ele tem, queira ou não queira, queiramos ou não queiramos.
Já os comentários de Durão Barroso fazem lembrar outros momentos em que o dirigente, na ocupação de altos cargos, roçou as malhas da chocarrice e do nível demasiado popularucho da linguagem, que não sei se quadra ao estatuto de estadista que foi e de superestadista que ainda é. Quem não se lembra do clamor barrosista na Assembleia da República nos alvores da sua governação em 2002, “o país está de tanga!”? E que dizer ainda hoje das palavras de Durão Barroso, como Presidente da Comissão Europeia, e as de Sócrates, então Primeiro-Ministro de Portugal e coordenador da presidência rotativa da UE, que acompanharam o abraço que eles trocaram na congratulação festiva do Tratado de Lisboa – “Bonito!” (Durão Barroso) e “Porreiro, Pá!” (Sócrates)? Qual deles o mais popularucho?
Mas podemos recordar outros momentos similares, como os de: Miguel Relvas, ministro, a tentar cantar “Grândola Vila Morena” com manifestantes que o contestavam; Carlos Borrego, ministro, a contar a “anedota do alumínio” sobre os hemofílicos do Hospital de Évora; Dias Loureiro, ministro, a confessar no Parlamento que abandonara o hemiciclo para fumar um cigarro porque estava farto de ouvir um determinado senhor deputado; Cavaco Silva, Primeiro-Ministro, a pedir que o deixassem trabalhar ou, já Presidente, a dizer que as vacas dos Açores riam e as de uma herdade no Continente estavam felizes durante a ordenha mecânica; Mário Soares, Presidente, a mandar a um guarda-republicano que desaparecesse; e Sampaio, ex-Presidente, a explicar que tinha regressado a esta cidadania banal, ele que, quando Presidente, depois de anunciar que ia dissolver a Assembleia da República, bradava que nada estava dissolvido, que estava tudo a funcionar.
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Durão Barroso, a comentar o acordo de parceria, explicitava que os 26 mil milhões de euros que serão colocados à disposição do país são “uma pipa de massa”. Esta denominação popularucha raia mesmo uma boçalidade que os portugueses não esperavam do português que ainda está a presidir ao executivo europeu e que se posiciona como um dos fortes candidatos à Presidência da República. Não teria o eurocrata outra expressão mais adequada ao conteúdo do acordo de parceria?
Mas Barroso vai mais longe. Ele, que já vinha criticando o Tribunal Constitucional e as instituições portuguesas em geral, agora dá recados sobre a importância de gastar bem o dinheiro e sobre as formas de o gastar. Será verdade que no tempo da sua governação portuguesa, e só durante ela, se gastou bem o dinheiro que provinha da Europa? Não teria sido mais curial, mais alinhado com a soberania, que esse esboço dos gastos tivesse sido apresentado pelo Primeiro-Ministro de Portugal? O facto de Durão Barroso ser português não lhe dá mais direito de falar em nome de Portugal, com os paramentos de comissário europeu ou de líder da Comissão. Se, porque a Europa disponibiliza dinheiro, tem de definir unilateralmente a sua utilização, pergunto-me se não seria melhor que esse dinheiro ficasse a apodrecer lá nos cofres da Comissão. Segundo a nossa CRP, “o Governo é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública” (vd art.º 182.º) e não o é a Comissão Europeia nem o seu Presidente. E é ao Governo de Portugal e não à Comissão que compete “negociar e ajustar convenções internacionais” (vd art.º 197.º/1, alínea b).
E o Presidente da Comissão Europeia pretende abusiva e mesmo ditatorialmente silenciar – a troco de dinheiro europeu, esquecendo a perspetiva mutualista das relações dos Estados com a União e a exigências da solidariedade e da subsidiariedade – os antieuropeístas, os eurocéticos e mesmo os europeístas que lançam justas críticas às lideranças das instituições comunitárias: “que se calem aqueles que dizem que a União Europeia não é solidária com Portugal e com os países da coesão” – ordenou. E nós vamos calar-nos?
É preciso não ter vergonha para confundir tudo. Ninguém nega a “solidariedade” da União Europeia; nega-se-lhe, sim, o sentido e o alcance. E, sobretudo, critica-se a falta de prossecução do projeto europeu e a hegemonia abusiva e unilateral de um ou de uns determinados Estados-Membros, acriticamente seguidos pela Comissão, de ouvidos desatentos aos estudos e às decisões parlamentares. Critica-se outrossim a falta de voz, vez e ação da UE perante o concerto dos demais blocos políticos e económicos mundiais.
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Porém, apesar de não dever ter provindo de Durão Barroso a explicitação do destino das verbas dos fundos comunitários, é de interesse deixá-lo à consideração geral e com algumas notas à laia de comentário:
– Com efeito, todos sabemos que não há crescimento sem desenvolvimento e que é necessário aplicar bem os fundos que Portugal terá à disposição nos próximos sete anos. Onde estava o querido líder nestes dez anos, sobretudo nos últimos quatro?
– Se “este é o ponto de viragem”, efetivamente os 26 mil milhões de euros que serão colocados à disposição de Portugal nos próximos sete anos, devem ser “uma alavanca” para as transformações necessárias e para auxiliar as reformas que o Governo tem vindo a executar. Que reformas, além os cortes?
– Foram enumeradas, a título de exemplo, algumas áreas para onde o dinheiro será canalizado, nomeadamente: o apoio às pequenas e médias empresas; o reforço da inclusão social; maior apoio ao emprego, educação e formação; apoio específico para combater o desemprego jovem; apoio à investigação; e ainda outros projetos. Caberá a Portugal definir esses “outros projetos” ou virá ainda Barroso defini-los? Ou teremos que aguardar as diretivas do sucessor Juncker?
Finalmente, o decisor mor sentenciou:
– “Estas são as prioridades corretas” (…). “Hoje inicia-se um novo capítulo de esperança num futuro melhor, com importante contributo da solidariedade europeia”.
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Não sei se esta reflexão deve ser encerrada com o autoritário “CUMPRA-SE”, se com o piedoso “AMEN, DEO GRATIAS!”, se com o subserviente “YES, MISTER PRESIDENT!”.

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