quarta-feira, 23 de julho de 2014

Maria Madalena, discípula e apóstola

Maria de Magdala ou Maria Madalena (em grego Μαρία ἡ Μαγδαληνή) é mencionada no Novo Testamento como uma das seguidoras e discípulas mais dedicadas de Jesus Cristo, mesmo uma apóstola, a avaliar pelas atitudes. Seguiu-O muito assiduamente, acompanhou-O, ao lado de Maria de Nazaré, a mãe d’ Ele, na sua caminhada para o Calvário e assistiu à sua crucifixão e morte. Mereceu mesmo ser a primeira pessoa a ver o Redentor redivivo na madrugada daquele primeiro dia da semana, o dia de Páscoa, ou seja, a primeira testemunha da Ressurreição de entre os mortos e a encarregada de avisar os discípulos, a apóstola dos apóstolos (cf Mc 16,9-10).
O seu culto difundiu-se no Ocidente sobretudo a partir do século XII. É presentemente considerada santa pelas Igrejas Católica, Ortodoxa e Anglicana, sendo celebrada no dia 22 de julho a memória litúrgica daquela Maria que veio de Magdala para a costa oeste do Mar da Galileia, perto de Tiberíades na Judeia.
É a padroeira das cabeleireiras, estilistas de cabelos, podólogos, pecadores penitentes, prostitutas arrependidas, perfumistas, manicures, fabricantes de perfumes, fabricantes de esmaltes, óleos para o corpo.
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Ouvir o nome “Maria Madalena” faz lembrar, na maioria das vezes, a mulher pecadora e de má nota do Evangelho. Poucos recordam que dela foram tirados sete demónios (cf Mc 16,9; Lc 8,2) e que foi perdoada de seus numerosos pecados (cf Lc 7,47). Muitos se esquecem de que ela se arrependera do mal praticado e que, tendo vivido uma vida de penitente, se tornou uma grande santa. E o segredo da sua santificação reside exatamente no amor intenso a Deus.  Foi mesmo a propósito dela que o Senhor disse: “Em verdade vos digo: em toda a parte onde for pregado este Evangelho pelo mundo inteiro, será contado em sua memória o que ela fez” (Mt 26,13).
A Igreja grega ou ortodoxa, seguindo Orígenes (aliás como santo Ambrósio de Milão), distingue, a propósito de Maria Madalena, três figuras, celebrando festa a três personalidades diferentes, nomeadamente no segundo domingo após a Páscoa. No entanto, a Igreja Romana segue o ensino do Papa São Gregório Magno, zeloso reformador da Igreja no estabelecimento de regras para o canto e cerimónias litúrgicas e criador do calendário gregoriano, que se notabilizou no estudo da Hagiologia (Vida dos Santos e Sagrada Escritura). Segundo o seu estudo, Maria Madalena, Maria de Betânia e Maria pecadora – citadas nos evangelhos – serão a mesma pessoa – razão pela qual a Santa seria, entre as mulheres, aquela cujo nome é mais recorrente naqueles textos sagrados. Terá nascido em Magdala, ou segundo alguns em Betânia (cerca do ano 3 dC), e viveu no século I. Conhecendo Jesus, que seguiu e acompanhou até ao fim, foi contemporânea de Nossa Senhora, dos Apóstolos, dos primeiros cristãos. Era irmã de Marta e de Lázaro, aquele que o Mestre ressuscitou (cf Jo. 11,1-2.43.44). 
Maria Madalena foi a mulher a quem Jesus exorcizou (cf Mc16, 9).Jesus andava pelas cidades e aldeias anunciando a boa nova do Reino de Deus. Os doze estavam com Ele, como também algumas mulheres que tinham sido libertas de espíritos malignos e curadas de enfermidades: entre elas, contava-se Maria, a Madalena, da qual tinham saído sete demónios (cf Lc. 8,1-2).
É a partir daí que ela passou a acompanhar assiduamente Jesus, agradecida, amando a Deus, santificando-se. Nas principais citações que o Evangelho traz dela, fica destacada a sua admiração pelo Mestre; e a contemplação de Deus na Pessoa de Cristo foi a escolha da melhor parte, que jamais lhe será tirada. Apesar de habitualmente exercer tarefas tradicionalmente destinadas às mulheres, em suas atividades procurava dar mais importância ao Deus das obras que às obras de Deus: ela havia escolhido a melhor parte (cf Lc 10,38-42).
Maria foi aquela que ungira o Senhor com óleos perfumados e Lhe enxugara os pés com os cabelos durante um banquete em que Jesus participava. Apesar de ainda ser pecadora, havia já dado mostras de sua escolha da admiração contemplativa: “Convidado a comer com um fariseu, Jesus entrou na casa e pôs-se à mesa. Uma pecadora da cidade, sabendo da presença do Mestre, trouxe um vaso de alabastro cheio de perfume; e, postando-se-lhe aos pés, por detrás d’Ele, começou a chorar. Suas lágrimas banhavam-Lhe os pés, e ela enxugava-os com os cabelos, beijando-os e ungindo-os com o perfume”. (cf Lc 7,36-38).
Esta mulher contemplativa esteve no Calvário: “Havia ali grande número de mulheres (...) que tinham seguido Jesus desde a Galileia para O servir. Entre elas, Maria Madalena…” (Mt. 27,55-56).  E, quando todos fugiram, “junto à cruz de Jesus estavam de pé sua Mãe, a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena” (Jo 19,25).
O seu amor contemplativo rendeu-lhe os melhores frutos: não só o perdão dos pecados e a graça de insigne e exemplar arrependimento, mas ainda outras graças espirituais. Talvez a maior de todas tenha sido a de testemunha privilegiada da Ressurreição do Salvador: “Tendo Jesus ressuscitado de manhã, no primeiro dia da semana apareceu primeiramente a Maria de Magdala, de quem tinha expulsado sete demónios” (cf Mc. 16,9). O seu amor ao Messias já fizera com que ela, após a morte de Jesus, estivesse junto d’Ele também em Seu sepultamento. Mas, depois que a pedra foi rolada, Maria Madalena e a outra Maria ficaram lá, sentadas diante do túmulo (Mt 27,61).  No que pensava ela ali sentada? Ninguém sabe. A certeza que se tem é que ela não pensava em si, pois, o Mestre era o centro de suas cogitações.
Passou-se a sexta-feira, passou-se o sábado. Depois do sábado, quando amanhecia o primeiro dia da semana, Maria Madalena, e a outra Maria foram ver o túmulo (Mt 28,1). Ela, vendo o túmulo vazio, num primeiro momento, pensou que tinham roubado o corpo de Jesus, mas depois viu e ouviu dois anjos que anunciavam a Ressurreição de Cristo (cf Lc 24,6), sendo ela a primeira testemunha do Ressuscitado e a primeira a ver Cristo um pouco mais tarde, na mesma manhã, quando o Mestre lhe confiou a mensagem a entregar aos demais discípulos (cf Jo 20,1-18).
São Gregório Magno comenta que Maria Madalena amava tanto o Senhor que não se afastava do sepulcro, chorando; sentia saudade daquele que pensava ter sido roubado. Por isso, somente ela O viu, porque somente ela perseverara. Compara-a a David, que no Salmo diz: Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo (Sl 41,3). Ao reconhecer Jesus, imediatamente o coloca acima de tudo, chamando-o Mestre. O termo “Rabuni” (cf Jo 20,16) empregado por ela é mais solene que o habitual “Rabi” e é usado principalmente quando se refere a Deus, da mesma maneira que o faz, por exemplo, São Tomé (cf Jo 20,28).
Curada em definitivo e expulsos os demónios por Jesus, Maria Madalena coloca-se inteiramente ao serviço do Reino de Deus, fazendo um caminho de discipulado, seguindo o Senhor no amor e no serviço. Mas, a partir do encontro com Jesus Ressuscitado, Maria Madalena, a discípula fiel, continuou a conviver com os apóstolos e discípulos (cf At 1,14), sendo um exemplo vivo das graças que o Senhor lhe dispensou, levando uma vida de testemunho e de luta por uma santidade maior.
Algumas teorias a respeito de Maria Madalena
A ater-nos ao Evangelho de Maria Madalena, ela teria sido uma discípula de suma importância à qual Jesus teria confidenciado informações que não teria passado a outros discípulos – uma especial confidente de Jesus durante o seu ministério público. O facto de ser alguém mais próximo de Jesus do que os demais terá azado uma veemente interpelação da parte de Pedro e de André. No entanto, ninguém na era apostólica questionou o protagonismo de Pedro.
Após ter dito aquilo, o Bem-aventurado saudou-os a todos, dizendo: “A Paz esteja convosco – que minha Paz seja gerada e se complete em vós! Velai para que ninguém vos engane dizendo: ‘Ei-lo aqui! Ei-lo ali!’. Porque é em vosso interior que está o Filho do Homem; ide a Ele: aqueles que o procuram o encontram. Em marcha! Anunciai o Evangelho do Reino!”.
Pedro disse: “O Salvador realmente falou com uma mulher sem nosso conhecimento? Devemos voltar-nos e escutar essa mulher? Ele preferiu-a a nós?”. E Levi respondeu: “Pedro, tu sempre foste precipitado. Agora vejo-te a lutar contra a mulher como contra um adversário. Se o Salvador a tornou digna, quem és tu para rejeitá-la? Certamente o Salvador a conhece muito bem”. (do Evangelho de Maria Madalena).
Ficcionistas e estudiosos contemporâneos, sobretudo Margaret George, Henry Lincoln, Michael Baigent e Richard Leigh, autores do livro O Santo Graal e a Linhagem Sagrada (1982), e Dan Brown,  autor do romance O Código da Vinci (2003), apresentam Maria de Magdala como uma apóstola, esposa de Jesus de quem haveria tido filhos, nomeadamente uma menina que teria nascido após a morte do pai. Nessas elucubrações, tais factos teriam sido ocultados por revisionistas cristãos que teriam alterado os Evangelhos, a fim de promoverem uma determinada linha masculinizante e puritana do Cristianismo. Torna-se, não obstante, pertinente declarar que, ainda que alguma ou algumas dessas hipóteses fossem confirmadas, nada de essencial faria perigar o desígnio salvífico: não seria a esposa ou o filho ou a filha a vedar as vias da Graça. A vinda do Filho de Deus à Terra a viver a nossa vida e por nós morrer teria similar esplendor.
Aqueles autores baseiam as suas afirmações alegadamente em determinados pontos menos claros dos evangelhos canónicos e nos livros apócrifos do Novo Testamento, além de alguns dos escritos gnósticos – e vendem! Segundo os evangelhos aceites pela Igreja Católica, Jesus Cristo, o “filho de Deus”, não integrou, na sua vinda à Terra o casamento com uma mulher e muito menos a geração de prole, mas a vida e vida em abundância para todos e, a partir da doutrina revelada e a revelar e da situação das pessoas, a assunção do testemunho da vida nos últimos tempos – a escatologia. Portanto, para os parâmetros desta Igreja, Maria Madalena não foi e nem poderia ter sido a esposa de Jesus.
No entanto, é imperioso não desvalorizar a assunção discipular e apostólica de Maria Madalena e das outras mulheres – o que deve fazer repensar o lado feminino da Igreja e a integração da mulher em dinâmica eclesial mais intensa, bem como nos levará a fitar a face materna de Deus.
Tornou-se muito conhecido, com a publicação do livro de Dan Brown, o argumento de que na tela “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci, a personagem que está à direita de Cristo, alegadamente com traços femininos, será Maria Madalena e não o apóstolo João, como todos aduziram até então. O facto de Jesus não envergar nenhum cálice – o Graal (o cálice por onde Jesus e os apóstolos teriam bebido na Ceia) – poderá ter levado a interpretações consideradas “flagrantemente abusivas” do ponto de vista histórico e religioso, como acreditar que Maria Madalena é, de facto, o cálice sagrado onde repousa o sangue de Cristo ou seja, que ela estaria grávida de Jesus Cristo.
Embora do ponto de vista literário não haja peias à liberdade de criação, praticamente todos os teólogos consideram inaceitável a história narrada no romance de Dan Brown. Argumentam que Leonardo da Vinci se inspirara no evangelho de João (cf Jo 13,23; 21,20) em que se menciona o discípulo amado – o próprio apóstolo João – e não propriamente nas passagens referentes à instituição da Eucaristia.
Em relação a estudiosos que validam a teoria – alegando que a própria existência de Jesus Cristo não está comprovada até hoje e que qualquer hipótese relativa a tão obscuras e confusas tradições e escritos pode ser levada em consideração para análises à luz da Ciência – há que lembrar (sem referir toda a caminhada da Humanidade até hoje) o que a História da época escreve sobre Jesus, como é o caso de Flávio Josefo e Públio Cornélio Tácito: o primeiro é um historiador judeu; e o segundo é bibliotecário romano e biógrafo de Nero e de César.

A História de uma Santa Virgem?
Segundo a tradição eclesiástica, juntamente com a Virgem Maria e o Apóstolo João, Maria Madalena foi evangelizar em Éfeso e lá terá falecido. São Willibald diz que viu a sua tumba em Éfeso (hoje Turquia) no século VIII. No entanto, uma outra história, que desde há muito corre no Ocidente, regista que ela viajou para a Provença, no sul de França, na companhia de seus irmãos Marta e Lázaro e mais outros discípulos para evangelizar Gaul. Neste local, ela terá passado 30 anos de vida na caverna de La Saint-Baume, nos Alpes Marítimos. Porém, milagrosamente transportada, pouco antes de sua morte, para a Capela de Saint-Maximin, onde recebera os últimos sacramentos da Igreja, terá sido sepultada em Aix. Vazelay, da França, afiança que suas relíquias ali estão desde o século XI (dados não comprovados). E o certo é que, no Ocidente, o culto à Santa se propagou a partir do Século XII.
Na arte sacra, Maria Madalena é representada com longos cabelos, segurando uma jarra própria para guardar óleos perfumados. Entre as cenas em que aparece retratada, salientam-se as seguintes: chorando no Calvário; chorando e lavando os pés de Jesus; brincando com Ele em Betânia; com Marta (do grande mestre Caravaggio); com Marta na ressurreição de Lázaro; com as duas outras Marias no túmulo de Jesus; penitente no deserto com os cabelos longos e a sua jarra; com Santa Maria do Egito; e com cenas do navio naufragado na sua presumível viagem com Lázaro e Marta a Marselha.
Quando se reza ou canta a Ladainha de Todos os Santos, encontra-se o nome de Santa Maria Madalena como a primeira das invocações das Santas Virgens (e Viúvas, segundo leitura mais atenta). Embora nada cause espanto a quem sabe que a Deus nada é impossível, não é a dimensão física da virgindade que está em causa em Maria Madalena. É a excelência da beleza da contrição e do perdão que se exalta na total regeneração da pecadora (mais alegria nos Céus – cf Lc 15,7) e que a torna equipolente à inocência santificada e santificante das almas virgens, pela recuperação da castidade e entrega incondicional ao místico Esposo. Aquele que é capaz de “transformar as pedras brutas em Filhos de Abraão”, bem pode devolver a uma pecadora a integridade, sobretudo se ela muito se arrependeu, muito contemplou, muito amou. 

Referências

http://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Madalena, ac. julho 2014; Leite, J.; Coelho, A. (2005). Santos de Todos os Dias. Vol. de julho. Matosinhos: Quid novi; Sacra Congregatio pro Cultu Divino (1989). Liturgia das Horas, III. Coimbra: Gráfica de Coimbra) 

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