No próximo dia 23 de julho, na
cimeira de Dili, a Guiné Equatorial (GE) vai tornar-se membro de Pleno Direito
da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Esta decisão, a tomar pela Conferência
de Chefes de Estado e de Governo, vem sendo muito criticada, uma vez que na GE o
Português não é considerado nem língua oficial nem dispõe de número
significativo de falantes desta maravilhosa língua. Assim, segundo o colunista
da “Visão” José Carlos de Vasconcelos, em artigo de 17 de julho, sob o título “CPLP:
petróleo, ‘über alles’…”, esta “cimeira que deveria ficar na História da CPLP
pelas melhores razões – desde logo pelo simbolismo de se realizar no mais novo país
que a integra, com uma heroica luta pela independência e cuja opção pelo
Português é uma das marcas decisivas da sua identidade nacional –, ficará pelas
piores: será a cimeira da vergonha.
É certo que a mencionada Conferência
é soberana nas suas decisões (vd Estatutos, art.º 6.º/2), sobretudo se decidir
no seguimento de recomendação da Assembleia Parlamentar. No entanto, não deixa
de se tornar estranho o facto de ser admitido como membro de pleno direito da
CPLP um Estado que não tem por língua oficial o Português ou, pelo menos, em
que haja uma comunidade significativa de falantes deste idioma – que parece
contrariar de forma clara os estatutos desta organização (vd art.º 6.º). Será que
a GE formulou o pedido de adesão em língua portuguesa (art.º 6.º/3), vai
instituir o Português como uma das suas línguas oficiais (art.º 6.º/1) e
empenhar-se-á na promoção e difusão da Língua Portuguesa (vd alínea “c” do n.º
1 do art.º 4.º)?
Pode argumentar-se que a CPLP tem
outros objetivos, além da Língua, como: “a concertação político-diplomática
entre os seus membros, em matéria de relações internacionais, nomeadamente para
o reforço da sua presença nos fora
internacionais” e “a cooperação em todos os domínios, inclusive os da educação,
saúde, ciência e tecnologia, defesa, oceanos e assuntos do mar, agricultura,
segurança alimentar, justiça, segurança pública, economia, comércio, cultura,
desporto e comunicação social” (vd art.º 4.º, n.º 1, alíneas “a” e “b”,
respetivamente). Ora, como nos termos do n.º 2 do art.º 4.º a materialização
dos objetivos se apoia em mecanismos de concertação e cooperação existentes ou
a estabelecer no âmbito da Comunidade, bem pode a GE enveredar pelos parâmetros
acima enunciados. Caso contrário, o máximo que se poderia atribuir à GE seria a
qualidade de observador associado ou observador consultivo da CPLP, nos termos
do art.º 8.º
As críticas, entretanto,
salientam a governação da GE como assente num regime ditatorial dos mais sangrentos
e corruptos de África (Qual o espanto?!). E este é o principal óbice, do meu
ponto de vista, mas o regime poderia mudar se houvesse vontade política e
determinação existente e reconhecida nas gentes que sofrem tudo, até pelo
delito de opinião.
É verdade que um dos princípios orientadores
da CPLP é o da “não ingerência nos assuntos internos de cada Estado” (vd alínea
“b” do n.º 1 do art.º 5.º), mas o elenco de princípios orientadores comporta
outros, como: o “primado da paz, da democracia, do estado de direito, da boa
governação, dos direitos humanos e da justiça social” (vd alínea “e”) e a “promoção
do desenvolvimento sustentável” (vd alínea “g”). Será que a CPLP terá vontade
política capaz e força suficiente para estimular a cooperação de todos os seus
membros, incluindo um novo membro, “com o objetivo de promover as práticas
democráticas, a boa governação e os direitos humanos” (vd art.º 5.º/2), quando
tais valores estão pelas ruas da amargura na Guiné-Bissau, de difícil prática
em Angola e Moçambique e acusando alguma degradação em Portugal e no Brasil (sobretudo
em matéria económica, promotora da austeridade, da desigualdade social e das assimetrias
regionais, e em silenciamento, devido ao espectro da cada vez maior precariedade
no emprego)? Ademais, que dizer do facto de a CPLP ter exigido como condição de
adesão que as autoridades da GE abolissem a pena de morte, tendo obtido como
resposta, que aceitou, a informação de que a mesma estava suspensa?
No entanto, a este respeito,
atente-se no teor da resposta de Renato Epifânio, Presidente do MIL (Movimento
Internacional Lusófono) à questão de O
Diabo, do passado dia 15, “Como comenta
as críticas que têm sido feitas à adesão da GE à CPLP? Eis a resposta, cheia, não
de razão, mas de justa oportunidade:
Salvo
as sempre honrosas exceções, julgamos que as críticas têm sido pautadas pela maior
hipocrisia. É certo que na Guiné-Equatorial subsistem graves problemas de
direitos humanos – mas o mesmo não acontece noutros países da CPLP? E o mesmo
se diga quanto à dita “lógica expansionista” da CPLP: os que a denunciam são, na
maior parte dos casos, os mesmos que aplaudem a “integração” europeia da
Ucrânia, ainda que isso agrave o conflito suicidário com a Rússia. Neste caso,
não há conflito algum: é expectável que, dentro da CPLP, a Guiné-Equatorial
evolua e que a CPLP fique mais forte. Para desgosto daqueles que querem uma
CPLP pequenina…
Como foi afirmado já, trata-se de
um enunciado em que a razão de base não subsiste de todo ou se apresenta muito
fraca. No entanto, é de relevar a denúncia da hipocrisia, da dualidade de critérios
perante situações análogas e da tentação de reduzir o âmbito das organizações que
pretendem constituir-se em plataforma alargada de interesses.
Estarão em causa interesses alheios
à Língua Portuguesa, mas não aos ditames económicos da lusofonia, como a
compensação pela recuperação do Banif, desgastado pelas guerras de família, ou
o negócio do petróleo?
Enquanto me apetece perguntar o
que é que não constitui negócio nas relações internacionais e na administração dos
negócios internos dos Estados, em que há promiscuidades de todo o tamanho e
feitio, quero crer que é possível que a GE evolua no sentido indicado pelo
presidente do MIL – o que não é dado adquirido – mas não posso, contudo, deixar
de alinhar na denúncia da duplicidade de critérios, emergente das críticas à
CPLP, bem como de afirmar a supremacia do Estado de Direito Democrático e a primazia
da garantia dos direitos humanos sobre os interesses económicos e financeiros.
Não mais a pena de morte, a tortura ou o condicionamento do pensamento e da opinião!
Porém, a presente reflexão, antes
da sua finalização, leva-ma a formular a provocatória dupla pergunta: O que
levou o Brasil em regime de ditadura militar de direita a encabeçar o rol dos
países que reconheceram o governo do MPLA na designada República Popular de
Angola nos dias subsequente à declaração de independência, em 1975? Ou o que
move a diplomacia dos EUA a intrometer-se num dos lados em zonas em que haja conflito
militar? Certamente que não é a paz, a democracia, a justiça.
“É o petróleo, pateta!” – parece que
me sussurram ao ouvido esta explicação…
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