Por ocasião do último congresso
do PSD, o presidente daquela formação partidária anunciou a criação de um grupo
de trabalho presidido pelo Professor Doutor Joaquim Azevedo, da UCP, para o
estudo de medidas a propor para combater o decréscimo galopante de nascimentos
em Portugal ou, pela positiva, para viabilizar a promoção da natalidade.
O estudo está vertido já num
relatório publicitado na semana passada e que, entre outras medidas, propõe a redução de IRS (incluindo a dedução, em sede de IRS, das despesas de
educação e de saúde suportadas pelas/os avós), e o cálculo do IMI e do imposto sobre veículos
consoante o número de filhos do agregado familiar.
O predito relatório – cujas conclusões foram
apresentadas, no Porto, no passado dia 15 – foi desenvolvido durante quatro
meses por uma comissão com 11 personalidades de várias áreas, coordenada pelo
professor universitário indigitado por Passos Coelho. A Comissão faz um
diagnóstico preocupante da natalidade em Portugal e vem delineando várias hipóteses
de solução para resolver o problema, que se tornarão viáveis se houver suficiente
vontade política de todos os serviços do Estado e das autarquias e grande mobilização
da sociedade civil.
Portugal, segundo o diagnóstico constante
do documento apresentado no Porto, tem um dos índices de natalidade mais baixos
da Europa. O relatório “Por um Portugal amigo das crianças, das famílias e da
natalidade (2015-2035): remover os obstáculos à natalidade desejada” dá conta
de um número de nascimentos abaixo das projeções mais negativas – um cenário
que se tornará “insustentável” se não forem tomadas as medidas adequadas. Mas o
grupo de trabalho está convicto de que é possível repor os índices de
natalidade até ao nível do desejável no decurso de vinte anos.
Acresce referir que, embora nem tenham
saído do papel, algumas destas medidas já não são inéditas, já que, por
exemplo, ainda em outubro do ano transato, o PSD apresentou na Assembleia da
República um projeto que preconizava a redução do imposto sobre veículos para
famílias com três ou mais filhos. Por outro lado, sabe-se – e o Presidente do
referido grupo de trabalho o denunciou abertamente – há muitos empresários que não
só não cumprem os normativos legais de proteção à maternidade, à parentalidade
e à infância, como tentam prevenir a existência de situações que os confrontem
com a necessidade do cumprimento da lei (vg: não admitindo mulheres na empresa
ou obrigando-as ao compromisso de não assunção da maternidade durante
considerável lapso de tempo).
Mas também é de relevar que a Comissão
encarregada do estudo da reorganização do IRS também apresenta soluções amigas
da família e das crianças. Por exemplo, o índice conjugal dos rendimentos para
aferir os rendimentos dos membros do agregado familiar, que atualmente leva ao
divisor 2, passaria a ser acrescido de 0,3 ou 0,6 ou 0,9, conforme o agregado
tenha um dois ou três filhos, respetivamente
***
A propósito, deixa-se aqui o enunciado das
principais medidas atinentes ao combate ao decréscimo da natalidade ou à
promoção e incentivação da mesma, na certeza de que nem elas esgotam o elenco
das possíveis medidas nem vale a pena aterem-se os interessados e os poderes
somente a uma ou outra. Todas e cada uma delas são necessárias para a necessária
materialização do nobre desígnio maternal e nenhuma delas deve ser posta de
parte, muito menos ridicularizada (Já se diz por aí que não será pelo facto de
os casais beberem menos água que passarão a ter mais filhos ou que os ministros
casados deste governo já são exemplo no incremento da prole própria!).
Assim, o grupo de trabalho, também
designado por comissão, propõe:
– Reduzir
em 1,5% a taxa de IRS (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) para
o primeiro filho e 2% para o segundo filho e seguintes, em todos os escalões de
rendimentos, e alterar a forma de apuramento das deduções à coleta de IRS,
tendo em conta as despesas suportadas por cada membro do agregado familiar;
– Deduzir em sede de IRS as despesas de
educação e de saúde suportadas pelas/os avós;
– Introduzir alterações no IMI (imposto
municipal sobre imóveis) para “permitir aos municípios reduzir a taxa que é
aplicada anualmente, tendo em conta o agregado familiar”;
– Reduzir o imposto sobre veículos para
famílias com três ou mais filhos, como consta do teor de projeto apresentado
pelo PSD na Assembleia da República, em outubro do ano passado, como já se
afirmou;
– Otimizar a capacidade de “conciliar o
trabalho com a família”, sendo este considerado um dos pontos essenciais
apontados pela comissão para a promoção da natalidade, como, por exemplo, permitindo
à mãe trabalhar em part-time durante
um ano e receber a totalidade do salário, repartido em 50% pelos encargos da empresa
e 50% a cargo do Estado;
[O valor que a empresa deixaria de pagar à mãe passaria a ser percebido por
um/a trabalhador/a desempregado/a contratado/a pela empresa – o que, no dizer
dos autores do relatório, constituiria uma forma de “minorar custos e potenciar
benefícios a todos os intervenientes”, possibilitando-se que a mãe continuasse
a receber o ordenado na totalidade, a empresa mantivesse um trabalhador a tempo
inteiro sem custos adicionais e fosse aberta mais uma oportunidade de trabalho
para desempregados. Desta forma, o Estado promoveria a natalidade “com custo
baixo, ou mesmo nulo”.]
– Possibilitar que a partilha da licença
parental possa ser partilhada pelos pais (por exemplo, o pai passar a trabalhar
20 horas por semana e a mãe outras 20), sobretudo quando do afastamento dos
pais do local de trabalho puderem resultar penalizações familiares e/ou
laborais;
– Criar condições para reduzir, entre duas
a quatro horas, o horário laboral de trabalhadores/as com filhos até aos seis
anos de idade e apoiar a contratação de mulheres grávidas ou com filhos até aos
três anos, isentando as empresas do pagamento da Taxa Social Única (TSU);
– Incentivar as empresas a que distribuam
vales sociais, isentos de IRS e TSU, que se destinem ao pagamento das despesas
com os filhos, tais como creches e escolas;
– Apelar a um aumento, por parte das
autarquias e das instituições de solidariedade social, de oferta de serviços de
babysitting e estruturas de apoio às
famílias durante as férias escolares;
– Promover a dinamização das ATL em
horários desencontrados dos das creches e, de preferência, ao fim de semana,
enquanto o horário das creches deve ser flexível e ter custos mais reduzidos,
comparticipados pelo Estado de acordo com a dimensão da família;
– Flexibilizar as tarifas da água em
função do agregado familiar;
– Dar prioridade nas escolas aos irmãos,
evitando a frequência de escolas distintas;
– Criar condições vantajosas para a
aquisição dos passes sociais e dos manuais escolares, revendo as condições de
validade e durabilidade destes e criando nas próprias escolas bancos de
manuais:
– Atribuir um médico de família a todas as
grávidas;
– Alterar a condição de recursos para
beneficiar da isenção de taxas moderadoras e aumentar os apoios em situações de
infertilidade, por exemplo, comparticipando a 100% os medicamentos; e
– Alargar a idade de tratamentos para infertilidade para os 42 anos na mulher.
– Alargar a idade de tratamentos para infertilidade para os 42 anos na mulher.
Indubitavelmente estas medidas têm impacto
necessariamente orçamental, que a comissão não quantifica, por entender que tal
não faz parte das suas competências. Fazer tais contas, diz o documento, está
“nas mãos dos serviços do Estado” e é uma tarefa para os governos que quiserem
aplicar as ideias sugeridas. Tal é tão verdade que, se a desculpa da falta de
dinheiro for invocada como inevitável e inibidora, estamos a esquecer que a
política se faz de opções conforme as prioridades que se vão legitimamente
definindo, de acordo com a avaliação que se faça das necessidades da
coletividade. Não sendo assim, perguntar-se-á para que servem os políticos e os
poderes.
Os governos legítimos deverão estimar os
impactos orçamentais das medidas sugeridas pelos grupos de trabalho que forem
constituídos por quem de direito (os quais não devem ultrapassar as
competências para que foram criados) e o gradualismo com que devem ou pretendem
aplicar as medidas propostas.
***
Quanto à possibilidade de dedução em sede
de IRS das despesas de educação e de saúde suportadas pelas/os avós – aliás a
medida que deu azo a esta reflexão, como se pode ver pela referência epigráfica
– cumpre tecer algumas considerações.
É certo que as/os avós se desvelam em
ternura pelos netos, como, por vezes, se excedem em facilidades e satisfação
dos gostos e caprichos infantis – chegando mesmo a contrariar a vontade e a
ação dos progenitores. Muitas/os das/os avós veem-se a obrigadas/os a tratar
dos netos (sustento, saúde, educação e tempos livres) porque os pais estão
desempregados ou o rendimento não é suficiente (casos em que disponibilizam as
suas magras economias para sustento também dos filhos), porque os pais não têm
disponibilidade de tempo e as creches, os centros de atividades (ATL) de tempos
livres não dão resposta ou porque os pais faltaram (morreram, abandonaram,
estão no estrangeiro, desentenderam-se).
Pela análise diversificada que se pode
fazer da situação, não é difícil concluir como as medidas propostas pela
comissão e outras que vierem a ser definidas têm de ser todas mobilizadas
porque o combate ao decréscimo da natalidade e a consequente promoção da fértil
e sadia parentalidade tem de fazer-se em diversas frentes.
Desde já desistir dos cortes das pensões e
repor, se possível, os valores cortados facilitará a sobrevivência condigna das/os
avós idosas/os, reformadas/os, aposentadas/os ou jubiladas/os e fornece uma
mais-valia à saúde, à educação, ao sustento e ao conveniente ludismo dos netos,
bem como reforço ao apoio aos filhos, mormente se desempregados. A medida de
dedução em IRS atinente às/aos avós, por mais positiva que seja, revela-se, no
mínimo, como insuficiente e insignificante.
Por outro lado, não deve o Estado, em nome
de causas, valores ou necessidades, alimentar ou favorecer uma apetência não
regulada das/os avós que tendam a tomar consta dos netos fundamentalmente por
gosto ou excessiva tentação de substituir os filhos, no pressuposto não raro
apregoado de que os avós são pais e as avós são mães duas vezes. Isto para já
não falar dos casos absolutamente condenáveis dos casos de avós e de outros
familiares que lutam, às vezes, criminosamente pela guarda das crianças, na
busca intempestiva dos subsídios e outros apoios públicos percebidos
habitualmente pelos pais, sem que se almeje o genuíno superior interesse das
crianças.
Como é óbvio, as medidas de apoio ao
desemprego e à consecução de emprego, como as concernentes a creches, ATL e
taxas moderadoras não são dispensáveis.
E, quando, os pais faltam, nomeadamente
pelos motivos apontados acima entre parêntesis, então, sim, às/aos avós ou a quem
comprovar que tem vindo a tomar conta das crianças devem ser prestadas todas as
ajudas ou todos os apoios financeiros, técnicos e logísticos previstos e a
prever para os progenitores, incluindo obviamente as deduções em sede de IRS.
Se os pais não podem cuidar das crianças
por falta de tempo ou por incompatibilidade entre a vida familiar e o trabalho,
há que tomar dois tipos de medidas: gerar essa compatibilidade e/ou reforçar os
apoios aos pais, que, por seu turno, deverão compensar as/os avós ou outros
prestadores dos cuidados às crianças, adolescentes e jovens em idade escolar.
Penso que assim teremos umas medidas que,
inseridas no ordenamento jurídico e social, aparecerão rodeadas da componente
do justo equilíbrio e não eivadas da indevida vertente da ternura ou malícia
que lhes retiraria racionalidade e credibilidade.
Pela proliferação da sadia maternidade e
pelo lídimo superior interesse das crianças!
Sem comentários:
Enviar um comentário