sexta-feira, 18 de julho de 2014

Um novo membro da CPLP: porque sim, porque não, porque sim

No próximo dia 23 de julho, na cimeira de Dili, a Guiné Equatorial (GE) vai tornar-se membro de Pleno Direito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Esta decisão, a tomar pela Conferência de Chefes de Estado e de Governo, vem sendo muito criticada, uma vez que na GE o Português não é considerado nem língua oficial nem dispõe de número significativo de falantes desta maravilhosa língua. Assim, segundo o colunista da “Visão” José Carlos de Vasconcelos, em artigo de 17 de julho, sob o título “CPLP: petróleo, ‘über alles’…”, esta “cimeira que deveria ficar na História da CPLP pelas melhores razões – desde logo pelo simbolismo de se realizar no mais novo país que a integra, com uma heroica luta pela independência e cuja opção pelo Português é uma das marcas decisivas da sua identidade nacional –, ficará pelas piores: será a cimeira da vergonha.
É certo que a mencionada Conferência é soberana nas suas decisões (vd Estatutos, art.º 6.º/2), sobretudo se decidir no seguimento de recomendação da Assembleia Parlamentar. No entanto, não deixa de se tornar estranho o facto de ser admitido como membro de pleno direito da CPLP um Estado que não tem por língua oficial o Português ou, pelo menos, em que haja uma comunidade significativa de falantes deste idioma – que parece contrariar de forma clara os estatutos desta organização (vd art.º 6.º). Será que a GE formulou o pedido de adesão em língua portuguesa (art.º 6.º/3), vai instituir o Português como uma das suas línguas oficiais (art.º 6.º/1) e empenhar-se-á na promoção e difusão da Língua Portuguesa (vd alínea “c” do n.º 1 do art.º 4.º)?
Pode argumentar-se que a CPLP tem outros objetivos, além da Língua, como: “a concertação político-diplomática entre os seus membros, em matéria de relações internacionais, nomeadamente para o reforço da sua presença nos fora internacionais” e “a cooperação em todos os domínios, inclusive os da educação, saúde, ciência e tecnologia, defesa, oceanos e assuntos do mar, agricultura, segurança alimentar, justiça, segurança pública, economia, comércio, cultura, desporto e comunicação social” (vd art.º 4.º, n.º 1, alíneas “a” e “b”, respetivamente). Ora, como nos termos do n.º 2 do art.º 4.º a materialização dos objetivos se apoia em mecanismos de concertação e cooperação existentes ou a estabelecer no âmbito da Comunidade, bem pode a GE enveredar pelos parâmetros acima enunciados. Caso contrário, o máximo que se poderia atribuir à GE seria a qualidade de observador associado ou observador consultivo da CPLP, nos termos do art.º 8.º
As críticas, entretanto, salientam a governação da GE como assente num regime ditatorial dos mais sangrentos e corruptos de África (Qual o espanto?!). E este é o principal óbice, do meu ponto de vista, mas o regime poderia mudar se houvesse vontade política e determinação existente e reconhecida nas gentes que sofrem tudo, até pelo delito de opinião.
É verdade que um dos princípios orientadores da CPLP é o da “não ingerência nos assuntos internos de cada Estado” (vd alínea “b” do n.º 1 do art.º 5.º), mas o elenco de princípios orientadores comporta outros, como: o “primado da paz, da democracia, do estado de direito, da boa governação, dos direitos humanos e da justiça social” (vd alínea “e”) e a “promoção do desenvolvimento sustentável” (vd alínea “g”). Será que a CPLP terá vontade política capaz e força suficiente para estimular a cooperação de todos os seus membros, incluindo um novo membro, “com o objetivo de promover as práticas democráticas, a boa governação e os direitos humanos” (vd art.º 5.º/2), quando tais valores estão pelas ruas da amargura na Guiné-Bissau, de difícil prática em Angola e Moçambique e acusando alguma degradação em Portugal e no Brasil (sobretudo em matéria económica, promotora da austeridade, da desigualdade social e das assimetrias regionais, e em silenciamento, devido ao espectro da cada vez maior precariedade no emprego)? Ademais, que dizer do facto de a CPLP ter exigido como condição de adesão que as autoridades da GE abolissem a pena de morte, tendo obtido como resposta, que aceitou, a informação de que a mesma estava suspensa?
No entanto, a este respeito, atente-se no teor da resposta de Renato Epifânio, Presidente do MIL (Movimento Internacional Lusófono) à questão de O Diabo, do passado dia 15, “Como comenta as críticas que têm sido feitas à adesão da GE à CPLP? Eis a resposta, cheia, não de razão, mas de justa oportunidade:
Salvo as sempre honrosas exceções, julgamos que as críticas têm sido pautadas pela maior hipocrisia. É certo que na Guiné-Equatorial subsistem graves problemas de direitos humanos – mas o mesmo não acontece noutros países da CPLP? E o mesmo se diga quanto à dita “lógica expansionista” da CPLP: os que a denunciam são, na maior parte dos casos, os mesmos que aplaudem a “integração” europeia da Ucrânia, ainda que isso agrave o conflito suicidário com a Rússia. Neste caso, não há conflito algum: é expectável que, dentro da CPLP, a Guiné-Equatorial evolua e que a CPLP fique mais forte. Para desgosto daqueles que querem uma CPLP pequenina…
Como foi afirmado já, trata-se de um enunciado em que a razão de base não subsiste de todo ou se apresenta muito fraca. No entanto, é de relevar a denúncia da hipocrisia, da dualidade de critérios perante situações análogas e da tentação de reduzir o âmbito das organizações que pretendem constituir-se em plataforma alargada de interesses.
Estarão em causa interesses alheios à Língua Portuguesa, mas não aos ditames económicos da lusofonia, como a compensação pela recuperação do Banif, desgastado pelas guerras de família, ou o negócio do petróleo?
Enquanto me apetece perguntar o que é que não constitui negócio nas relações internacionais e na administração dos negócios internos dos Estados, em que há promiscuidades de todo o tamanho e feitio, quero crer que é possível que a GE evolua no sentido indicado pelo presidente do MIL – o que não é dado adquirido – mas não posso, contudo, deixar de alinhar na denúncia da duplicidade de critérios, emergente das críticas à CPLP, bem como de afirmar a supremacia do Estado de Direito Democrático e a primazia da garantia dos direitos humanos sobre os interesses económicos e financeiros. Não mais a pena de morte, a tortura ou o condicionamento do pensamento e da opinião!
Porém, a presente reflexão, antes da sua finalização, leva-ma a formular a provocatória dupla pergunta: O que levou o Brasil em regime de ditadura militar de direita a encabeçar o rol dos países que reconheceram o governo do MPLA na designada República Popular de Angola nos dias subsequente à declaração de independência, em 1975? Ou o que move a diplomacia dos EUA a intrometer-se num dos lados em zonas em que haja conflito militar? Certamente que não é a paz, a democracia, a justiça.

“É o petróleo, pateta!” – parece que me sussurram ao ouvido esta explicação…

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