– Juncker promete –
Portugal está como quer. Teve um
nacional, Durão Barroso, a presidir à Comissão Europeia durante dez anos, o que
lhe trouxe enormes e diversas vantagens, como: o aumento da idade de
aposentação, a redução das pensões dos trabalhadores do Estado, a diminuição
salarial – tudo a coberto de termos vivido acima das nossas possibilidades, o
que levou a um programa de ajustamento que redundou em desemprego galopante,
embora ultimamente mascarado em emigração e estágios profissionais. Agora,
temos lá um “amigo”, Jean-Claude Juncker. Será para prossecução da austeridade
ou para desafogo político e crescimento económico?
Não sei se se trata de um amigo
de Portugal ou de mulheres de Portugal, já que um dos pedidos expressos ao
Governo português fora que lhe enviasse uma short-list
só com nomes de mulheres – o que significa a configuração de uma inovação, já
que Portugal nunca teve uma comissária, ao contrário de outros países. Se é a
história das quotas, como é que se faz a prática das quotas com uma lista
exclusiva? Ou como se fazem quotas para a escolha de uma só pessoa, uma vez que
um estado membro só tem direito a um comissário/a?
Dez governos, dos vinte e oito
Estados-Membros, já enviaram ao recém-eleito Presidente os nomes de sua
preferência e as mulheres não abundam. O euroluxemburguês mencionou nomes que
seriam bem vistos, entre os quais o da eurodeputada Maria João Rodrigues, que
tem uma vasta experiência europeia, uma notável competência técnica, alguma
experiência governativa e que não esconde a sua vontade de integrar o grupo dos
eurocomissários.
Antiga ministra de breve
prestação no primeiro elenco governativo de Guterres e denominada como a “mãe”
da estratégia de Lisboa, foi reeleita para o PE (Parlamento Europeu) e é vice-presidente do Grupo Socialista.
Outro nome bastante apontado em Portugal é o de Maria da Graça Carvalho, personalidade
próxima de Barroso, de cujo elenco governativo foi ministra da Ciência e do
Ensino Superior, e que acaba de abandonar Estrasburgo. Não tendo o mesmo peso político
e técnico que Maria João Rodrigues, no entanto, é um nome a considerar. Falta
saber se Pedro Passos Coelho, depois do colóquio político com António José
Seguro, o ainda líder do principal partido da oposição, que ganhou em Portugal
as eleições europeias, aceitará patrioticamente uma comissária que não seja da
sua área política. Para Portugal, um pequeno país, mas depois de 10 anos da liderança
controversa de Barroso, o perfil do(a) comissário(a) proposto(a) pode indiciar
a importância da pasta que lhe é atribuída.
O Primeiro-Ministro de Portugal participou
já em Bruxelas numa cimeira inconclusiva. Nada de estranhar se tivermos em
conta que a escolha de Juncker para presidir à Comissão foi bastante
turbulenta, graças à oposição determinada de Londres e de Budapeste e à vontade
inicial da chancelerina alemã, que não quis aceitar imediatamente a lógica
imposta pelo PE nas eleições europeias. Lisboa sempre torceu por Juncker, que é
tido como um amigo de Portugal. Quem não se lembra de um político que
participou na campanha europeia da Aliança Portugal só para, sem qualquer
referência elogiosa (ou não) à candidatura, aconselhar vivamente o voto na
lista da atual coligação governativa com vista à eleição do amigo luxemburguês.
E crê-se que o Governo pretenda rendibilizar o apoio sempre explicitado.
***
Juncker sucede no lugar ao
ex-primeiro-ministro português e herda, para lá da crise global, expressa em
termos económicos e financeiros, uma profunda crise de identidade da própria
Comissão, o órgão executivo da UE, que tenta redescobrir o seu papel no
concerto das instituições da governança europeia e na relação com os demais
blocos políticos e económicos.
Em eleição absolutamente esperada,
o candidato mereceu o aval explícito de 422 eurodeputados do total de 751, no
passado dia 15. Este ato de confirmação de fácil consecução nada revela sobre
os desafios que se colocam ao novel presidente.
No discurso prévio à votação,
Juncker foi pródigo em promessas: prometeu muito e a muitas das tendências
políticas.
Na linha das promessas que
enunciou, perspetivou, para os próximos três anos, um plano de investimento
público e privado de 300 mil milhões de euros, bem como “a reindustrialização
da Europa” e o regresso ao trabalho dos 25 milhões de desempregados da UE,
muitos deles jovens, alguns do quais com altas qualificações. Afirmou, nesta
ordem de ideias, que a Europa só sairá do poço “quando regressar ao pleno emprego”.
Garantiu o novel investido à
frente da Comissão (que ainda não existe) que as regras sobre o défice e a
redução da dívida não irão sofrer alterações de fundo (já que “é preciso
respeitar as regras fiscais; os princípios básicos não se irão alterar”), mas
também defendeu a existência de um salário mínimo em todos os estados-membros.
Ao evocar as políticas de
austeridade com cortes em áreas fundamentais, para cuja prática ele próprio
contribuiu nos últimos anos, declarou que “o social deve estar no coração da
ação europeia”, o que significa que deverá ser uma das grandes prioridades.
O novo chefe do executivo europeu
entende que os 28 não se podem “dar por satisfeitos com a atual política de Negócios
Estrangeiros” e criticou a interferência alegadamente excessiva dos países numa
desejável política externa única. E naturalmente que arrebatou forte aplauso da
parte da maioria quando afirmou que a moeda única protegeu os europeus na crise
da economia mundial.
Juncker, no seu discurso prévio à
eleição, lançou ainda uma última cartada a tentar convencer os verdes e os
indecisos, pelo que declarou poética, mas peremptoriamente, à maneira do poeta português
António Gedeão, o do sonho que comanda a vida: “É com o sonho que devemos
responder às angústias, medos e esperanças dos cidadãos europeus”. Para tanto, não
se inibiu de prometer “lutar contra a fraude e a evasão fiscal” e simultaneamente
“modificar o processo de autorização da cultura dos organismos geneticamente
modificados”.
E, sobre o pacto de comércio e
investimento, atualmente em processo de negociação com os Estados Unidos,
prometeu maior transparência no seu debate, vaticinando claramente que “se não
publicarmos os documentos relativos, este tratado vai falhar”, pelo menos, “vai
falhar aos olhos da opinião pública”, que – diga-se em abono da verdade – é a
opinião pública uma via de falhanço como o será de viabilização.
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Apoiado por diferentes famílias
políticas europeias, Juncker dirigiu-se a todas: à sua, o Partido Popular
Europeu (PPE); aos socialistas e socialdemocratas; aos liberais e centristas; e
aos que se aliaram para o eleger em conformidade com os resultados das eleições
de 25 de maio. Houve 250 eurodeputados a votar contra o candidato do PPE e 47
boletins em branco, para além de 17 votos nulos. Apesar de só precisar de 376
dos votos para conseguir a maioria que viabilizasse a sua eleição, o candidato luxemburguês
do PPE contaria teoricamente com 480. Porém, o voto secreto aumentou o número
de deputados do grande bloco, que se formou ad
hoc, a não votar alinhados, o que permite uma provável leitura da votação parlamentar
como segue: pelo menos 60 populares, socialistas e liberais-democratas tinham
indicado que iriam votar contra a corrente dominante (a maioria dos espanhóis
votara “não”, segundo o diário El País).
O maior número de desalinhados terá vindo do Partido Socialista Europeu —
vários espanhóis, vários britânicos e vários franceses votaram contra ou se
abstiveram.
Comparativamente com as votações
em torno da eleição do seu antecessor português, os resultados são bastante
mais confortáveis para o novel Presidente. Assim, quando, em setembro de 2009,
foi reconduzido na presidência da Comissão, Durão Barroso obteve o voto favorável
de 382 eurodeputados e a oposição de 219, além de 117 abstenções; em 2004, o
português tinha sido eleito Presidente da Comissão com 413 votos a favor (menos
do que os obtidos agora por Juncker), 251 contra e 44 abstenções.
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Será este luxemburguês de 59
anos, conhecido como hábil negociador de bastidores e que se autodescreve como
“um reformista permanente”, capaz de cumprir e fazer cumprir aquilo a que se
comprometeu perante o Parlamento Europeu? Terá ele suficiente habilidade para ultrapassar
a situação de oposição do Primeiro-Ministro britânico, David Cameron, e do
Governo húngaro? Terão estas posições, que motivaram um intenso debate sobre a
democracia na União Europeia – já que os grandes grupos políticos tinham
apresentado candidatos e se esperava que, em nome da democracia, aceitassem a
eleição do escolhido pela nova maioria parlamentar – constituído motivo de
lição e aprendizagem política para este homem que nada perderá se quiser
continuar a aprender ao longo da vida?
Conseguirá Juncker contornar e
controlar a subida hegemonia da Alemanha e a real ou frustrada tentativa de
marcação de agenda da França no devir europeu? Logrará congregar em torno de si
as posições do Conselho Europeu e a empatia do Parlamento?
Terá a Europa, a partir de agora,
o seu timoneiro? Que valerá este “amigo” a Portugal e aos outros países
periféricos?
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