quinta-feira, 17 de julho de 2014

Portugal com um novo “amigo” a presidir à Comissão Europeia

– Juncker promete –

Portugal está como quer. Teve um nacional, Durão Barroso, a presidir à Comissão Europeia durante dez anos, o que lhe trouxe enormes e diversas vantagens, como: o aumento da idade de aposentação, a redução das pensões dos trabalhadores do Estado, a diminuição salarial – tudo a coberto de termos vivido acima das nossas possibilidades, o que levou a um programa de ajustamento que redundou em desemprego galopante, embora ultimamente mascarado em emigração e estágios profissionais. Agora, temos lá um “amigo”, Jean-Claude Juncker. Será para prossecução da austeridade ou para desafogo político e crescimento económico?
Não sei se se trata de um amigo de Portugal ou de mulheres de Portugal, já que um dos pedidos expressos ao Governo português fora que lhe enviasse uma short-list só com nomes de mulheres – o que significa a configuração de uma inovação, já que Portugal nunca teve uma comissária, ao contrário de outros países. Se é a história das quotas, como é que se faz a prática das quotas com uma lista exclusiva? Ou como se fazem quotas para a escolha de uma só pessoa, uma vez que um estado membro só tem direito a um comissário/a?
Dez governos, dos vinte e oito Estados-Membros, já enviaram ao recém-eleito Presidente os nomes de sua preferência e as mulheres não abundam. O euroluxemburguês mencionou nomes que seriam bem vistos, entre os quais o da eurodeputada Maria João Rodrigues, que tem uma vasta experiência europeia, uma notável competência técnica, alguma experiência governativa e que não esconde a sua vontade de integrar o grupo dos eurocomissários.
Antiga ministra de breve prestação no primeiro elenco governativo de Guterres e denominada como a “mãe” da estratégia de Lisboa, foi reeleita para o PE (Parlamento Europeu) e é vice-presidente do Grupo Socialista. Outro nome bastante apontado em Portugal é o de Maria da Graça Carvalho, personalidade próxima de Barroso, de cujo elenco governativo foi ministra da Ciência e do Ensino Superior, e que acaba de abandonar Estrasburgo. Não tendo o mesmo peso político e técnico que Maria João Rodrigues, no entanto, é um nome a considerar. Falta saber se Pedro Passos Coelho, depois do colóquio político com António José Seguro, o ainda líder do principal partido da oposição, que ganhou em Portugal as eleições europeias, aceitará patrioticamente uma comissária que não seja da sua área política. Para Portugal, um pequeno país, mas depois de 10 anos da liderança controversa de Barroso, o perfil do(a) comissário(a) proposto(a) pode indiciar a importância da pasta que lhe é atribuída.  
O Primeiro-Ministro de Portugal participou já em Bruxelas numa cimeira inconclusiva. Nada de estranhar se tivermos em conta que a escolha de Juncker para presidir à Comissão foi bastante turbulenta, graças à oposição determinada de Londres e de Budapeste e à vontade inicial da chancelerina alemã, que não quis aceitar imediatamente a lógica imposta pelo PE nas eleições europeias. Lisboa sempre torceu por Juncker, que é tido como um amigo de Portugal. Quem não se lembra de um político que participou na campanha europeia da Aliança Portugal só para, sem qualquer referência elogiosa (ou não) à candidatura, aconselhar vivamente o voto na lista da atual coligação governativa com vista à eleição do amigo luxemburguês. E crê-se que o Governo pretenda rendibilizar o apoio sempre explicitado.
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Juncker sucede no lugar ao ex-primeiro-ministro português e herda, para lá da crise global, expressa em termos económicos e financeiros, uma profunda crise de identidade da própria Comissão, o órgão executivo da UE, que tenta redescobrir o seu papel no concerto das instituições da governança europeia e na relação com os demais blocos políticos e económicos.
Em eleição absolutamente esperada, o candidato mereceu o aval explícito de 422 eurodeputados do total de 751, no passado dia 15. Este ato de confirmação de fácil consecução nada revela sobre os desafios que se colocam ao novel presidente.
No discurso prévio à votação, Juncker foi pródigo em promessas: prometeu muito e a muitas das tendências políticas.
Na linha das promessas que enunciou, perspetivou, para os próximos três anos, um plano de investimento público e privado de 300 mil milhões de euros, bem como “a reindustrialização da Europa” e o regresso ao trabalho dos 25 milhões de desempregados da UE, muitos deles jovens, alguns do quais com altas qualificações. Afirmou, nesta ordem de ideias, que a Europa só sairá do poço “quando regressar ao pleno emprego”.
Garantiu o novel investido à frente da Comissão (que ainda não existe) que as regras sobre o défice e a redução da dívida não irão sofrer alterações de fundo (já que “é preciso respeitar as regras fiscais; os princípios básicos não se irão alterar”), mas também defendeu a existência de um salário mínimo em todos os estados-membros.
Ao evocar as políticas de austeridade com cortes em áreas fundamentais, para cuja prática ele próprio contribuiu nos últimos anos, declarou que “o social deve estar no coração da ação europeia”, o que significa que deverá ser uma das grandes prioridades.
O novo chefe do executivo europeu entende que os 28 não se podem “dar por satisfeitos com a atual política de Negócios Estrangeiros” e criticou a interferência alegadamente excessiva dos países numa desejável política externa única. E naturalmente que arrebatou forte aplauso da parte da maioria quando afirmou que a moeda única protegeu os europeus na crise da economia mundial.
Juncker, no seu discurso prévio à eleição, lançou ainda uma última cartada a tentar convencer os verdes e os indecisos, pelo que declarou poética, mas peremptoriamente, à maneira do poeta português António Gedeão, o do sonho que comanda a vida: “É com o sonho que devemos responder às angústias, medos e esperanças dos cidadãos europeus”. Para tanto, não se inibiu de prometer “lutar contra a fraude e a evasão fiscal” e simultaneamente “modificar o processo de autorização da cultura dos organismos geneticamente modificados”.
E, sobre o pacto de comércio e investimento, atualmente em processo de negociação com os Estados Unidos, prometeu maior transparência no seu debate, vaticinando claramente que “se não publicarmos os documentos relativos, este tratado vai falhar”, pelo menos, “vai falhar aos olhos da opinião pública”, que – diga-se em abono da verdade – é a opinião pública uma via de falhanço como o será de viabilização.
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Apoiado por diferentes famílias políticas europeias, Juncker dirigiu-se a todas: à sua, o Partido Popular Europeu (PPE); aos socialistas e socialdemocratas; aos liberais e centristas; e aos que se aliaram para o eleger em conformidade com os resultados das eleições de 25 de maio. Houve 250 eurodeputados a votar contra o candidato do PPE e 47 boletins em branco, para além de 17 votos nulos. Apesar de só precisar de 376 dos votos para conseguir a maioria que viabilizasse a sua eleição, o candidato luxemburguês do PPE contaria teoricamente com 480. Porém, o voto secreto aumentou o número de deputados do grande bloco, que se formou ad hoc, a não votar alinhados, o que permite uma provável leitura da votação parlamentar como segue: pelo menos 60 populares, socialistas e liberais-democratas tinham indicado que iriam votar contra a corrente dominante (a maioria dos espanhóis votara “não”, segundo o diário El País). O maior número de desalinhados terá vindo do Partido Socialista Europeu — vários espanhóis, vários britânicos e vários franceses votaram contra ou se abstiveram.
Comparativamente com as votações em torno da eleição do seu antecessor português, os resultados são bastante mais confortáveis para o novel Presidente. Assim, quando, em setembro de 2009, foi reconduzido na presidência da Comissão, Durão Barroso obteve o voto favorável de 382 eurodeputados e a oposição de 219, além de 117 abstenções; em 2004, o português tinha sido eleito Presidente da Comissão com 413 votos a favor (menos do que os obtidos agora por Juncker), 251 contra e 44 abstenções.
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Será este luxemburguês de 59 anos, conhecido como hábil negociador de bastidores e que se autodescreve como “um reformista permanente”, capaz de cumprir e fazer cumprir aquilo a que se comprometeu perante o Parlamento Europeu? Terá ele suficiente habilidade para ultrapassar a situação de oposição do Primeiro-Ministro britânico, David Cameron, e do Governo húngaro? Terão estas posições, que motivaram um intenso debate sobre a democracia na União Europeia – já que os grandes grupos políticos tinham apresentado candidatos e se esperava que, em nome da democracia, aceitassem a eleição do escolhido pela nova maioria parlamentar – constituído motivo de lição e aprendizagem política para este homem que nada perderá se quiser continuar a aprender ao longo da vida?
Conseguirá Juncker contornar e controlar a subida hegemonia da Alemanha e a real ou frustrada tentativa de marcação de agenda da França no devir europeu? Logrará congregar em torno de si as posições do Conselho Europeu e a empatia do Parlamento?
Terá a Europa, a partir de agora, o seu timoneiro? Que valerá este “amigo” a Portugal e aos outros países periféricos? 

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