De acordo com o
site da Presidência da República e segundo informação veiculada pelos Meios
de Comunicação Social referente ao dia, o venerando Presidente da República
presidiu à reunião do Conselho de Estado no passado dia 3 de julho, tendo como tema
único da ordem de trabalhos a “situação
económica, social e política, face à conclusão do Programa de Ajustamento e ao
Acordo de Parceria 2014-2020 entre Portugal e a União Europeia para os Fundos
Estruturais”.
No final da reunião, foi divulgado um comunicado, que
o porta-voz do Conselho de Estado, Abílio Morgado, leu perante as câmaras de
televisão e que visa o cumprimento do estabelecido no art.º 146.º da CRP, em que
se pode ler: “os pareceres do Conselho de
Estado previstos nas alíneas a)
a e) do artigo 145.º são
emitidos na reunião que para o efeito for convocada pelo Presidente da República
e tornados públicos quando da prática do ato a que se
referem”.
O agendamento do tema em análise e
respetivo parecer, emitido na reunião e subsequentemente objeto de publicação enquadra-se
na segunda parte da alínea e) do art.º 145.º, “aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções, quando
este lho solicitar”.
O aludido comunicado apresenta sinteticamente
um conteúdo, em parte, pacífico e até útil, com um ponto deveras inútil e nada
plausível. É que, se não é desejável dispor de uma instituição republicana banalizada
ou “arrapazada”, também é de rejeitar uma postura de paternalismo avoengo ou
papal. O Conselho de Estado não tem de formular exortações a ninguém, muito
menos a “todas as forças políticas e sociais”. Este órgão, que não é órgão de
soberania, mas tão simplesmente órgão político de consulta/aconselhamento do Presidente
da República (cf art.º 141.º) – este sim, órgão de soberania ao qual incumbem constitucionalmente
competências na prática de atos próprios (art.º 134.º), relativamente a outros órgãos
(art.º 133.º) e nas relações internacionais (art.º 135.º).
Gozando o Conselho de Estado como
um todo, bem como os conselheiros, considerados singularmente, dotado de
inteira liberdade nas suas análises, opiniões e conclusões, todavia, o aconselhamento
ao Presidente reveste a forma de parecer e não de exortação paternalista. E, se
os conselheiros dispõem da liberdade cívica e política da crítica em relação aos
outros órgãos de soberania e às demais instituições públicas e privadas, não
lhes são constitucionalmente atribuídas competências em relação a outras
entidades e órgãos que não o Presidente.
Por isso, é sensato que o Conselho
de Estado tenha declarado que “analisou a atual situação social e económica
portuguesa, face aos resultados do Programa de Ajustamento, concluído em 17 de
maio” – o dia da dispensa da troika, que
não da trela – e que “debateu as
condições necessárias para que o País, nesta nova fase da vida nacional,
consiga superar o desafio do crescimento económico e do emprego sustentáveis,
com preservação da coesão e da justiça social, com sustentabilidade das
finanças públicas e equilíbrio das contas externas e com inversão da atual
tendência demográfica”.
Também se afigura positivo que os senhores conselheiros tenham reconhecido que a superação do
desafio em causa implica
“uma voz
ativa de Portugal na UE em prol do crescimento, do emprego e da coesão,
sobretudo no processo em curso de aprofundamento da união económica, orçamental
e bancária”, bem como “a utilização muito criteriosa dos fundos
estruturais do Acordo de Parceria 2014-2020 entre Portugal e a União Europeia,
que deverão contribuir para a obtenção de resultados positivos no debelar dos
constrangimentos estruturais da economia portuguesa em matéria de
competitividade, internacionalização e assimetrias regionais de desenvolvimento”.
Porém, é detestável que venha inutilmente e
desajeitadamente o Conselho de Estado tentar conseguir o que o Presidente não
tem conseguido com a sua magistratura de influência: que as forças políticas e sociais,
“no quadro da diversidade e pluralidade
democrática”, venham a preservar “entre
si as pontes de diálogo construtivo” (se nem sequer as construíram por
culpas mútuas) e a empenharem “os seus
melhores esforços na obtenção de entendimentos quanto aos objetivos nacionais
permanentes, fator decisivo da confiança e da esperança dos portugueses”.
Para que, independentemente do
destinatário a quem possa dirigir as suas reflexões e análises, o Conselho seja
ouvido na sociedade, importa que não queira sobrepor-se à figura do Presidente
ou assumir uma postura de autoridade que não tem ou de exortação que não lhe
quadra.
A
talho de foice, lembram-se as competências do Conselho de Estado (art.º 145.º):
a) “Pronunciar-se sobre
a dissolução da Assembleia da República e das Assembleias Legislativas das regiões
autónomas” – cf alíneas e) e j) do art.º 133.º;
b)
“Pronunciar-se sobre a demissão do Governo, no caso previsto no n.º 2 do artigo
195.º”, ou seja, quando tal se torne necessário para assegurar o regular
funcionamento das instituições democráticas;
c) “Pronunciar-se sobre
a declaração da guerra e a feitura da paz” – cf alínea c) do art.º 135.º;
d) “Pronunciar-se sobre
os atos do Presidente da República interino referidos no artigo 139.º”;
e) “Pronunciar-se nos
demais casos previstos na Constituição e, em geral, aconselhar o Presidente da
República no exercício das suas funções, quando este lho solicitar”.
Convém,
pois, que as instituições republicanas, no uso das suas competências e no desempenho
das suas funções, primem pelo decoro, mantenham o aprumo no zelo eficiente da
coisa pública, na garantia da eficácia das opções que se tomam e na
sustentabilidade das medidas que se implementam. Para tanto, exige-se de todos os
detentores de cargos públicos a humildade, a clarividência, a discrição e a
sobriedade no discurso e na ação.
Sem comentários:
Enviar um comentário