A agência Ecclesia, com base em informação prestada pela FEC (Fundação Fé e
Cooperação), noticia, em 9 de julho, que “cerca de 550 jovens e adultos vão
realizar este ano projetos de voluntariado missionário em países em
desenvolvimento e 992 em Portugal”. Por outro lado, a notícia refere que, neste
ano, são 127 os voluntários que vão repetir a experiência de missão e que são países
lusófonos como Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Timor-Leste,
Brasil, que dominam a lista dos destinos de missão.
Catarina António, do Departamento
de Educação para o Desenvolvimento daquela fundação da Igreja Católica em
Portugal salienta duas coisas importantes: o aumento de voluntários do ano
passado para o corrente, que regista presentemente o maior número de
voluntários em missão fora de Portugal desde que a FEC começou a publicar dados
relativos a estas iniciativas; e a situação sócio-laboral de alguns dos
voluntários, pessoas que “largaram o seu emprego” para integrarem o
desenvolvimento desta modalidade de projetos (projetos missionários).
Em maré em que a Igreja Católica
é apontada a dedo ou é olhada de soslaio – em razão dos abomináveis casos de
pedofilia e abuso sexual de menores por parte de clérigos e também de alguns
leigos mais ligados ao apostolado, bem como mercê de alegadamente persistir em
doutrinas e proposta de práticas que não acompanham o devir do mundo e das
sociedades – é necessário contrariar o “apagão” generalizado sobre o bem que a
Igreja Católica faz por toda a parte.
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É bem verdade que Sua Santidade
tem razão quando sublinha o pecado de omissão que ocorre quando não se previnem
os crimes, não se denunciam ou não se castigam – embora o Papa faça o enfoque
numa área de pecado bem conhecida. Porém, não pode deixar de sublinhar-se que o
pecado de omissão, por vezes, grave ganhou foros de cidadania penitencial no
pretérito século XX. Já os moralistas pré-conciliares apontavam com a devida
ênfase a pecaminosidade da omissão do bem, mas a reforma litúrgica
pós-conciliar, na sequência da doutrina e do apelo à prática, consagra este
item doutrinal nos formulários do exame de consciência e na fórmula do “confiteor”, “que pequei muitas vezes por pensamentos, palavras, atos e omissões”,
como se reza em muitas ocasiões, sobretudo no ato penitencial da celebração
eucarística. Porém, a denúncia de crimes não pode transformar-se em frenesim
delatório implicando a absoluta falta de confiança na regeneração das pessoas –
vítimas e sobretudo prevaricadores – como sinaliza a onda de pensamento
dominante. E, sobretudo, não pode compaginar uma antievangélica postura, contra
aquilo que vem prescrito no Evangelho de Mateus (vd Mt 18,15-17): repreensão a
sós, repreensão perante dois ou três irmãos, participação à comunidade,
consideração do outro como pagão (no sentido de maior atenção e solicitude e
não de ostracização ou anatematização).
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Voltando ao dever de contrariar o
“apagão”, convém dar relevo a uma iniciativa tão importante de um organismo da
Igreja (e é preciso e justo badalar aos quatro ventos muitas mais e destacar
personalidades que servem de exemplo a seguir), que significa uma postura de
entrega em crescendo (de 2013 para 2014 o aumento foi de cerca da centena de
pessoas). Mas essa postura apresenta uma novidade: para lá das pessoas
desempregadas, estudantes de férias, estudantes que interrompem estudos ou
trabalhadores que, para se incorporarem numa missão ad gentes, precisam de requerer uma licença sem vencimento, vêm
também aqueles que se desempregam sem termo temporal para partir.
A predita responsável explica que
de modo diferente do que sucede com o voluntariado mais comum (até o regulado
por lei), o voluntariado missionário, enquadrado pela Igreja Católica,
significa “abandonar tudo”, família, amigos, conforto, durante um período entre
um mês e dois anos, e “ir para o desconhecido, às vezes, para países onde as
necessidades são enormes” – o que postula toda uma mudança na vida de quem
parte e notou-se este ano uma evolução nesses números”, como se disse.
Por outro lado, o voluntariado
que reveste esta modalidade constitui “uma forma de mostrar à sociedade, hoje
em dia em que se fala tanto que se perderam valores, que o voluntariado
missionário é uma forma muito presente no dia a dia e que o voluntariado
nacional continua a existir de uma forma muito focada”. Se o próprio Estado
preconiza a cada passo a necessidade de divulgação das boas práticas, porque
não o poderá fazer a Igreja, se isso servir, não para alimentar a vanitas vanitatum de alguns, mas para
edificação da comunidade?
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A informação veiculada pela
agência Ecclesia e acima referenciada
especifica ainda outros dados, a saber:
Nas áreas de atividade abrangidas
por este tipo de trabalho incluem-se a educação / formação, a animação
sociocultural, a construção de infraestruturas, a saúde, a pastoral social e a atenção especial às
populações mais jovens e aos idosos. Verifica-se ainda, segundo a citada responsável
da FEC, um aumento no trabalho com mulheres e na formação a professores”.
Mas, como se deixou entrever, a
referida fundação desenvolve também operosa atividade no seio do território
nacional. Os voluntários que integram a rede por ela coordenada desenvolvem
atividades de animação sociocultural e de trabalho pastoral, num total conjunto
de 66% de ação nestes campos; 50% das entidades focam o seu trabalho nas
crianças e nos jovens e 23% tem especial atenção à população mais idosa; 11%
dedicam-se ao trabalho com famílias.
A FEC, de
existência ainda não longa, dinamiza a Rede do Voluntariado Missionário em
Portugal desde 2002 e, anualmente, reúne os dados estatísticos desta realidade
que ao longo dos últimos anos levou 5449 voluntários a países em
desenvolvimento.
Segundo o que se pode ler no site respetivo, a FEC – Fundação Fé e Cooperação foi criada
pela Conferência Episcopal Portuguesa, pela Confederação Nacional dos
Institutos Religiosos e pela Federação Nacional dos Institutos Religiosos
Femininos, no contexto das celebrações dos cinco séculos de ação missionária da
Igreja Católica em Portugal, decorridas entre 1990 e 2000, no quadro do “encontro
e reencontro dos povos da lusofonia e do seu relacionamento, fruto de uma
história comum e da contínua e profunda ação desenvolvida pelos missionários ao
longo de décadas junto das populações dos países lusófonos”.
Num
primeiro momento, a FEC estava associada às celebrações comemorativas dos 500
anos dos descobrimentos portugueses e encontro de culturas (a primeira
globalização, como dizem alguns), mas, à medida que a década das comemorações
se aproximava do fim, a fundação ia consolidando a assunção da continuidade
desse relacionamento entre comunidades e Igrejas, através de atividades e projetos
de desenvolvimento nos países de expressão portuguesa.
A sua
missão é a promoção do desenvolvimento humano integral através da cooperação e
solidariedade entre pessoas, comunidades e Igrejas, com inspiração no Evangelho
e na Doutrina Social da Igreja Católica.
***
Muito
gostaria que Sua Santidade, ao mesmo tempo que pretende apresentar uma nova
imagem e um novo dinamismo de Igreja, a Igreja em saída para as periferias
existenciais, assente na disponibilidade, na exigência e na misericórdia – qual
hospital de campanha no tratamento de uma humanidade ferida nas lutas
constantes – integrasse no seu discurso habitual o destaque ao trabalho
apostólico e de promoção humana das gentes por parte dos cristãos e, porque
não, dos pastores em cada canto do mundo, no meio das maiores alegrias, mas
também dos maiores escolhos.
É certo
que não é essa a intenção do Papa, mas, a maior parte das notícias, a seguir à
postura inovadora de Francisco, enfoca: a riqueza de clérigos e a presumível
indisposição do Pontífice em relação a ela; a reestruturação do Banco do
Vaticano e a criação da Secretaria da Economia; os abusos de clérigos ao nível
do 6.º mandamento e a tolerância zero; a resistência à reforma da Cúria Romana
e a dança de cadeiras cardinalícias e prelatícias; e o firme apontar do dedo
aos pastores (fiscalizadores da fé, em vez de seus promotores; e bispos de
aeroporto – ou pastores ineptos para a transmissão da doutrina da Igreja em
matéria de espiritualidade matrimonial e familiar, falta de conhecimento nesta
matérias e receio de intervir, criação de desorientação por desvio da doutrina
da Igreja por parte de alguns, etc., como indubitavelmente se pode ler no Instrumentum Laboris para o sínodo dos
bispos). Isto sucede em momento em que, seja por que motivo for, diversas
entidades, mesmo longínquas da visão eclesial, enaltecem a ação social e
promocional da Igreja. Porque não o reconhecer sem orgulho e vaidade, mas com a
singeleza da verdade?
Ora,
parece que, além do discurso do Papa recorrente, frontal, profundo e simpático,
a Igreja precisa de ver reconhecida a sua ação, confirmada a sua caminhada de
fé missionária, fomentada a participação no culto, incentivados os seus
trabalhadores e relevados os seus pastores – para que o mundo creia e Deus seja
glorificado.
É justo
salientar o realce dispensado pelo bispo da Guarda ao trabalho devotado e
difícil do seu clero, como o discurso altamente positivo do bispo do Porto, que
não se cansa de aproveitar todas as oportunidades para agradecer a Deus o dom
dos sacerdotes que dá à Igreja local, a dedicação e empenho dos mesmos, o dom
do sacerdócio e enunciados similares. Também neste aspeto Dom António Francisco
é notável exemplo a apontar.
De facto,
reservar as loas e os encómios exclusivamente para a ocasião das exéquias,
embora seja necessário e justo, pecará por tardio. É conveniente estimular o
trabalho apostólico e relevá-lo enquanto é tempo.
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