segunda-feira, 7 de julho de 2014

Sobre as estritas atribuições do Conselho de Estado

De acordo com o site da Presidência da República e segundo informação veiculada pelos Meios de Comunicação Social referente ao dia, o venerando Presidente da República presidiu à reunião do Conselho de Estado no passado dia 3 de julho, tendo como tema único da ordem de trabalhos a “situação económica, social e política, face à conclusão do Programa de Ajustamento e ao Acordo de Parceria 2014-2020 entre Portugal e a União Europeia para os Fundos Estruturais”.
No final da reunião, foi divulgado um comunicado, que o porta-voz do Conselho de Estado, Abílio Morgado, leu perante as câmaras de televisão e que visa o cumprimento do estabelecido no art.º 146.º da CRP, em que se pode ler: “os pareceres do Conselho de Estado previstos nas alíneas a) a e) do artigo 145.º são emitidos na reunião que para o efeito for convocada pelo Presidente da República e tornados públicos quando da prática do ato a que se referem”.
O agendamento do tema em análise e respetivo parecer, emitido na reunião e subsequentemente objeto de publicação enquadra-se na segunda parte da alínea e) do art.º 145.º, “aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções, quando este lho solicitar”.
O aludido comunicado apresenta sinteticamente um conteúdo, em parte, pacífico e até útil, com um ponto deveras inútil e nada plausível. É que, se não é desejável dispor de uma instituição republicana banalizada ou “arrapazada”, também é de rejeitar uma postura de paternalismo avoengo ou papal. O Conselho de Estado não tem de formular exortações a ninguém, muito menos a “todas as forças políticas e sociais”. Este órgão, que não é órgão de soberania, mas tão simplesmente órgão político de consulta/aconselhamento do Presidente da República (cf art.º 141.º) – este sim, órgão de soberania ao qual incumbem constitucionalmente competências na prática de atos próprios (art.º 134.º), relativamente a outros órgãos (art.º 133.º) e nas relações internacionais (art.º 135.º).
Gozando o Conselho de Estado como um todo, bem como os conselheiros, considerados singularmente, dotado de inteira liberdade nas suas análises, opiniões e conclusões, todavia, o aconselhamento ao Presidente reveste a forma de parecer e não de exortação paternalista. E, se os conselheiros dispõem da liberdade cívica e política da crítica em relação aos outros órgãos de soberania e às demais instituições públicas e privadas, não lhes são constitucionalmente atribuídas competências em relação a outras entidades e órgãos que não o Presidente.
Por isso, é sensato que o Conselho de Estado tenha declarado que “analisou a atual situação social e económica portuguesa, face aos resultados do Programa de Ajustamento, concluído em 17 de maio” – o dia da dispensa da troika, que não da trela – e que “debateu as condições necessárias para que o País, nesta nova fase da vida nacional, consiga superar o desafio do crescimento económico e do emprego sustentáveis, com preservação da coesão e da justiça social, com sustentabilidade das finanças públicas e equilíbrio das contas externas e com inversão da atual tendência demográfica”.
Também se afigura positivo que os senhores conselheiros tenham reconhecido que a superação do desafio em causa implicauma voz ativa de Portugal na UE em prol do crescimento, do emprego e da coesão, sobretudo no processo em curso de aprofundamento da união económica, orçamental e bancária”, bem comoa utilização muito criteriosa dos fundos estruturais do Acordo de Parceria 2014-2020 entre Portugal e a União Europeia, que deverão contribuir para a obtenção de resultados positivos no debelar dos constrangimentos estruturais da economia portuguesa em matéria de competitividade, internacionalização e assimetrias regionais de desenvolvimento”.
Porém, é detestável que venha inutilmente e desajeitadamente o Conselho de Estado tentar conseguir o que o Presidente não tem conseguido com a sua magistratura de influência: que as forças políticas e sociais, “no quadro da diversidade e pluralidade democrática”, venham a preservar “entre si as pontes de diálogo construtivo” (se nem sequer as construíram por culpas mútuas) e a empenharem “os seus melhores esforços na obtenção de entendimentos quanto aos objetivos nacionais permanentes, fator decisivo da confiança e da esperança dos portugueses”.
Para que, independentemente do destinatário a quem possa dirigir as suas reflexões e análises, o Conselho seja ouvido na sociedade, importa que não queira sobrepor-se à figura do Presidente ou assumir uma postura de autoridade que não tem ou de exortação que não lhe quadra.
A talho de foice, lembram-se as competências do Conselho de Estado (art.º 145.º):
a) “Pronunciar-se sobre a dissolução da Assembleia da República e das Assembleias Legislativas das regiões autónomas” – cf alíneas e) e j) do art.º 133.º;
b) “Pronunciar-se sobre a demissão do Governo, no caso previsto no n.º 2 do artigo 195.º”, ou seja, quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas;
c) “Pronunciar-se sobre a declaração da guerra e a feitura da paz” – cf alínea c) do art.º 135.º;
d) “Pronunciar-se sobre os atos do Presidente da República interino referidos no artigo 139.º”;
e) “Pronunciar-se nos demais casos previstos na Constituição e, em geral, aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções, quando este lho solicitar”.

Convém, pois, que as instituições republicanas, no uso das suas competências e no desempenho das suas funções, primem pelo decoro, mantenham o aprumo no zelo eficiente da coisa pública, na garantia da eficácia das opções que se tomam e na sustentabilidade das medidas que se implementam. Para tanto, exige-se de todos os detentores de cargos públicos a humildade, a clarividência, a discrição e a sobriedade no discurso e na ação.

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